Sega Saturn: um dos expoentes da geração 32 bits completa 25 anos

Com o ideal de manter-se conectada aos 16 bits, a Sega foi praticamente forçada a adaptar um de seus novos projetos de console à nova “bit war”, especialmente diante das especulações sobre seu mais novo concorrente, o Sony PlayStation.

em 01/06/2020
A geração 32 bits não foi menos senão uma continuidade do que ocorreu na geração anterior, quando Nintendo e Sega disputavam o público com seus SNES e Mega Drive/Genesis, respectivamente — saga que se iniciou com NES e Master System.


Atualmente — e em especial para as novas gerações de jogadores —, o aspecto mais importante sobre um console acaba residindo nos exclusivos, em especial porque a maioria dos grandes títulos AAA repousa em qualquer plataforma, inclusive nos PCs.

Mas na 5ª geração de consoles, um novo diferencial encantava os jogadores da época: a possibilidade de jogos em terceira dimensão de mesma qualidade — ou tanto quanto possível — como se via nos arcades da época.

A maioria das pessoas limita essa disputa a Nintendo x Sega x Sony, embora 3DO e Neo Geo tentassem emplacar seus próprios consoles com tecnologia em disco compacto — e a busca pelo máximo de realismo possível —, ao passo que a Atari, com seu Jaguar, tentava o mesmo feito, ainda que adstrita aos cartuchos.

Mas antes que sigamos por este caminho, é preciso remetermos aos primórdios do projeto que originou o Saturn ou, no mínimo, à “bomba” que “explodiu” no colo da Sega para que seu console de mídia digital chegasse onde chegou.

Não contavam com a astúcia — da Sony

Embora sofresse no continente americano — especialmente na América do Norte — com a massiva presença do NES, o interesse do público norte-americano pelos consoles da Sega permitiu que o Genesis — como é conhecido por lá — fosse bem recebido e mantivesse um público fiel. Lançado em 1988, era inquestionável que o console era muito superior ao que a Nintendo oferecia ao público até o momento.

Foi somente com o lançamento do SNES, em 1991, que as forças se reequilibraram e algumas das limitações técnicas do console da Sega se mostraram evidentes, especialmente no fim da era 16 bits, quando a Nintendo se aproveitou de tecnologias como os chips Cx4 (utilizado em Mega Man X2) e Super FX (empregado em Star Fox e Yoshi’s Island, por exemplo). Pior ainda: quando um título como Donkey Kong Country não exigiu qualquer chip embutido no cartucho, era certo que o Mega Drive já não tinha muito mais a oferecer.
Não havia mais como o Mega Drive competir.


No decorrer desse período (mais especificamente em 1993), a Sega trabalhava em dois projetos: o Jupiter, que seria um sistema avançado com base em cartuchos, e o Saturn, voltado à tecnologia com CDs — ambos com o ideal de serem trabalhados com jogos em 2D.

Com o anúncio da Sony de que seu primeiro console se voltaria primordialmente aos jogos em 3D, a Sega teve de se contorcer para se adaptar àquilo que se tornaria a nova tendência do mercado. No final das contas, o Jupiter se tornou o dispositivo que todos conhecemos como Sega 32X — que foi um fracasso comercial —, enquanto o Saturn teve de sofrer algumas adaptações para ser capaz de gerar gráficos poligonais.

Isso gerou uma série de problemas não apenas para os engenheiros de hardware, como também para as empresas desenvolvedoras: como o Saturn não foi inicialmente projetado para processar gráficos em 3D, uma série de chips extras teve de ser incluída no console — aumentando os custos inicialmente projetados. As desenvolvedoras, por sua vez, tinham uma dificuldade enorme para produzirem para o console em comparação ao novíssimo PlayStation, que ainda possuía um dev kit para os estúdios — a Sega sequer o fornecia.
Ridge Racer (PS): a Sony absorveu a lição.
Ainda assim, o Saturn era — e ainda é — uma bela máquina: ironicamente, com a especialidade em jogos 2D, especialmente os de luta. É claro que há jogos lindos em 3D para o console, tais como Nights into Dreams, Panzer Dragoon, Daytona USA e Virtua Fighter 2 — muitos deles clássicos do Saturn —, mas é nos jogos de luta em duas dimensões que, quer gostem os haters ou não, o aparelho da Sega mostra a que veio.

