Em abril de 2019 foi a vez dos jogadores do Nintendo Switch serem agraciados com a obra dos irmãos Moldenhauer, o que deixou a comunidade se perguntando quando a aventura de Cuphead e Mugman chegaria ao console da Sony. Eis que em julho de 2020 as preces foram atendidas e o jogo finalmente chegou ao PS4 com todo seu charme, carisma e generosas doses de sofrimento para quem deseja se atrever a completá-lo.
Não faça apostas com o Diabo
A história de Cuphead apresenta os irmãos Cuphead e Mugman – Xicrinho e Caneco na versão brasileira – curtindo mais um agradável dia de sol na Ilha Tinteiro sob os cuidados da Velha Chaleira. Ignorando os avisos do ancião, como toda boa criança levada, os irmãos vão parar no cassino do Diabo, onde começam a se dar bem no jogo de dados e, ao serem tentados pelo próprio com uma aposta tentadora, perdem e devem entregar suas almas ao tinhoso.Em uma desesperada medida para não se tornarem escravos do cramunhão em pessoa, os irmãos imploram por uma outra forma de pagar a dívida e o chifrudo faz um acordo com as jovens louças. Eles deverão cobrar os contratos de alma de vários indivíduos que estão “negativados” com o capiroto para então quitar sua dívida. Os irmãos partem para fazer as cobranças dos devedores para tirarem seus canudos da reta e se livrar da dívida infernal.
Arte em movimento
Um dos destaques que mais caracterizam Cuphead é sua direção de arte, que conta com um minucioso trabalho de animação que contou com mais de 50 mil desenhos totalmente feitos à mão, e animados à moda antiga para dar vida a tudo no jogo, desde os cenários e personagens até os mínimos detalhes que se apresentam na tela. Tudo seguindo um distinto trabalho de direção de arte que apresenta o título como um desenho animado da década de 1930.O processo de produção não se resumiu apenas ao visual. O departamento de som também se esforçou para trazer mais autenticidade na arte apresentada no game, com uma trilha sonora sendo totalmente feita à moda antiga, com uma orquestra real e efeitos sonoros compostos totalmente por instrumentos, ferramentas e até mesmo a própria voz de integrantes do setor, exatamente como nas animações de quase um século atrás.
O resultado desse árduo trabalho foi recompensado quando o jogo foi lançado, inicialmente para Xbox One e PC, fazendo de Cuphead um dos títulos independentes mais bem-sucedidos de 2017, com vendas batendo rapidamente a casa de 2 milhões de cópias em dezembro do mesmo ano e vencendo premiações importantes como o The Game Awards na categoria de Melhor Jogo Independente e até mesmo o BAFTA.
Mesmo com toda a notoriedade e apreço da comunidade gamer, o título demorou a dar as caras no console da Sony, o que já foi deixando muitos sem esperanças de ver a aventura dos irmãos no PS4, pelo menos até agora.
Não é apenas um desenho bonito
Cuphead, à primeira vista, engana os desavisados que acham que este é mais um joguinho alegre, divertido e leve. Pelo menos nos dois primeiros adjetivos eu estou inclinado a concordar, por conta das excelentes animações e cores, junto com uma jogabilidade bem responsiva e acertada. Mas chamar de leve é um ledo engano. O título traz um nível de desafio extremamente elevado, principalmente para quem está procurando algo mais casual.O título é um run’n’gun, gênero que consagrou clássicos como Contra, Metal Slug e Mega Man, podendo ser jogado por até dois jogadores simultaneamente em modo cooperativo. O foco dele é mais para as batalhas contra os chefes, que são muitos e dispõem de estilos distintos de luta. Cada chefe apresenta um desafio único que vai provocar o jogador cada vez mais em sua jornada para cobrar os contratos de alma para o Diabo. Alguns chefes são enfrentados de outra forma, como num shoot ’em up – os populares jogos de navinha, para os mais íntimos.
Alternadamente a isso, alguns níveis dispõem do clássico esquema de correr e atirar pela fase, enfrentando inimigos e coletando moedas até chegar ao final.
