Metal Gear 2: Solid Snake (Multi): um triênio de seu lançamento digno de reprise

A sequência direta de Metal Gear foi suspensa no Ocidente por alguns anos, no entanto, é um dos pontos fortes da franquia e merece ser revisitada.

em 13/08/2020

Dificilmente existirá alguém que tenha colocado as mãos em um joystick e que nunca tenha ouvido falar em Hideo Kojima ou algo sobre a saga Metal Gear. Uma das mentes mais extraordinárias do mundo dos jogos, com sua vasta cultura literária e cinematográfica, desenvolveu alguns dos enredos mais marcantes e significativos ainda quando jogos se limitavam à soma de pontos ou histórias toscas como pano de fundo para as aventuras de seus protagonistas.

Quando Metal Gear foi lançado originalmente para MSX 2 no Japão em 1987 (sendo mutilado no port para NES), havia nada parecido lançado anteriormente: ao invés de ação contínua em combates armados e físicos, o intrincado enredo forçava o jogador a fazer uso racional de seus recursos bélicos e utilizar constantemente habilidades em stealth para prosseguir em sua jornada. 
Esse cidadão aí mudou tudo.


Lançado exclusivamente no Japão em 1990, Metal Gear 2: Solid Snake (MSX 2) aperfeiçoou o que havia de melhor no jogo inaugural, cujos eventos levaram a questionamentos que só foram respondidos em Metal Gear Solid V: The Phantom Pain (Multi) 25 anos depois.

Maior e melhor

Como já dito, o que Kojima apresentou no primeiro Metal Gear foi na contramão de tudo o que havia em matéria de jogos no mundo. Nada tinha sido tão complexo e focado em uma boa narrativa (e sem deixar a jogabilidade de lado).

Em Metal Gear 2: Solid Snake, os gráficos estavam mais coloridos (sem perder o tom de sobriedade do jogo), a paleta de cores melhor trabalhadas, além da IA e mecânicas ainda mais aprimoradas. Os inimigos agora possuem um campo de visão em 45º (ao invés da limitada linha horizontal do jogo anterior), além de poderem virar a cabeça para os lados e se atentar a eventuais barulhos realizados pelo jogador, como disparos de armas sem silenciador, acionamento de dispositivos explosivos e mesmo ao caminhar sobre determinados terrenos. Em outras palavras, a mecânica stealth era ainda mais valorizada.

Para acompanhar a evolução dos inimigos, Snake agora poderá se arrastar pelo chão, inserir minas terrestres em pontos estratégicos para eliminar inimigos e ainda possui um radar que indica a posição do protagonista e seus adversários, permitindo a construção de estratégias ainda mais elaboradas pelo jogador.
Mesmo o rádio receptor foi aprimorado não apenas com a visualização do rosto de Snake e seu interlocutor, como também informações importantes sobre uma missão em tempo real — algo utilizado até os jogos mais atuais. Além disso, pequenos puzzles integram as missões, exigindo inteligência e criatividade do jogador para prosseguimento na campanha.

Além disso, a trilha sonora e a movimentação de Snake melhoraram consideravelmente, provando o cuidado que Kojima e sua equipe tiveram no desenvolvimento de uma sequência realmente impactante.

O enredo, claro!

Kio Marv.
O script é uma das marcas registradas de Kojima na série e é um dos fatores que mais aprecio em jogos, qualquer que seja o gênero. Após a destruição de Outer Heaven e, consequentemente, da máquina de guerra Metal Gear, o mundo adentrou em um dilema em 1999, ano em que a trama se desenvolve.

O mundo passava por uma crise de energia com um conflito referente ao fornecimento e extração de petróleo, forçando com que novas tecnologias fossem desenvolvidas para substituir a necessidade sobre o produto. Dentre as novas fontes de energia, a fusão nuclear era uma das alternativas, mas mesmo as máquinas que a produziam dependiam do combustível fóssil para se manterem ativas.

Tais imbróglios se mostraram superados quando um pesquisador tcheco, Kio Marv, desenvolveu uma tecnologia em uma nova espécie de alga da qual poderia extrair hidrocarbonetos, suprimindo a necessidade primordial das máquinas em questão, cujo projeto foi denominado como OILIX. Em mesmo tempo, um tratado internacional forçou com que as nações desarmassem seu arsenal nuclear. Uma nação — Zanzibar —, no entanto, se manteve aquém do tratado, além de sequestrar o cientista quando o mesmo se dirigia para uma manifestação nos Estados Unidos, sendo agora suprida pela nova tecnologia e ainda detentora de armas nucleares.
Vilão? Duvido muito.


