Em 2019, a série completou 25 anos. Nascida em 1994, ela foi resultado de um projeto com um objetivo muito simples: trazer alguma competição que pudesse bater de frente com Street Fighter II, que naquele momento ainda dominava sem concorrentes o cenário dos fliperamas e ameaçava a hegemonia da SNK nesse nicho.
A história de The King of Fighters é também a história da SNK
Durante a década de 80, a SNK se especializou na produção de arcades após largar a produção de hardware e software para o mercado corporativo. Isso se deu por conta do sucesso pontual de títulos como Vanguard, responsável por influenciar outros shooters, como Gradius, da Konami; Beast Busters, considerado o primeiro shooter de zumbis com jogabilidade em trilhos; e Athena, game que ficou conhecido por conta de sua princesinha de biquíni. Ikari Warriors também se destacou consideravelmente por ser o primeiro título que conseguiu ter sucesso no uso de um controle no formato de joystick em fliperamas.
A grande ideia da SNK, contudo, seria a produção do famoso Neo-Geo MVS, em 1988. Enquanto os arcades eram máquinas completamente fechadas e dedicadas à performance de um único software, o Neo-Geo MVS funcionava como um console: um único sistema cujo game poderia ser trocado com facilidade. O seu sucesso acabou rendendo o lançamento do Neo-Geo AES, uma versão doméstica tão poderosa quanto os grandes gabinetes de fliperama.
A questão é que um console precisa de jogos. Para suprir esse buraco vieram Fatal Fury, em 1991, e Art of Fighting, em 1992. Sendo esses títulos incapazes de bater diretamente de frente com o grande fenômeno da Capcom à época, a SNK decidiu ir justamente no sentido oposto e criar um game de luta com uma proposta completamente diferente. Nasceu, assim, Samurai Shodown, com seus combos arrebatadores e ultraviolência gráfica. Ele chegou a fazer sucesso, mas ainda não era o suficiente, principalmente por conta de seu lançamento atribulado pela presença censura nas versões ocidentais.
O que faltava à SNK? Os jogos não deixavam de trazer resultados positivos, mas sempre à sombra da concorrência. As várias tentativas renderam uma infinidade de propriedades intelectuais diferentes. Se todas repercutiram positivamente, surgia a ideia: por que não pegar o pequeno sucesso de cada uma delas e juntá-lo em um único de maiores proporções?
O embrião desse cruzamento de diferentes propriedades intelectuais já tinha surgido em 1993 com Fatal Fury Special, quando Ryo Sakazaki, de Art of Fighting, fez uma participação especial como personagem secreto (não-jogável nos fliperamas, mas controlável na versão caseira). Por sua vez, o desenvolvimento factual dessa ideia de juntar todo mundo teve início como um beat’em up de visão lateral em duas dimensões que era chamado, originalmente, de Survivor. A versão beta contava com Terry Bogard e Robert Garcia como jogáveis, mas havia pretensões de que outros personagens integrassem o elenco, visto que um de seus diferenciais seria justamente a formação de times de três integrantes com eles.
O primeiro crossover da história dos games
Lançado em agosto de 1994, The King of Fighters era um nome que já havia aparecido originalmente como um subtítulo de Fatal Fury. Ao todo, vinte e quatro personagens de diversas séries da SNK, mais alguns criados especialmente para o título, compunham o elenco. Esse número naquela época era surpreendente — para se ter uma ideia, as versões originais de Street Fighter II e Darkstalkers tinham oito e dez lutadores, respectivamente.
Aproveitando o número elevado de personagens, o sistema de times concebido lá em Survivor acabou sendo mantido como uma forma de aproveitar toda essa galera. Desses vinte e quatro, cinco vieram de Fatal Fury (Terry Bogard, Andy Bogard, Joe Higashi, Mai Shiranui e Kim Kaphwan) e cinco vieram de Art of Fighting (Ryo Sakazaki, Takuma Sakazaki, Yuri Sakazaki, Robert Garcia e King). Ikari Warriors trouxe sua dupla protagonista (Ralf Jones e Clark Still). Psycho Soldier, sequência espiritual do Athena clássico dos arcades, seria representada pelo mesmo número de lutadores (Athena Asamiya e Sie Kensou).
A questão é que esses times eram formados por três lutadores e, portanto, novos personagens precisavam ser criados para que finalmente pudessem ser fechados. Surgiram então nomes como Benimaru Nikaido, Chang Koehan e Choi Bounge no intuito não apenas de equilibrar as diferentes equipes, mas também para trazer elementos variados de história que tirariam o tom sério que o game poderia ter carregado. Com isso, eram atingidos tanto o público veterano e mais velho de Fatal Fury e Art of Fighting quanto novas audiências que seriam atraídas para uma IP inédita. Considerando que se tratava uma franquia original, um protagonista próprio também foi concebido: Kyo Kusanagi.
