A franquia Velozes e Furiosos tornou-se popular por trazer muito mais do que uma excelente franquia de ação aos cinemas; eles colocaram em alta o gosto por carros que sempre esteve presente no cotidiano de muitos, porém, dessa vez com o atrativo das modificações ou, como ficou comumente conhecido, as tunagens. Toda essa euforia evidentemente foi aproveitada em diversas mídias, sendo os videogames uma das que mais usufruíram desse potencial.
Na última edição do The Game Awards, Vin Diesel e Michelle Rodriguez subiram ao palco transbordando entusiasmo ao anunciarem Velozes e Furiosos: Encruzilhada. Desenvolvido pela Slightly Mad Studios e publicado pela Bandai Namco, o título promete colocar o jogador em corridas repletas de ação e adrenalina. O resultado você confere a seguir em nossa análise.
Na cola de criminosos
Embora a proposta inicial fosse as disputas de carros preparados para corridas ilegais, os últimos filmes da série vêm mudando o rumo para uma ação cada vez mais surreal e que na opinião de muitos ultrapassa a barreira do bom senso. Encruzilhada pega inspiração dessa nova vertente, deixando as corridas em segundo plano e focando mais na ação. O enredo começa com Dom e Letty seguindo a pista de um comboio em fuga de uma base militar, suspeito de planejar um ataque capaz de destruir os Estados Unidos. Rapidamente inicia-se uma perseguição contra um grupo de veículos em fuga até chegar ao ponto em que enfrentamos um veículo anfíbio gigante e repleto de armas.Apesar do clichê, a trama tem potencial, ainda mais por contar com a dublagem do elenco dos filmes, o que aumenta ainda mais sua carga dramática. É como os filmes muito comuns nos anos 1990, em que você queria apenas sentar e curtir uma boa ação, sem se preocupar com a coerência ou um roteiro bem formado. O problema é que os desenvolvedores não souberam inserir carisma o suficiente, mesmo utilizando figuras consagradas da saga. Para se ter uma ideia, um dos personagens acaba tendo um fim trágico, porém, tudo acontece de uma forma rápida e sem tempo para que o jogador se importasse com aquilo. Vienna e Cam são muito rasas, a segunda inclusive banca a figura da comediante do grupo, fazendo piadas a cada oportunidade )de forma forçada). Vienna é mencionada a todo momento como uma corredora de grande reputação, mas em momento algum a personagem te convence disso.
Nem a presença do Dominic Toretto e Letty conseguem salvar o ritmo da narrativa. Parece que faltou vontade dos atores em colocarem mais paixão em suas interpretações. Sabemos que Dom tem uma personalidade serena, que prefere analisar melhor a situação, mas ele tem seus momentos de explosões nos filmes, o que é um charme do personagem. No jogo isso está totalmente ausente, dando a entender que as pessoas estão simplesmente lendo a fala em cada cena. Para a minha tristeza, boa parte da campanha será jogada com as duas iniciantes, o que diminuiu meu interesse ainda mais nela. Acompanhar a narrativa ainda fica difícil, pois muito dela se passa enquanto você dirige e, como alta velocidade e leitura de legendas não combinam, o jogador que não compreender inglês estará obrigado a decidir-se entre os dois.
Um deslizamento em pleno deserto? Não questione, apenas pise fundo e divirta-se! |
Motores repletos de problemas
Conforme mencionado, o contexto aqui está totalmente focado na ação. A mecânica está mais voltada para o estilo arcade. Os acontecimentos são separados em capítulos, muitos deles passando-se em zonas urbanas movimentadas ou até áreas remotas como desertos. Em cada fase você terá um objetivo principal, que geralmente resume-se em dirigir de um ponto a outro do mapa em meio ao trânsito. Ao chegar no ponto de interesse ou mesmo durante o trajeto, novas missões podem surgir, como se livrar de comboios inimigos e viaturas policiais, entre outras. Não há um sistema de melhorias; em cada cenário você entra com veículos específicos, cada um contendo seus atributos, vantagens e desvantagens, além de três habilidades especiais: nitro e a ombrada (espécie de investida que o veículo dá para as laterais, causando dano de colisão), comuns a todos os carros, e uma habilidade única do possante em questão, que pode variar de lança-mísseis, arpão e até um sistema de hackeamento.Infelizmente aqui o jogo também contém erros significativos. Tudo bem que ele tem uma pegada mais voltada para o arcade, mas até mesmo os títulos atuais evoluíram as regras de física, por exemplo. Seu carro parece mais um tanque de guerra, pois ao colidir com outros veículos ele simplesmente os arremessa como se fossem de papel; já em algumas pistas, o meio-fio da calçada ou uma cerca de madeira são suficientes para te fazer bater como se ali tivesse uma muralha de aço. A ombrada é uma mecânica que contribui para diminuir o realismo, pois você pode estar fazendo uma curva em um sentido, mas se apertar o gatilho que direciona ao sentido contrário o veículo simplesmente se atira para o lado oposto como se um imã gigante o puxasse, ignorando qualquer gravidade que possa existir.
