De reestruturações a falências, relembre empresas de games marcadas por problemas financeiros

Dizem que quanto maior o tamanho, maior a queda. Para empresas de games, isso não é diferente.

em 14/03/2020
A indústria de videogames já se consolidou como uma das mais lucrativas do mundo. Segundo um relatório da Entertainment Software Association, organização formada pelas principais empresas do meio, o lucro do mercado em 2019 girou em torno de 35 bilhões de dólares só nos Estados Unidos.


Com tanto dinheiro sendo movimentado, as empresas do ramo não contam com muita margem para erros. Eventualmente, algumas decisões e práticas ruins acabam decretando a falência das companhias. Apesar de estúdios independentes abrirem e fecharem as portas o tempo todo, é notável que nem as gigantes da indústria estejam imunes a esse destino.

Vamos então relembrar as histórias de cinco empresas de games que se não chegaram em vias de decretarem falência de fato, chegaram bem perto.

Square Enix e a tentativa de entrar na indústria cinematográfica

A trajetória da Square Enix é calcada em diversas situações de quase falência. Basta lembrar da lenda a respeito do próprio Final Fantasy, cujo nome teria sido dado após a ideia de que aquele seria o último jogo de uma companhia que já andava mal das pernas (posteriormente, Sakaguchi comentou que, embora tal anedota se encaixasse com a situação da Squaresoft na época, a palavra Final foi utilizada só porque tinha boa sonoridade).

O mais marcante dos períodos de dificuldade foi às vésperas da fusão da Squaresoft com a Enix. À época, a Squaresoft tinha acabado de fundar a Square Pictures, divisão especial para produzir filmes focados em suas propriedades intelectuais. O primeiro — e único — projeto concluído foi Final Fantasy: The Spirits Within, um fracasso de bilheteria por conta de seu alto custo de produção e baixo retorno financeiro.

O longa-metragem, lançado em 2001, contribuiu consideravelmente para que a empresa entrasse de vez no buraco, mudando um lucro estimado de seis milhões de dólares para um prejuízo de 115 milhões para aquele ano, tudo por conta da péssima performance de bilheteria. Esse rombo foi amenizado, mas não completamente sanado, após uma injeção de verba provinda da Sony, que era co-produtora do filme.

Para se ter uma ideia, a fusão da Squaresoft com a Enix já estava sendo discutida desde 2000, mas a detentora da marca Dragon Quest quase deu para trás ao se deparar com os problemas financeiros encarados pela Square. No fim, essa união acabou acontecendo porque a Enix, apesar de ser a empresa mais saudável das duas na época, gostaria de ganhar uma visibilidade internacional maior para seus títulos.

A SNK que renasceu das cinzas

A SNK é uma verdadeira sobrevivente. Fundada originalmente por Ekichi Kawasaki como uma empresa de computação, ela viu nos games um nicho específico de onde poderia otimizar seu lucro. A companhia dominou por anos o mercado de Arcades com suas máquinas Neo-Geo MVS, revolucionárias por serem capazes de trocar os jogos que elas rodavam com a facilidade similar à que um console fazia com seus cartuchos.

A questão é que, tentando alcançar uma fatia maior do mercado, ela decidiu lançar o Neo-Geo AES, aquele que foi considerado o console mais poderoso do mundo à sua época, capaz de reproduzir os títulos de seus Arcades em ambientes domésticos com pouquíssimas perdas. O principal revés é que tamanha potência não sairia por um custo baixo. O preço elevado do aparelho acabou afugentando o público cativo e nem mesmo o Neo-Geo CD, uma revisão capaz de rodar a nova mídia daquele momento, foi capaz de reverter o declínio da empresa.
Ekichi Kawasaki e Lee Trevino promovendo Lee Trevino's Golf  (via Twitter)
Essa não foi a única decisão que fracassou no mercado. O Hyper Neo-Geo 64 foi uma placa de Arcade capaz de renderizar gráficos tridimensionais e que veio para substituir o MVS, mas o hardware oferecido pela concorrência, como a Namco, era superior, fazendo com que lançamentos como Samurai Shodown 64 e Fatal Fury: Wild Ambition fossem ultrapassados por Tekken. Outro aparelho que não sobreviveu à competição foi o Neo-Geo Pocket, portátil de qualidade, mas completamente obliterado pelo Game Boy em plena febre Pokémon.

O declínio da SNK a levou a ser comprada por uma companhia chamada Aruze, especializada em pachinko (uma espécie de equivalente japonês do caça-níquel), que não tinha o menor interesse em desenvolver as IPs com novas iterações, mas simplesmente utilizá-las para promover suas próprias máquinas.

A SNK se reergueu das cinzas como uma fênix quando Ekichi Kawasaki se aproveitou da dissolução da empresa pela Aruze e conseguiu readquirir as suas propriedades intelectuais, criando a Playmore. Depois de vencer algumas disputas judiciais, a nova marca passou a se chamar SNK Playmore, nome que perdurou até 2016, quando foi comprada por um conglomerado chinês que decidiu rebatizá-la de volta ao nome original.

Hudson Soft e quando seca o patrocínio

A Hudson Soft costumava ser uma das principais empresas japonesas da indústria. Não só responsável por Bomberman, a companhia concebeu, ao lado da gigante da computação NEC, o PC Engine. Conhecido também como TurboGrafx-16, tal console 16-bit foi foi uma plataforma prolífica para o gênero visual novel.