A nível de gameplay, a SNK optou por utilizar apenas quatro botões (soco forte, soco fraco, chute forte, chute fraco) que passavam por diferentes variações e combos, dependendo da direção do joystick. Apesar de parecer simplista, é necessário levar também em consideração que, para dominar a jogabilidade, era necessário se acostumar com o estilo de pelo menos três personagens diferentes por conta do seu inovador sistema de trios.
Essa primeira edição de 1994 foi o marco zero de um evento anual, já que um game da série passou a ser lançado a cada ano por aproximadamente uma década — o que prova que o conceito de “franquia anual” é algo que já vinha de tempos antigos da indústria.
A Aclamada Saga Orochi
O enredo de KOF ‘94 era o clichê para qualquer game de luta: o vilão, Rugal Bernstein, era um negociador de armas que foi o responsável por organizar o torneio que iria reunir os maiores lutadores de todo o mundo. Como era de se esperar, tudo não passava de um plano para que ele pudesse matá-los e adicioná-los em sua coleção de oponentes derrotados.
O primeiro game fez bastante sucesso e foi suficiente para fazer a Capcom sair da zona de conforto (composta basicamente de versões revisadas, nada muito diferente dos dias atuais) e lançar o primeiro Street Fighter Alpha com treze lutadores — incluindo alguns de Final Fight —, em 1995. A resposta da SNK foi The King of Fighters ’95, que ainda ganhava em número de personagens e trouxe uma novidade relevante que deu um fôlego maior para a série: enquanto os membros das equipes eram fixos na versão anterior, agora o jogador poderia escolher os integrantes do trio individualmente.
Além disso, houve uma substituição marcante no elenco: a American Sports Team (Lucky Glauber, Heavy D! e Brian Battler) deu lugar à Rival Team. Eiji Kisaragi (de Art of Fighting 2) e Billy Kane (Fatal Fury) acompanhavam o novato misterioso Iori Yagami. Esse trio recém-formado foi estreante de um novo torneio que contou com a participação dos mesmos times da edição anterior.
“É o ano do nosso Senhor, 1995. Mais uma vez, os convites para o Rei dos Lutadores se encontraram em seu caminho para os combatentes mais poderosos do mundo. O seu remetente é ninguém menos do que o misterioso “R”! Seria esse o “R” de Rugal, que supostamente se explodiu em seu porta-aviões há um ano?
Entre os competidores desse ano está a equipe recém-formada de Billy, Yagami e Kisaragi, que fez o time americano comer poeira. Mas quais são as motivações de Billy? Quais são as ambições almejadas por Kisaragi? E quais são desígnios malignos que Iori Yagami guarda para o seu velho rival, Kyo Kusanagi?”
O enredo de KOF ‘95 serve como pontapé inicial da consagrada Saga Orochi, visto que é nele a primeira menção aos poderes ocultos de tal clã, utilizados tanto por Iori quanto Rugal em sua forma Omega — que até hoje causa pesadelos nos jogadores veteranos por conta da dificuldade elevada que o encontro com ele proporciona, algo de praxe para os chefões da SNK.
Essa versão de 1995 também marca o início das atividades da SNK como desenvolvedora third party, visto que ela produziu edições caseiras não apenas para o Neo-Geo e Neo-Geo CD, mas também para PlayStation, Saturn e Game Boy.
Enquanto KOF ‘95 ainda foi produzido tendo como referência principal a versão de ‘94, The King of Fighters ’96, por sua vez, já trouxe uma arquitetura completamente nova e diferenciada em relação aos seus antecessores. O game foi um marco por ser o primeiro título a ultrapassar os limites técnicos conhecidos até aquele momento do Neo-Geo MVS — o padrão do sistema era o de cartuchos de até 330 megabits, enquanto KOF ‘96 tinha 362. Apesar disso, a própria equipe de produção acabou tendo problemas durante o desenvolvimento do jogo por conta do prazo apertado que tinham para refazer literalmente todos os sprites do game, além de desenvolver os novos personagens e retrabalhar todo o motor de jogo.
Essa versão de 1995 também marca o início das atividades da SNK como desenvolvedora third party, visto que ela produziu edições caseiras não apenas para o Neo-Geo e Neo-Geo CD, mas também para PlayStation, Saturn e Game Boy.
Enquanto KOF ‘95 ainda foi produzido tendo como referência principal a versão de ‘94, The King of Fighters ’96, por sua vez, já trouxe uma arquitetura completamente nova e diferenciada em relação aos seus antecessores. O game foi um marco por ser o primeiro título a ultrapassar os limites técnicos conhecidos até aquele momento do Neo-Geo MVS — o padrão do sistema era o de cartuchos de até 330 megabits, enquanto KOF ‘96 tinha 362. Apesar disso, a própria equipe de produção acabou tendo problemas durante o desenvolvimento do jogo por conta do prazo apertado que tinham para refazer literalmente todos os sprites do game, além de desenvolver os novos personagens e retrabalhar todo o motor de jogo.
