Análise: Wizardry: Labyrinth of Lost Souls (PC/PS3): um RPG dungeon crawler à moda antiga

Ao olhar apenas para o passado, o jogo traz uma “nova” experiência desagradável e antiquada para o gênero.

em 23/02/2020

A série Wizardry é uma das mais antigas dos RPGs. Iniciada em 1981, ela teve um bom sucesso originalmente, mas foi perdendo espaço ao longo do tempo. Apesar de ser um título ocidental, foi no Japão que ela conseguiu mais repercussão, tendo influenciado vários dos RPGs de lá.


Desenvolvido pela Acquire, Wizardry: Labyrinth of Lost Souls fez parte de um projeto de revitalização da marca (Wizardry Renaissance), tentando resgatar a relevância dessa obra com novos projetos feitos por diversos desenvolvedores japoneses. O jogo foi lançado originalmente no PS3 e chegou agora ao PC.

Criando os personagens para a aventura

Labyrinth of Lost Souls coloca o jogador na pele de um grupo de aventureiros que chegam a Athals. No início, além do nome do seu personagem, o jogador pode escolher sua raça e sexo. Cada combinação tem uma base específica de atributos, favorecendo certas afinidades em detrimento de outras (gnomos, por exemplo, são melhores com magia, mas têm pouco HP). O jogador pode então alocar uma certa quantidade de pontos para os atributos do personagem, exacerbando suas especificidades ou reduzindo suas fraquezas.


Esse valor, no entanto, varia de forma aleatória. Cada vez que o jogador abre a tela de criação do personagem, um novo valor de bônus é atribuído, podendo variar de valores abaixo de 10 a valores bem altos como 36, o que se reflete em uma diferença bastante significativa em combate, mesmo com a limitação de aumentar no máximo em 10 cada atributo.


É com base nos atributos e no alinhamento (bom, mau, neutro) escolhido pelo jogador que as opções de classes abrem. Um mago, por exemplo, precisa de inteligência, mas um bispo precisa de inteligência, piedade e pertencer a um alinhamento bom ou mau. A questão do alinhamento é uma escolha importante, pois personagens bons e ruins não fazem equipe, sendo necessário optar por um deles (e neutros, que não têm esse problema, mas perdem acesso a algumas classes importantes).

Além da diferença de forças e fraquezas, a narrativa também muda levemente para cada um dos possíveis protagonistas. O impacto não parece muito significativo ao jogar, alterando apenas duas quests, mas a história principal é bastante compacta (quatro/cinco missões), sendo um jogo que oferece muito mais sidequests do que elementos significativos de enredo.

O funcionamento da criação do protagonista também vale para qualquer personagem criado pelo jogador, mas o jogo também oferece aliados básicos de qualidade mediana já prontos na guilda. Assim, não é necessário gastar muito tempo criando personagens, apesar de ser recomendado que o jogador faça um bom planejamento da sua equipe.


Depois de montada a equipe, é hora de explorar a cidade, ir para as dungeons e fazer quests. Como normal desse tipo de jogo, a cidade principal é apenas um menu simples com os lugares de interesse: a estalagem, que pode ser usada para recuperar HP e MP dos personagens; a loja local, que vende uma variedade de itens; a guilda, que serve para receber novas quests e alterar a equipe de aventureiros; o templo, que revive e cura efeitos variados, e pode até mesmo aumentar o nível dos personagens em troca de dinheiro; e o palácio, que só tem utilidade durante determinadas missões.

Uma experiência retrógrada na masmorra

Em termos de dungeons, são três as disponíveis: Dungeon of Trials, Shiin e Deeper Levels. A primeira é mais fácil e indicada para que o jogador comece a aventura, sendo onde é realizada a quest inicial.
Mapa de uma das áreas na primeira exploração
Desde o início, o jogador é livre para explorar do seu jeito. No entanto, é bem contraindicado explorar sem um mapa. Essa mecânica básica do gênero funciona de um jeito ruim nesse jogo, sendo necessário ou comprar um mapa na loja ou usar uma magia de mapa arcano para ter acesso a ele (que funciona em uma tela separada ao invés de um minimapa visível a qualquer momento, por exemplo). E mesmo com esse gasto, é necessário andar pelo lugar para poder mapeá-lo de fato, já que os mapas começam totalmente vazios.