Cuphead e Mugman dispõem de um generoso arsenal de armas e relíquias, que dão aos irmãos habilidades especiais como aguentar mais dano ou desaparecer enquanto se esquiva de um verdadeiro inferno de tiros na tela. Mas ter todo esse poder custa um preço, e para isso servem as valiosas moedas que são coletadas durante o jogo e sabiamente gastas no Empório do Toucinho.
Outro destaque na jogabilidade é a taparada. O movimento é literalmente um tapa, que funciona como um parry, permitindo que o jogador use um elemento do cenário, um inimigo ou mesmo um projétil para esquivar e se lançar ao ar. Praticamente proporcionando um pulo duplo. Todo elemento caracterizado pela cor rosa é suscetível a receber o golpe e, jogando com um amigo, também é importantíssimo para trazer seu aliado de volta à vida para uma nova chance.
O jogador tem total liberdade de equipar até duas armas, uma relíquia e uma superarte, que é recebida ao completar os níveis nos mausoléus. Cada arma proporciona um super tiro, que é obtido ao cumular energia suficiente em forma de cartas. Ao colecionar cinco destas, Cuphead ou Mugman podem executar sua superarte que pode ser um ataque que ocupa grande parte da tela ou um momento de invencibilidade.
A curva de dificuldade do game é rápida e honesta. Na primeira etapa do jogo as fases e chefes apresentam um desafio justo, oferecendo ao jogador uma ótima oportunidade para sentir o ritmo do game e deixá-lo, de certa forma, confortável com o ambiente que está adentrando. Isso é bom, pois a partir da segunda etapa essa curva ascende de forma bem acentuada, fazendo o jogador querer, nos casos mais brandos, apenas morder os punhos de raiva ou dar tapas no braço da cadeira ou na mesa. Os mais fervorosos chegam a descontar a raiva nos pobres controles do console, e isso sem nem ter terminado o jogo pela primeira vez e liberar a dificuldade Especialista, onde o verdadeiro inferno começa.
Completar o jogo, obtendo todos os troféus, se torna um trabalho verdadeiramente hercúleo, exigindo o máximo do físico e psicológico dos jogadores que desejam tal feito. É o tipo de game que, em níveis de dificuldade, se equipara – me atrevo a dizer que pode até superar – jogos soulslike, universalmente conhecidos por sua dificuldade elevada.
Uma excelente adição à biblioteca do PS4
A chegada de Cuphead ao PlayStation 4 se mostra uma excelente adição à biblioteca do console, proporcionando que uma das maiores comunidades da atual geração também tenha acesso a este excelente jogo. Outro ponto interessante acerca deste lançamento é que agora todos os jogadores poderão usufruir do vindouro DLC, chamado de Delicious Last Course, que ainda não tem data de lançamento confirmada, mas que ainda está previsto para este ano, prometendo arrancar o que ainda resta de cabelos das nossas cabeças.E algo que eu, como ávido defensor de jogos em nosso idioma, preciso ressaltar é sobre a localização do game. Somos apresentados a um cuidado excepcional em adaptar cada palavra, não fazendo apenas um trabalho cru de tradução de textos dos menus e legendas, fazendo cada sentença organicamente muito bem colocada e adaptada não só para nosso idioma mas também com um vocabulário compatível com o contexto histórico da obra, além de algumas "brasileirices". Achei isso excelente!
No mais, a comunidade PlayStation agradece por finalmente ter um título como Cuphead finalmente disponível.
Prós
- Direção de arte excepcional;
- Trilha sonora excelente;
- Jogabilidade fluida, responsiva e altamente customizável;
- Nível de desafio formidável;
- Ótima localização para o português.
Contras
- Alguns elementos visuais, mesmo sendo belíssimos, como cenários em primeiro plano, atrapalham e induzem o jogador ao erro;
- Nível de dificuldade elevado pode afastar jogadores mais casuais.
Cuphead – PC/PS4/XBO/Switch – Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: PS4
Revisão: Mariana Mussi S. Infanti
Análise feita com cópia digital cedida pelo Studio MDHR