Melhor do que o PlayStation — sim, eu disse

Este redator é um privilegiado pela oportunidade de ter experimentado muitos dos jogos a que me referi no GameBlast e posso dizer sem peso na consciência: se o leitor procura por bons jogos de luta em 2D, sem slowdowns e com tudo o que os arcades à época ofereciam a um preço acessível, esqueçam o PlayStation e usufruam o potencial do Saturn.

X-Men vs. Street Fighter, Street Fighter Alpha 2, The King of Fighters ‘95 e Marvel Super Heroes vs. Street Fighter são apenas alguns dos títulos que agradarão os apreciadores da boa pancadaria em duas dimensões. A grande razão para muitos destes jogos fluírem tão bem em comparação ao PlayStation decorre de um acessório bem conhecido pelos usuários do Saturn: os cartões de expansão de memória RAM e ROM.

A primeira empresa a se utilizar do acessório foi a SNK com seu The King of Fighters ‘95, que era acompanhado de um cartucho ROM de 1 Mb — exclusivo para o título e incompatível com qualquer outro jogo.

Os cartuchos de expansão de memória RAM (que se dividiam em 1 MB e 4 MB), como o próprio nome induz, servem para expandir a RAM do console, permitindo maior fluidez de jogos compatíveis, enquanto outros (como Marvel Super Heroes vs. Street Fighter e Real Bout Fatal Fury) exigiam o uso da memória RAM adicional. Mais prática e abrangente, qualquer unidade de memória adicional serviria em qualquer outro título que exigisse a expansão indicada.

Embora essa exigibilidade faça com que jogadores céticos torçam o nariz, não era algo com que os consumidores da época deveriam se incomodar: os cartuchos de expansão acompanhavam praticamente todos os jogos que o exigiam, tornando uma eventual aquisição externa praticamente desnecessária. O aspecto negativo é que, diante do sucesso e expansão do PlayStation, a Sega optou por não trazer qualquer desses jogos para o público ocidental, limitando o acesso a alguns de seus melhores jogos aos consumidores asiáticos ou àqueles que eventualmente possuíssem consoles daquela região.

O Saturn em um mundo cada vez mais tridimensional

Como exposto inicialmente, a Sega foi pega de surpresa com o anúncio da Sony de que seu console se voltaria primordialmente aos gráficos em 3D, fazendo com que o hardware do Saturn recebesse uma série de adaptações para comportar jogos dessa natureza. Ironicamente, foi a própria Sega quem anunciou que o futuro dos jogos seria tridimensional com o lançamento de arcades como Virtua Fighter — ignorando o próprio prenúncio.
O mínimo esperado pelos jogadores.
Além disso, ao antecipar a data do lançamento ocidental do Saturn, a Sega impôs aos estúdios a difícil tarefa de concluir jogos para um console difícil de programar em 3D, o que não se realizaria em tempo hábil, forçando a própria empresa a desenvolver títulos first party para atender à demanda — levando inclusive a ports de jogos arcade famosos, como Virtua Fighter e Daytona USA, bem como à criação do estúdio Team Andromeda, responsável pela saga Panzer Dragoon.

As falhas de execução do Saturn seriam até compreensíveis caso se tratasse de uma empresa inexperiente no ramo, mas, considerando a expertise da Sega, são injustificáveis. A fim de agravar ainda mais seus problemas, naquilo que o console realmente fazia de melhor do que as concorrentes — jogos de luta em 2D —, acabou por se limitar ao mercado asiático, fulminando o interesse sobre o console do lado de cá do planeta.
Daytona USA: um de meus jogos favoritos para Saturn.
Outro aspecto que provavelmente dificultou ao Saturn garantir seu espaço no mundo ocidental foi a ausência de um jogo típico da mascote da Sega, o Sonic, já que Sonic Jam passou longe daquilo que os fãs esperavam.