Cada área é explorada em primeira pessoa e, conforme o jogador anda, pode ser surpreendido por um encontro aleatório com um grupo de criaturas. Apesar de funcionar como turnos de forma tradicional, o sistema de batalhas consegue ser mais inconveniente do que o normal. Ao invés de definir diretamente um inimigo para atacar, o jogador pode apenas escolher um grupo dentre os inimigos presentes. Usualmente, para ataques básicos isso significa apenas os inimigos que estão na frente, então a escolha faz ainda menos sentido.
A falta de escolha direta na hora de atacar faz com que a aleatoriedade torne as batalhas mais lentas e tediosas do que o normal quando o jogador enfrenta muitos inimigos. Um inimigo pode estar fraco, precisando de apenas um golpe para morrer, mas seus vizinhos serem atacados no lugar, o que prolonga desnecessariamente a luta. Essa falta de controle é piorada pelo fato de que os personagens podem perder a consciência após serem atacados, ficando incapazes de agir pelo próximo turno. Também não é possível mudar as posições dos personagens durante a batalha por decisão estratégica do jogador.


Como se não bastasse essa falta de controle, em uma mesma área podem conviver inimigos fáceis que praticamente não encostam no jogador e difíceis a ponto de aniquilar a equipe inteira. É apenas uma questão de sorte encontrá-los. Caso todos os personagens morram, o jogador é transportado de volta para a cidade e terá a oportunidade de resgatar os corpos dos seus companheiros na dungeon ou pagar dinheiro para que o templo faça isso. Aí é necessário pagar ou usar magia de alto nível para reviver os aliados, sendo possível que eles sejam transformados em cinzas no processo e demandem um processo de restauração mais caro.

Além disso, mesmo vencendo, o jogador pode ser punido de forma aleatória. Derrotar os inimigos implica no ganho de experiência, itens e possivelmente baús. Esses baús usualmente contêm armadilhas que precisam ser desarmadas, fazendo com que o ladrão (especialista nisso e em abrir portas trancadas) seja uma classe bastante útil. No entanto, eles podem simplesmente não ter nada, o que é na verdade bem comum. Mas a pior parte fica por conta de ganhar níveis.

Em RPGs, normalmente ganhar níveis é sinônimo de se tornar mais forte, ganhar pontos variados ou até mesmo poder definir mais especificamente a progressão do seu personagem. Mas Labyrinth of Lost Souls achou super divertido fazer com que isso não só seja definido aleatoriamente, mas também que seja possível que seu personagem perca pontos de atributo ao subir de nível. Com isso, é muito indicado que o jogador salve com bastante frequência para poder fazer save scum (restaurar um save para repetir o ganho do nível e ter mais sorte da segunda, terceira ou quarta vez). Pelo menos, é possível salvar dentro das dungeons, reduzindo essa tortura ao mínimo.

De forma geral, essas mecânicas são uma forma retrógrada de pensar em um dungeon RPG, tornando-o desnecessariamente complicado, lento e problemático. O jogo também faz questão de não explicar praticamente nada do que é essencial para a sua jornada, mesmo sendo recheado dessas coisas que só pioram a experiência. Também destaco a falta de trilha sonora enquanto se explora a dungeon, uma escolha muito estranha que torna a experiência ainda pior. Mesmo não chamando atenção, pelo menos existe música na cidade, nas batalhas e em momentos específicos de história, fazendo a parte de andar pelas dungeons destoar das demais.

Na sua tentativa de resgatar um estilo mais tradicional de RPG, Wizardry: Labyrinth of Lost Souls acaba proporcionando uma experiência desagradável de dungeon crawler que apela apenas para os mais masoquistas dos jogadores. Considerando o quanto o gênero evoluiu desde seus primórdios, com títulos como Etrian Odyssey, Labyrinth of Refrain: Coven of Dusk e Mary Skelter, é muito difícil recomendá-lo.

Prós

  • É um bom dungeon RPG à moda antiga para quem gosta de sofrer por causa do azar;
  • É possível salvar dentro das dungeons.

Contras

  • Batalhas contra múltiplos inimigos têm um funcionamento lento e tedioso, não sendo possível escolher quem atacar diretamente, apenas o grupo de inimigos;
  • Sistema de KO (uma perda de consciência temporária ao tomar um dano) apenas atrapalha o controle já limitado do jogador;
  • Falta de balanceamento nos níveis de força dos inimigos;
  • Ganhar nível pode implicar em ficar mais fraco ao invés de mais forte, sendo necessário fazer uso de save scum para garantir melhoria;
  • Pouca ou nenhuma explicação de vários sistemas essenciais, como o mapa;
  • Falta de trilha sonora na exploração da dungeon.
Wizardry: Labyrinth of Lost Souls - PC/PS3 - Nota: 4.0
Versão utilizada para análise: PC
Análise produzida com cópia digital cedida pela XSEED Games

é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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