Final Fantasy VII Remake (PS4) e a difícil missão de recontar uma história

Entre o novo e o velho, como administrar os anseios por mudanças no enredo com o desejo de manter tudo como sempre foi.

em 18/08/2020

Final Fantasy VII Remake foi uma grata surpresa para os fãs da franquia (para os novatos também) e acabou se tornando um clássico instantâneo. Seus números de vendas foram impressionantes (alcançando a marca de 5 milhões de unidades digitais), levando em conta o lançamento conturbado por conta de adiamentos e da atual pandemia de Covid-19.

Como todos sabem, o jogo é uma releitura do clássico de PlayStation, de 1997, e carrega grande carga emocional (para os fãs e desenvolvedores). Um dos grandes desafios da equipe de produção foi como recontar a história, fazendo jus ao título original, e, ao mesmo tempo, entregar algumas novidades. Muito se fala das teorias do enredo do jogo, porém neste artigo iremos discutir um pouco da complexidade desse processo de criação. Aviso, esse artigo contém spoilers da história do jogo.

Diversas expectativas, diversas visões

Nunca é demais falar que games também são obras de arte e, como tais, carregam as expectativas e visões de seus criadores. Infelizmente, as mentes criativas por trás dos jogos que tanto amamos não possuem tanta liberdade criativa assim – eles devem levar em consideração as expectativas financeiras da empresa e, claro, a de seus fãs.

Esse cenário acaba criando uma espécie “sinuca de bico” para os desenvolvedores, principalmente quando estão trabalhando com reimaginações de obras consagradas, os nossos queridos remakes. Enquanto uma parcela significativa dos fãs anseia por uma reconstrução fiel do original, outra parcela busca novidades e os próprios criadores, às vezes, desejam atualizar ou mesmo redesenhar seu projeto.



Analisando o enredo de Final Fantasy VII Remake e os novos elementos trazidos à história, fica claro que existe um embate entre o velho e o novo – entre a liberdade de seguir novos rumos para o enredo (ou reescrever o destino) e o apelo dos fãs por mais do mesmo (seriam os whispers of fate?). Seja como for, parece que os desenvolvedores encontraram um balanceamento ideal e acabaram fazendo com que os próprios fãs tomassem partido.

Mudar ou não mudar, eis a questão

Mudanças sempre são feitas em obras que sofrem releituras, principalmente por questões técnicas, mas também por questões culturais. Uma das referências atuais em remakes trabalhados de forma competente foi Resident Evil 2 (apesar de sua continuação decepcionar um pouco). Outras releituras, como o recente Destroy All Humans!, são bem conservadoras.



Ao jogador veterano não passa despercebido, entre as diversas mudanças trazidas pelo remake, a presença dos Murmúrios do Destino, (Whispers of Fate). Os dementadores parecem uma adição estranha ao jogo, e sempre aparecem quando acontecimentos chave se desenrolam, impedindo que os fatos tomem outro rumo. Segundo algumas das muitas teorias, Sephiroth, o vilão do game, tenta mudar o curso da história.



Porém, e se, na verdade, quem tentasse mudar o rumo da história fosse uma parte considerável da equipe de desenvolvimento do jogo? Como não temos um Hinorubu Sakagushi para dar as rédeas à equipe e com Yoshinori Kitase no comando (já conhecido pelas viagens nas histórias de Kingdom Hearts), é de se supor que houve sim uma pressão para dar aquela esticada no enredo do remake (viagens no tempo, realidades paralelas?).

A quebra da quarta parede

Quando uma obra convida o jogador a participar mais ativamente da história, acontece o que chamamos de “quebra da quarta parede". Ou seja, ele deixa de ser um mero expectador ou jogador e experimenta o próprio jogo interagindo com ele. Foi exatamente isso que aconteceu com o enredo de Final Fantasy VII Remake. Pelo menos é o que parece.



Nesse sentido, com uma parcela importante dos fãs clamando por uma história mais conservadora (Aerith tem que morrer!) e os anseios de mudança de uma equipe já conhecida pela inovação, nada como colocar a responsabilidade do enredo nas mãos dos próprios fãs. Dessa forma os Murmúrios do Destino seriam os anseios daqueles que queriam tudo como sempre foi, segurando a onda inovadora de uma equipe doida para fazer mudanças.



Ao colocar a função de derrotar os Murmúrios nas mãos dos próprios jogadores, a equipe se livra da responsabilidade de apresentar a história como ela sempre foi, já que os próprios jogadores que decidem se vão derrubar as forças conservadoras do enredo e abrir caminho para a liberdade de criação das mentes por detrás do remake. Não tem como reclamar depois, certo? Assim, o jogo te trás a quebra da quarta parede, fazendo com que você mesmo aceite que as coisas podem ser diferentes, mesmo que você não queira.

Não seria essa apenas mais uma teoria?

Sim, a resposta é sim. Nenhuma das grandes cabeças por detrás do título deixou claro o porquê das mudanças e quais os rumos que a história vai tomar daqui para frente. Como se trata de um trabalho ainda em produção , eles querem manter o mistério, até para não estragar a experiência de jogar todos os capítulos da saga.




Contudo, a ideia de que existe um conflito entre o velho e o novo, entre a vontade de ter liberdade de criação e a responsabilidade de entregar um jogo que agrade os fãs veteranos e mais conservadores, é bem retratada nos novos elementos desse game. Aerith deixa bem claro aos seus companheiros que, derrotando os Murmúrios, eles teriam a liberdade junto com o desconhecido. É como se estivessem reescrevendo a história.



E são essas nuances criativas que são interessantes em obras de calibre, como é Final Fantasy VII Remake. Na verdade, ao que tudo indica, estamos diante de uma nova experiência e não um jogo graficamente atualizado para os consoles desta (e da próxima) geração. Parece, na verdade, se tratar de uma obra nova, mais uma para fazer parte do panteão de títulos que compõem o imenso e complexo universo de Final Fantasy VII.

Revisão: José Carlos Alves

Apaixonado por JRPG, fanboy de Final Fantasy, gosta de um bom papo de boteco com cerveja e Rock'n Roll. Escreve para a Game Blast pois sonha em ser escritor.
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