Alguns sites mencionaram a dificuldade no manuseio de cada automóvel, mas considerei como curva de aprendizado, pois cada jogo apresenta um estilo de condução próprio. Já no caso das pistas, aí sim cabe a crítica, pois envolve um bom level design. Fora os meio-fios e cercas intransponíveis, alguns mapas apresentam curvas que parecem ter sido feitas para você colidir, até mesmo os adversários controlados pela máquina, que deveriam apresentar boa perícia para aumentar o desafio, não escapam delas. Por falar em automóveis controlados pela inteligência artificial, em algumas missões estaremos acompanhados dos nossos amigos controlados por ela que parecem ter o intuito de bater em você o tempo todo.
Um detalhe que vale a menção é que uma das fases no deserto, em que repentinamente começa a chover pedras redondas no meio do caminho, sem ter ao menos um grande desfiladeiro próximo para justificar o ângulo da queda ou qualquer outra explicação lógica, há menos que fosse um jogo baseado no desenho de um famoso coiote tentando pegar uma ave corredora. Mesmo com tantos problemas, muito deles datados a jogos de duas gerações atrás, o jogo ainda consegue imprimir certa emoção. Durante os trajetos você encontra boas oportunidades de realizar saltos que empolgam bastante e perseguições inimagináveis (alguém falou em correr contra um foguete?).
Carrões bonitos, pilotos nem tanto
Uma coisa que me espantou durante o trailer de revelação foi o visual do jogo, que infelizmente permaneceu na versão final. Nossos carros são até bonitos, mas contrastam com a baixa resolução e falta de detalhes do cenário. Há um atraso na renderização dos veículos dispostos na pista, que vão se formando na medida que nos aproximamos deles.O pior ainda fica por conta do visual dos personagens, que lembram os bonecos da geração passada, com olhos nada expressivos, dentes super brancos, de um jeito que passa a sensação de ser uma dentadura, além do modelo do rosto. Os mais afetados foram a dupla Toretto e Letty, nos quais os modelos estão muito distantes da realidade, parecendo verdadeiros robôs. Eu enxergo dois padrões para jogos de corrida atualmente: aqueles que prezam pelo máximo de realismo possível em seu visual, o que é mais comum na atual geração, e jogos com uma pegada mais indie, chegando até a optar por um visual mais cartunesco. No caso de Velozes e Furiosos: Encruzilhada, ele parece que ficou no meio do caminho, resultando em um gráfico que se assemelha a jogos de gerações passadas.
Correndo com amigos
Há ainda um modo online no jogo que permite desbloquear novos veículos e customizá-los, apenas no sentido estético da coisa, na medida que subimos de nível ao adquirir pontos de experiência. As partidas são divididas em três equipes, cada uma com quatro integrantes: o primeiro é composto por heróis, o segundo por vilões e o terceiro por policiais. Os modos são réplicas dos objetivos que cumprimos na campanha como roubar um item de um local, derrotar um veículo especial, etc. Cada time se enquadra em um papel nesse contexto. No caso do veículo especial, o time de heróis deve destruí-lo antes que chegue ao seu destino, os vilões deverão protegê-lo e os policiais precisam impedir as duas equipes. Parece caótico, e de fato é, mas é o tipo de “bagunça” que acaba se tornando divertida.O único problema é que, mesmo com o lançamento recente, existe dificuldade em fechar os times para início do jogo por conta da exigência dos três times preenchidos. Uma opção, talvez, seria permitir preencher e balancear o time com bots em caso de demora na procura por jogadores. Os servidores também não rodam perfeitamente, resultando em lags que fazem veículos teletransportarem pelo cenário.
Enguiçando já na linha de largada
A franquia Velozes e Furiosos parece ser assombrada por uma maldição quando falamos de adaptações nos videogames. Até os dias de hoje nenhum título conseguiu entregar um produto satisfatório, que agradasse o público ou a mídia especializada, embora tenha sido responsável por redefinir e colocar a série Need for Speed (com Underground) como a preferida por muitos. Velozes e Furiosos: Encruzilhada não é uma exceção a esse tabu, trazendo uma qualidade gráfica, de enredo e jogabilidade muito abaixo do que uma franquia desse nível merece. Se você é fã dessa recente leva de filmes repleto de ação mirabolante, certamente terá seus momentos de diversão, mas no meu caso os contras pesaram muito mais no final das contas.Prós
- Alguns trechos da campanha empolgam pela ação dos embates e saltos cinematográficos;
- Modo online tem potencial para divertir.
Contras
- Baixa qualidade gráfica, principalmente nos modelos dos personagens;
- Atraso na renderização;
- Protagonistas pouco carismáticos;
- Level design das pistas mal trabalhado;
- Instabilidade dos servidores e dificuldade de encontrar partidas;
Velozes e Furiosos: Encruzilhada – PC/PS4/XBO – Nota: 6.0
Versão utilizada para análise: PS4
Revisão: José Carlos Alves
Análise produzida com cópia digital cedida pela Bandai Namco