Nos últimos anos a série Yakuza, muito conhecida no Japão, começou a ganhar força aqui no Ocidente com os lançamentos de Yakuza 6 e principalmente com Yakuza 0, que faz o trabalho de apresentar para um novo público os protagonistas Kazuma Kiryu e Goro Majima. O jogo traz o velho bairro Kamurocho, dessa vez acompanhado pelo bairro de Sotenbori, para servir de palco para mais uma guerra por poder na máfia japonesa.
A origem de duas lendas
Yakuza 0 conta duas histórias distintas que vão se conectando à medida que progredimos em sua narrativa. A primeira delas acompanha Kazuma Kiryu, o já costumeiro protagonista da franquia que aqui ainda é um jovem que está ingressando no submundo da máfia japonesa para seguir os passos de seu tutor Shintaro Kazama. Durante um dos “trabalhos” neste início de carreira, Kiryu é acusado de matar um civil em um terreno que é disputado por todas as famílias que constituem o clã Tojo, e com isso é iniciado um corrida para provar sua inocência e descobrir quem está por trás desta emboscada.
A segunda história é a de Goro Majima, que é outro personagem constante nos jogos da série. Após os acontecimentos do passado de Majima, que são narrados em Yakuza 4, Goro agora está na cidade de Osaka, mais precisamente no bairro de Sotenbori e trabalha como gerente do Grand, um local onde homens pagam para conversar com mulheres. Porém, esse trabalho é forçado e na verdade ele está preso na cidade e não faz mais parte do clã Tojo. Para poder deixar o local ele precisa pagar uma dívida no valor de 500 milhões a Sagawa, verdadeiro dono do Grand. Bem no início do jogo é oferecido a oportunidade dessa dívida ser quitada e Majima ser reintegrado ao clã, e para isso ele precisa encontrar e matar Makoto Makimura, personagem com um importante papel na trama.
A narrativa é dividida em capítulos em que iremos ficar alternando o controle entre os dois protagonistas, e sempre que houver a troca serão recapitulados os últimos acontecimentos. De cara a primeira impressão que fica é que temos duas história que poderiam muito bem render dois jogos completos, pois temos aqui um dos títulos mais longos da série e capítulos bem extensos com bastante tempo para o desenvolvimento do seu argumento.
Se por um lado é muito bom que a narrativa dê o tempo necessário para sua evolução, existem muitos momentos em que o ritmo de cada passagem é prejudicado pelo alongamento de acontecimentos que não influenciam a linha principal da história, servindo apenas como introdução para mecânicas de alguma das inúmeras atividades paralelas presentes no jogo.
Quando Yakuza 0 volta o foco para sua trama principal, ele brilha e entrega uma história com ótimos personagens que apresentam arcos narrativos que provocam uma real evolução em suas personalidades. E isso é essencial aqui, pois deixando de lado as lutas, traições e disputas por poder, o jogo quer te contar como Kazuma se tornou o “Dragão de Dojima” e como Goro ficou conhecido como o “Cachorro Louco” (Mad Dog). O título consegue ser bem sucedido nesse aspecto, conseguindo agradar alguém que já é veterano na série, mas também criando um roteiro que é uma porta de entrada para novatos.
Elevando ao máximo uma fórmula antiga
O gameplay do jogo funciona com base em tudo o que a série já construiu até o momento, fazendo uma ou outra inserção, mas nada que alguém que já tenha jogado um título anterior se surpreenda.
Colocando o jogador em um pequeno mapa aberto, a tradição é mantida e um vasto número de minigames, lojas e sidequests (aqui chamadas de substories) está a disposição para quem quiser imergir em sua atmosfera. Desde sessões de karaokê a revisitar clássicos da Sega, o jogo faz um bom trabalho em oferecer variedade e profundidade em seu “mundo”. E quando falo em profundidade quero dizer que cada atividade paralela tem seus objetivos e algumas estão envolvidas em histórias próprias.
Durante a aventura cada um dos dois personagens terá de gerir seu próprio negócio. Kazuma irá comandar um firma que compra estabelecimentos e cobra por proteção, já Majima ajuda um pequeno clube de hostesses a crescer e enfrentar outros cinco grandes locais da região. Ambas as atividades têm sua própria linha narrativa e mecânicas que as tornam bem viciantes, seja adquirindo mais e mais estabelecimentos, ou conseguindo acertar na escolha da garota para atender um cliente. O contraponto dessa profundidade é que ela não casa com a urgência que a trama exige, acaba não fazendo sentido para a própria narrativa que qualquer um dos personagens gaste o seu tempo para cuidar de negócios em meio a uma situação em que vidas estão em perigo.
Essa dissonância também é perceptível em outros pontos como nas substories, algo já bem tradicional da franquia. Enquanto elas funcionam muito bem para ampliar o jogo, dar a chance de se levar menos a sério, e em particular a este título, gerar uma exploração orgânica uma vez que essas missões não estão marcadas no mapa, muitas vezes elas são inseridas nos capítulos apenas como forma de tutorial para uma nova mecânica, e acabam por deixar o ritmo bem arrastado em certos momentos.
Enquanto que a exploração das duas cidades representa metade do jogo, a outra parte é um beat 'em up muito bem executado. Sem muitos segredos, cabe aos protagonistas resolver quase tudo com seus punhos e sair utilizando combos para acabar com quem estiver em sua frente, e sempre que a barra de especial estiver cheia, aproveitar para desferir um golpe esmagador que tira boa parte da vida do inimigo. E se a situação estiver difícil, basta procurar no cenário por algum cano, sofá ou até mesmo uma bicicleta para desferir ataques devastadores.