Apesar de se dar bem produzindo como uma third party — afinal, basta lembrar que a série Mario Party surgiu com a empresa — é notável que ela teve problemas para se adaptar a um mercado que exigia games cada vez mais complexos e muito diferentes dos estilos 8-bit e 16-bit aos quais estava acostumada.



No começo do milênio, ainda que relativamente estável no mercado, a Hudson sofreu um baque fortíssimo com a falência do Hokkaido Takushoku, banco comercial de onde vinha a maior parte de seus financiamentos. Tentando encontrar outra forma de angariar fundos, ela decidiu abrir o capital na bolsa de valores japonesa.

Foi quando a Konami viu uma oportunidade e decidiu adquirir uma porcentagem considerável da Hudson. Essa fatia foi crescendo com o tempo até eventualmente tornar a detentora de Bomberman uma completa subsidiária. Em 2012, a Konami a absorveu de forma integral, promovendo sua dissolução.

Sega e seus conflitos que não eram contra a Nintendo

Mais uma que não foi à falência de fato, mas sofreu perdas consideráveis a ponto de precisar se reestruturar. Embora tenha conseguido bater de frente com a Nintendo durante um bom tempo, é notável como conflitos internos e decisões fracassadas de negócios quase sepultaram a marca.

O declínio da Sega começou com a existência de uma espécie de rixa entre as divisões japonesa e americana, que muitas vezes entravam em atrito a respeito de como conduzir várias de suas marcas e a própria imagem. Essas brigas acabaram respingando nas próprias divisões de projetos, o que fez com que o Mega Drive (Genesis, nos Estados Unidos) perdesse o rumo que estava traçando.

Isso se deve a uma quantidade absurda de periféricos que atolaram o mercado em sua época, como o SEGA CD, que funcionava como um leitor externo de CD-Rom, e o 32X, um expansor de hardware que podia ser acoplado ao Mega Drive original para receber jogos exclusivos (de uma maneira similar ao 64DD, da Nintendo). Essas ideias não deram muito certo porque o mercado já tinha conhecimento do desenvolvimento do Saturn, um console que seria sabidamente mais potente.

"Torre" do Mega Drive com o Sega-CD e o 32X acoplados. (via Polygon)
Em determinado momento, a Sega estava se fazendo presente no mercado dando suporte a várias plataformas diferentes. Além do Mega Drive, Sega CD, 32X e Saturn, havia o Game Gear, o Pico e o Multi Mega CDX . O fato de todas elas estarem defasadas em relação à concorrência — Nintendo 64 e PlayStation — também foi um duro revés.

A última incursão da Sega nos consoles foi o Dreamcast. Bem mais potente do que qualquer máquina já disponível naquele momento, ela se mostrou ultrapassada às vésperas de seu próprio lançamento, quando a Sony, em uma coletiva de imprensa, anunciou as especificações técnicas daquele que veio a se tornar o PlayStation 2. Para se ter ideia, a nova plataforma da Sony era capaz de reproduzir sessenta milhões de polígonos por segundo, vinte vezes mais do que os três milhões do Dreamcast.

Com as vendas globais do Dreamcast sendo pouco satisfatórias e a companhia passando por apertos financeiros, a Sega decidiu descontinuar o console e se reestruturar para focar sua produção em software. Ironicamente, naquele momento — por volta de 2001 — a empresa era a única que ainda lucrava no setor de arcades, o que foi suficiente para evitar sua falência completa.

Silicon Knights e o processo que saiu pela culatra

A Silicon Knights é a empresa mais nova da nossa lista. Enquanto os declínios das companhias anteriores se deram mais por incursões de mercado que não deram certo, a bancarrota da Silicon Knights ocorreu principalmente no campo jurídico, que desmascarou várias das gambiarras praticadas pela empresa.

Por volta de 2004, um dos principais projetos da empresa era Too Human, um RPG de ação desenvolvido exclusivamente para o Xbox 360. Cercado de expectativa, o título chegou a ser lançado em 2008 e foi considerado um produto verdadeiramente medíocre. Na prática, essa carência de qualidade veio por conta de problemas durante o seu desenvolvimento.

O que a Silicon fez? Culpou a Unreal Engine e decidiu processar a Epic Games por conta disso, alegando que o motor de jogo não fez o seu dever de facilitar o desenvolvimento de Too Human. Em retaliação, a Epic recorreu ao dizer que a Silicon tinha completa noção de que a engine não estava em seu estágio final e que várias características que eles queriam utilizar ainda estavam em desenvolvimento. Como se isso não bastasse, a empresa que hoje é responsável pelo fenômeno mundial que é Fortnite acusou a Silicon de violar diversas patentes referentes à Unreal sem ter permissão.

O processo se encerrou com a Silicon Knights perdendo a ação e com o tribunal aceitando a denúncia da Epic por plágio de código, rapidamente identificado não só no Too Human, mas em outro título do estúdio, X-Men Destiny (Multi). Além de ter que pagar uma indenização de quase cinco milhões de dólares, a Silicon precisou destruir toda e qualquer cópia de Too Human e X-Men Destiny que não tivesse sido vendida. Mais do que isso, três projetos ainda em desenvolvimento também precisaram ter seu progresso completamente aniquilado. Com o desenrolar de tais derrotas na justiça, a Silicon Knights acabou declarando sua falência.

Revisão: Davi Sousa

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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