Outrora aposentado de suas funções, Solid Snake foi convocado pelo novo comandante da FOXHOUND, Roy Campbell, para o resgate do Doutor Marv, além de investigar e deter eventuais planos do chefe da nova nação, que se provaria ser Big Boss — até então tido como morto em 1995, ano em que se passa o enredo do primeiro Metal Gear.

No decorrer do jogo, Snake descobre que outro ex membro da FOXHOUND, Frank Jaeger (mais conhecido como Gray Fox) se uniu aos objetivos de Big Boss para a criação de Zanzibar. Outro detalhe que muitos jogadores estranharam à época é que o próprio Big Boss foi dado como morto no final de Metal Gear, sendo incoerente que o mesmo reapareça como antagonista no jogo sequencial.

Um detalhe curioso aos leitores: ainda que Kojima fosse um exímio roteirista e que a estrutura narrativa da franquia esteja anos à frente dos jogos da época, a franquia sofreu um processo criativo chamado retroactive continuity, retcon ou continuidade retroativa. Para quem desconhece o termo, essa é uma mecânica utilizada por roteiristas de quadrinhos, jogos, filmes (dentre outros elementos culturais) que têm a função de permitir alterações de enredo para a adaptação de um novo material sem necessariamente alterar o sentido do conteúdo original.
"Big Boss vivo em Guns of Patriots?" Retcon, mas com boas explicações.
Novamente, as mecânicas empregadas em Metal Gear e o enredo denso se afastavam de tudo o que existia anos anos 1980, logo, o sucesso (ou insucesso) do projeto era uma incógnita — o próprio Kojima não tinha intenções em lançar uma continuação para o jogo.

Com a massificação da franquia com o sucesso indiscutível de Metal Gear Solid (PS), seria questão de tempo para que Kojima organizasse toda a estrutura narrativa da franquia, fechando o arco de questionamentos em Metal Gear Solid V (inclusive com a presença de “dois” Big Boss, vistos nos dois primeiros jogos cânones da franquia).

Prosseguindo: Snake não apenas se depara com um antigo colega de armas da FOXHOUND, tendo-o agora como inimigo, como também está encarregado de lidar com o “ressurgimento” de Big Boss e a versão final da máquina Metal Gear do jogo original, o Metal Gear D, então pilotado pelo próprio Gray Fox.


O resgate de Kio Marv fracassa, já que sofre um infarto durante uma sessão de tortura promovida por outro cientista, Drago Pettrovich Madnar (sim, o responsável pelo protótipo Metal Gear e sua versão final D), que trabalhava como agente da nação de Zanzibar e foi colega de campo universitário quando os dois estavam na República Tcheca. A despeito do incidente, Snake obtém um cartucho com informações fornecidas por Marv durante seu cativeiro que forneciam ao agente informações sobre OILIX.

Ainda que Marv tenha morrido antes de Snake adentrar a base, o protagonista conseguiu recuperar o projeto do pesquisador, eliminar o novo Metal Gear, Big Boss e resgatar outros prisioneiros, como Holly White, uma agente disfarçada da CIA responsável por investigar algumas das movimentações políticas de Zanzibar que foi capturada.

Após tanto tempo, ainda vale a pena?

Desde a crise entre Konami e Kojima, há incertezas sobre qual será o futuro da franquia. Alguns estúdios simplesmente ignoram as possibilidades e ofuscam talentos de alguns de seus colaboradores, arruinando completamente franquias consagradas e, consequentemente, destruindo objetos de desejo de fãs por todo o mundo.

Considerando o cânone da franquia Metal Gear, é praticamente certo que o ciclo está completo e muito provavelmente qualquer tentativa da desenvolvedora em elaborar algum projeto sem um dos principais responsáveis pelo sucesso resultará em um fracasso monumental — sim, Metal Gear Survive é a prova disso.
O Snake de MGS (PS) já é calejado, deem uma chance a ele no início de sua carreira.
Ainda que Metal Gear 2 tenha atingido a fase adulta de sua existência, é um importante ícone não apenas da franquia, mas dos jogos como um todo. Graças aos novos tempos, não há necessidade de buscarmos algum MSX 2 em pleno funcionamento, com o respectivo cartucho, para usufruirmos do que o título tem a oferecer, afinal, foi portado para diversos outros consoles, inclusive como um bônus de outros jogos da franquia.

É fã da franquia Metal Gear e ainda não o explorou? Está perdendo tempo. É fã de bons jogos eletrônicos? Se divertirá da mesma forma. O importante é que o título não se perca com o tempo e se torne meramente uma lembrança de um estúdio que já foi importante para a cultura dos jogos.

Revisão: Emanoelly Rozas

Mineiro, apaixonado por livros, música, filmes, discussões, Magic: The Gathering e, claro, jogos eletrônicos.
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