O combate em geral é bem satisfatório, com comandos bem responsivos e o peso das lutas é muito bem retratado, o problema é que rapidamente fica algo repetitivo e maçante. No meu caso, que jogo Yakuza desde o primeiro título para PlayStation 2, a saturação de ver a mesma coisa rapidamente se torna um inconveniente ainda em um ponto inicial da aventura. Talvez para quem esteja chegando na franquia só agora, isso só aconteça mais para o final e nem represente um grande problema.
Provavelmente sabendo dessa saturação da formula, algumas mecânicas foram alteradas e outras inseridas. Agora o acúmulo de experiência para a evolução da árvore de habilidades não é mais feita por meio de pontos. Aproveitando o contexto do jogo que mostra um momento favorável da economia no país com pessoas gastando rios de dinheiro, para adquirir novas técnicas é preciso gastar grana. Isso é interessante pois coloca mais um questão a se ponderar: será que eu devo evoluir meu personagem ou investir em seu negócio?
Enquanto a questão do dinheiro como pontos de experiência apenas altera o gerenciamento da árvore de habilidade, a jogabilidade é profundamente modificada com a inserção dos estilos de luta. Cada um dos personagens possui três estilos diferentes: um ágil e com golpe fracos, um balanceado, e um que preza pela força física porém mais lento. Essa adição traz variedade aos combates e coloca uma camada a mais neles, pois é preciso escolher qual a melhor maneira de enfrentar o oponente, e durante os chefes por vezes é preciso trocar de acordo com o andamento do embate.
E abrindo aqui um destaque para os chefes, as lutas contra eles são sensacionais e conseguem transmitir sua dramaticidade muito bem, criando batalhas com várias etapas e colocando quicktime events que resultam em cenas de tirar o fôlego, marcando a transição entre as etapas.
Kamurocho já foi mais belo
A série sempre foi conhecida por ter bons gráficos em suas cutscenes, apresentando boas expressões faciais, ótima animação e dublagem. Aqui, exceto por um tipo de cena mais estática que não me agradou em nada por diminuir a expressividade dos personagens, tudo continua em um ótimo nível de execução, o problema é quando sai das cenas e volta para ação. O jogo já é um pouco antigo e isso pesa em vários momentos com texturas borradas, iluminação muito fraca com sombras duras ou sem sombra nenhuma, modelos de personagens repetidos o tempo todo, enfim, na parte técnica o título começa a apresentar sinais da idade.
O que também aparenta estar mais velho é o bairro de Kamurocho. Enquanto é bem legal ver alguns locais já conhecidos, como a praça onde fica a Millennium Tower, levemente alterados para mostrar como eram nos anos 80, para quem já está acostumado com a vizinhança do bairro faz falta ver algo novo que chame a atenção e dê um sopro de novidade. Até mesmo Sotenbori é praticamente a mesma vista em Yakuza Kiwami 2 (Multi).
A trilha sonora que embala a jornada dupla também fica agarrada em sua tradição. Sem grandes novidades, assim como os combates aleatórios nas ruas, ela rapidamente se torna repetitiva e funciona mais como um batida de fundo do que algo usado para pontuar uma emoção. Durante a luta contra chefes é onde fica a exceção, com músicas novas que conseguem ajudar a construir o clima da batalha com composições épicas, fugindo da batida eletrônica usada nas lutas comuns.
Um dragão que por vezes engasga
O jogo chega agora ao Xbox Game Pass e, por sua vez, esta é a versão utilizada para a análise. A princípio temos tudo que um bom port para PC tem que ter: suporte a resolução 4K , 60 quadros por segundo (podendo ser habilitado para as cutscenes) e alguns filtros a mais. Ele consegue entregar tudo isso em um jogo que não exige muito do hardware, mas alguns problemas dessa versão atrapalharam um pouco a jogatina.
Em primeiro lugar, ao executar o jogo em tela cheia o cursor do mouse não era capturado para ficar oculto, bastava eu esbarrar no mouse que ele voltava a aparecer. Enquanto isso é apenas um detalhe, eu experimentei algumas quedas bruscas de fps que ocasionaram stuttering tanto na imagem quanto no áudio. Essas quedas aconteceram em uma configuração com uma RTX 2060, Ryzen 5 1600 e 16 GB de memória ram, bem acima dos requisitos recomendados, o que deixa espaço apenas para que o problema esteja de fato na otimização da versão usada para análise.
Vale ressaltar que também pude jogar um pouco da versão lançada no Steam, e na época não conseguir notar nenhum dos problemas mencionados acima, que durante todo o tempo que passei com Yakuza 0 não ocorreram muitas vezes.
A Yakuza está pronta para receber novos integrantes
A melhor qualidade de Yakuza 0 é sua história, ele consegue entregar duas tramas distintas que aos poucos irão criando conexões de forma natural e com boas viradas de roteiro. Os novatos na franquia irão encontrar um ponto de partida com uma boa introdução ao complicado universo da série e aos personagens principais. Aos veteranos que já conhecem cada rua do bairro de Kamurocho, pode pesar o fator de mais do mesmo, mas o carisma dos protagonistas e poder controlar Goro Majima pela primeira vez é mais do que o suficiente para mais uma visita.
Prós
- Ótima história que mescla bem os dois protagonistas;
- Inserção dos estilos de luta nos combates;
- Atividades paralelas diversificadas e com uma certa profundidade;
- Boas batalhas contra chefes;
- Ótimo ponto de entrada para novatos.
Contras
- Pequenos problemas de performance no PC;
- Gráficos começam a mostrar sinais da idade;
- Pode rapidamente se tornar repetitivo para veteranos a série.
Yakuza 0 — PC/PS4/XBO — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Farley Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela Sega