Abrirei meu coração para os leitores: o SEGA Saturn é um de meus consoles favoritos. Nights into Dreams, Daytona USA (provavelmente meu título favorito do Saturn) e mesmo SEGA Worldwide Soccer 97 (para alguém que não é fã de esportes eletrônicos) me marcaram e divertiram por muitos anos. O console não era popular no Brasil, especialmente pelo impacto que o PlayStation causou em seu lançamento e pelo “suporte” — um tanto torto — da facilidade que o console da Sony tinha em ser desbloqueado e acessível aos jogos de procedência “alternativa”.
Ainda assim, o Saturn foi um grande console que embora não recebesse tanto apoio de desenvolvedoras externas quanto seu principal (e novo) concorrente — no caso, o PlayStation —, muita energia e criatividade foi empregada pela SEGA para manter a biblioteca de jogos de seu console relevante. Dentre eles, menciono Panzer Dragoon.
Uma equipe criada apenas para isso
Como muitos devem saber, o lançamento do Saturn foi um tanto turbulento: antecipando em quatro meses a data prevista para o lançamento oficial do console, jogos de estúdios externos não teriam meios hábeis de entregar seus respectivos produtos dentro do novo prazo. O lançamento ocidental ocorreu no fatídico 8 de julho de 1995, quando o console possuía em seu catálogo apenas Virtua Fighter e Daytona USA, dois títulos de sucesso lançados originalmente nos arcades.Um console que merece respeito. |
Boa parte do trabalho inicial ficaria sob encargo de estúdios pertencentes à própria SEGA, dentre eles o Team Andromeda, criado para se encarregar de Panzer Dragoon — e o foi inclusive pelas sequências — cujo lançamento nos Estados Unidos ocorreu em agosto de 1995. Infelizmente, após o penúltimo episódio da franquia com Panzer Dragoon Saga, o estúdio encerrou suas atividades. No entanto, antigos membros da equipe fundaram a Smilebit, que foi responsável pelo último título, Panzer Dragoon Orta, lançado para o XBOX em 2002.
Cultura, arte e tiros
A mente criativa por trás do título está centralizada nas figuras de Yukio Futatsugi e Manabu Kusunoki. Futatsugi teve o ideal da criação da língua empregada no jogo durante as cutscenes, “Panzerese”, baseada em latim, russo e grego antigo — idiomas nos quais Yukio era apaixonado. Kusonoki, por sua vez, era aficcionado pelo artista francês Jean Giraud — também conhecido por “Moebius”, que apresentou seus trabalhos em filmes e quadrinhos —, além de ser admirador do cineasta Hayao Miyazaki (Nausicaa of the Valley of the Wind) e de David Lynch (Duna). Por sua vez, a trilha sonora ficou sob a responsabilidade de Yoshitaka Azuma, que fez um ótimo trabalho nos dois primeiros jogos da saga, especialmente diante de sua mistura entre o synthpop e a música tradicional japonesa . Em outras palavras, Panzer Dragoon possuía a estrutura para se tornar uma obra-prima.Da esq. p/ a dir.: Kusonoki, Azuma e Yoji Ishii, membro da Team Andromeda. |
A grande questão da equipe quanto ao desenvolvimento do título não divergia das dificuldades sofridas por qualquer outro estúdio: o Saturn não era um console propício ao desenvolvimento de jogos em terceira dimensão, mesmo com as alterações estruturais em sua CPU na reta final de desenvolvimento.
Isso não impediu, no entanto, que fosse possível oportunizar ao jogador rotacionar a tela em 360º, sendo possível girar o dragão não apenas para os lados, mas também em sua retaguarda, oportunizando atingir inimigos antes que se aproximassem.
Com isso, o Team Andromeda encontrou meios em desenvolver seu título em um formato que se tornaria muito popular nos arcades, o rail shooter, que fez sucesso em jogos como The House of the Dead e Virtua Cop. Com base nisso, o jogador se encarregaria de desviar de tiros inimigos, controlar a mira e disparar projéteis, enquanto o jogo controlaria o restante da ação. Embora esse formato esteja atualmente restrito a jogos de tiros — a maioria nos arcades —, foi uma fórmula que funcionou bem em Panzer Dragoon, recebendo ótimas críticas em seu lançamento.