Cores, acessórios e a famosa parceria com a Tectoy

Quando se observa a versão tradicional do Saturn (na cor preta), não é difícil concluir que é facilmente um dos mais bonitos (e sóbrios) consoles caseiros já lançados. Ainda assim, a Sega fez questão de lançá-lo na cor branca (com manetes de botões de ação coloridos) no Japão, substituindo a versão cinza, lançada inicialmente. Além disso, também foi disponibilizado o cobiçadíssimo Skeleton, que nada mais é senão a versão translúcida do aparelho. Como foi lançado praticamente no fim da vida do console, há poucas unidades disponíveis mundo afora.

Outros modelos que são o sonho de consumo dos colecionadores se manifestam no JVC-Victor e no Hi-Saturn, que nada mais são senão versões lançadas pela JVC e pela Hitachi, respectivamente. A diferença do Hi-Saturn é que ele  recebeu algumas melhorias e foi oferecido como um produto multimídia, em vez de “simplesmente” executar jogos. Ainda assim, qualquer versão do Saturn possui a capacidade de ler discos musicais digitais.
Uma das pérolas dos colecionadores.


Outro ponto interessante da Sega em relação ao Saturn foi a tentativa de conectar seu console à Internet para que jogadores pudessem disputar partidas entre si com a utilização do Sega Net Link, no entanto, além do serviço ser adstrito ao Japão, era compatível apenas com cinco jogos. Além disso, desenvolveu o famoso 3D Control Pad que acompanhava Nights into Dreams, que possuía seis botões de ação, o tradicional d-pad, bem como uma alavanca analógica, sendo ainda compatível com outros 69 jogos.

Os “engenheiros extra-oficiais” também fizeram sua parte: diante da trava de região existente entre as versões do Saturn, os jogadores não raras vezes se limitavam aos jogos disponibilizados nas respectivas regiões. Graças ao ST-KEY, a possibilidade de usufruir de títulos europeus ou japoneses — e vice-versa — era a forma menos “traumática” e arriscada para que consoles americanos “rodassem” jogos de outros locais do mundo. Alguns ST-KEY, inclusive, traziam também a famosa expansão de memória RAM necessária para executar muitos dos títulos oriundos do Japão. No entanto, não era incomum que a funcionalidade prometida fosse inferior à exigida pelo console.


Por fim, mas não menos importante, todos conhecem a clássica parceria entre a Sega e a Tectoy — que permanece em vigor até hoje. A preocupação da empresa brasileira em promover a Sega localmente era levada tão a sério que o lançamento do Saturn em terras tupiniquins ocorreu pouco mais de três meses após a disponibilização norte-americana. Inclusive, no final da vida do console, a empresa chegou a disponibilizar uma versão Skeleton. Além disso, todos os títulos lançados no ocidente foram disponibilizados também por aqui.

Parece catastrófico: há o que comemorar?

Não apenas o que comemorar, mas principalmente o que jogar. Nunca foi tão fácil usufruir do que há de melhor no mundo do Saturn do que nos dias atuais, mesmo em títulos com bloqueios de região — afinal, “chaveamentos” existem para isso. A despeito dos títulos multiplataforma, especialmente os desenvolvidos em 3D, serem melhor executados nos consoles concorrentes, com exceção do Neo Geo AES (que custa uma pequena fortuna atualmente), nenhum outro console caseiro se aproximará tão bem da experiência nos arcades quanto o Saturn.
A Tectoy fez questão de lançar o pacote com três jogos incluídos.
No que se refere aos exclusivos, títulos como Nights into Dreams, Daytona USA e as centenas de jogos lançados exclusivamente no Japão (entre RPGs e luta), há muito conteúdo de qualidade que pode (e deve) ser aproveitado — não sendo à toa que o console de 32 bits da Sega é facilmente um dos mais queridos e disputados produtos entre colecionadores e fãs de video games. Isso é motivo mais do que suficiente para que o console seja ovacionado e homenageado em seu 25º aniversário do lançamento ocidental.

Revisão: Ives Boitano

Mineiro, apaixonado por livros, música, filmes, discussões, Magic: The Gathering e, claro, jogos eletrônicos.
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