Um bom enredo em um jogo curto
Outro grande destaque de Panzer Dragoon está em seu enredo. Diante das influências culturais de Futatsugi e Kusunoki, a história não seria menos épica: em um mundo pós-apocalíptico, os humanos disputam entre si por terras, recursos e tecnologias dos “Antigos” — os humanos que viviam no planeta (não especificado) antes da catástrofe que os assolou. Dentre essas tecnologias, havia monstros que foram criados para uso próprio e para a guerra.Com a queda dos “Antigos” em um cataclisma, muitas dessas criaturas permaneceram vivas e são alguns dos principais inimigos por toda a série, o que poderia levar à completa ruína da humanidade. Os humanos sobrevivem em razão da tecnologia e do conhecimento desenvolvido há eras, o que levou à construção de máquinas gigantescas e engenhocas incríveis, como navios voadores. Dentre os sobreviventes, surgiu uma facção chamada The Empire, que coleta e utiliza armas e mecanismos oriundos dos Antigos para dominar o continente.
Em Panzer Dragoon, o jogador estará no controle de Keil Fluge, um jovem caçador que em uma de suas jornadas vislumbra o combate entre dois dragões, um na cor preta e outro na cor azul. O dragão negro vence a batalha, ferindo mortalmente o cavaleiro do dragão azul, que tomba em campanha. Antes de morrer, entrega ao jovem Keil o controle de seu dragão, Solo Wing, outorgando-lhe a missão em encontrar uma antiga ruína a fim de derrotar o dragão negro.
Os jogadores devem ter em mente que estávamos em 1995, logo enredos épicos comumente se encontravam em jogos de RPG e era algo que a 5ª geração de consoles desenvolveria ao longo dos anos. Ainda assim, a história é suficientemente convincente a outorgar ao jogador o sentimento de responsabilidade sobre a missão que lhe foi conferida, além da eventual curiosidade em desbravar algo sobre este novo mundo que lhe é apresentado.
O jogo em si não é longo: em torno de uma hora é o suficiente para enfrentar e vencer o último chefe que, como se poderia esperar, é o tal dragão negro que conhecemos no início do jogo — por sinal, o monstro é gigantesco.
O último chefe em Panzer Dragoon: grande é pouco para definí-lo. |
Graficamente, era bonito para a época e, a despeito das limitações do Saturn, é um título que envelheceu bem, visualmente falando, sendo perfeitamente aceitável jogá-lo mesmo hoje com a evolução que os consoles sofreram ao longo dos anos.
Ports pra que te quero: ainda hoje vale a pena?
Embora fosse um exclusivo para auxiliar nas vendas iniciais do Saturn, Panzer Dragoon recebeu ports para PC em 1997 (exclusivamente no Japão) e integra o pacote “AGES 2500”, lançado em 2006 (também no Japão) para o PlayStation 2. Em 2002, Panzer Dragoon Orta foi lançado para XBOX, contendo o jogo original como um extra. Além disso, um remake foi anunciado para Switch durante a E3 de 2019, já disponível para download no console da Nintendo com gráficos completamente remodelados. Também foi anunciado para outras plataformas, inclusive as respectivas sequências.A grande questão, como todos os jogos que marcaram época, é: mesmo hoje, vale a pena? Panzer Dragoon foi um dos melhores títulos lançados para o Saturn. Não à toa foi “portado” para outros consoles mesmo sob plena existência do console originário. Além de receber ótimas críticas quando foi lançado, comumente integra listas de “jogos obrigatórios” mundo afora. Para os padrões atuais, não é revolucionário. Mas como a maioria dos títulos que amamos e guardamos em nossos corações ao longo dos anos, Panzer Dragoon é um dos títulos obrigatórios que ajudaram a construir os jogos como os concebemos atualmente.
Revisão: Farley Santos