“Ao contrário do mistério que cercava os torneios KOF anteriores, a edição de ‘96 se tornou um evento internacional de grande porte patrocinado por um número considerável de grandes corporações. Eliminatórias foram promovidas em vários cantos do mundo e, dentre as nove equipes finalistas, estão os competidores KOF de costume que já ansiavam testar suas habilidades em uma competição oficial.
Desta vez, contudo, entre os times há um que não falha em deixar uma pulga atrás da orelha, composto por Geese Howard, Wolfgang Krauser e Mr. Big. Os três, que já tentaram dominar o mundo uma vez, são agora meros participantes do torneio. Seu objetivo, talvez, seria se livrar dos irmãos Bogard ou dos discípulos do karatê Kyokugen? Como se essa surpresa não fosse o suficiente, Iori Yagami surge novamente, agora ao lado de uma dupla de mulheres misteriosas. O que a rivalidade entre Iori e Kyo Kusanagi, que amaldiçoa as famílias de ambos desde os tempos mais antigos, guarda para nós dessa vez?”
A verdade é que a organizadora oficial do torneio de 1996 é Chizuru Kagura, que também tem seus motivos particulares por trás, embora não tão escusos: descendente do clã Yata, seu objetivo é reunir os descendentes do clã Yasakani (de Iori) e do clã Kusanagi (de Kyo) para evitar a vinda de Orochi, uma entidade selada há aproximadamente mil e oitocentos anos e que está para ser libertada por Goenitz, que age como seu sacerdote.
De um modo geral, KOF ‘96 foi vítima de um desenvolvimento apressado e se tornou uma espécie de experimento com resultados positivos e negativos. Enquanto o jogo tem alguns problemas de balanceamento, ele foi responsável por introduzir finais específicos para cada uma das equipes e as icônicas poses de vitória. A iniciativa de terem deixado Rugal de lado por um momento também merece ser destacada. O game recebeu ports para Neo-Geo AES e Neo-Geo CD no ocidente, enquanto o Japão ficou com lançamentos domésticos para PlayStation e Saturn, bem como a versão de Game Boy, também lançada na Europa.
Apesar de ter seu retorno frustrado em 1996, a sombra de Orochi ainda se faria presente no torneio de 1997, quando a ameaça é contida de uma vez por todas. Em The King of Fighters ’97, a trilogia se encerra com chave de ouro em um game bem-acabado que se preocupou em corrigir os problemas de balanceamento do anterior.
Outro marco interessante é a participação do público na escolha dos novos participantes do torneio. Três enquetes foram conduzidas pelas revistas de games Famitsu, Gamest e Neo Geo Freak, cujos leitores elegeram Ryuji Yamazaki, Blue Mary e Billy Kane, respectivamente. Embora os três sejam personagens provenientes de Fatal Fury, a equipe foi chamada de “Special Team”, visto que “Fatal Fury Team” já era o nome do trio composto por Terry, Andy e Joe.
Yamazaki, aliás, também foi reaproveitado na própria história ao ser introduzido como um dos oito servos de Orochi (em alusão ao número de cabeças da serpente mitológica japonesa de mesmo nome), ao lado de Shermie, Yashiro Nanakase e Chris, que juntos compõem a equipe de sub-chefes. As misteriosas Mature e Vice, colegas de time de Iori, também são reveladas como outras duas cabeças. Com elas, até agora somam seis. Os outros dois são Goenitz, derrotado no game anterior, e Gaidel, morto antes dos acontecimentos do torneio, mas presente nele através de sua filha, Leona, a nova integrante do time Ikari desde KOF '96.
De um modo geral, KOF ‘96 foi vítima de um desenvolvimento apressado e se tornou uma espécie de experimento com resultados positivos e negativos. Enquanto o jogo tem alguns problemas de balanceamento, ele foi responsável por introduzir finais específicos para cada uma das equipes e as icônicas poses de vitória. A iniciativa de terem deixado Rugal de lado por um momento também merece ser destacada. O game recebeu ports para Neo-Geo AES e Neo-Geo CD no ocidente, enquanto o Japão ficou com lançamentos domésticos para PlayStation e Saturn, bem como a versão de Game Boy, também lançada na Europa.
Apesar de ter seu retorno frustrado em 1996, a sombra de Orochi ainda se faria presente no torneio de 1997, quando a ameaça é contida de uma vez por todas. Em The King of Fighters ’97, a trilogia se encerra com chave de ouro em um game bem-acabado que se preocupou em corrigir os problemas de balanceamento do anterior.
Outro marco interessante é a participação do público na escolha dos novos participantes do torneio. Três enquetes foram conduzidas pelas revistas de games Famitsu, Gamest e Neo Geo Freak, cujos leitores elegeram Ryuji Yamazaki, Blue Mary e Billy Kane, respectivamente. Embora os três sejam personagens provenientes de Fatal Fury, a equipe foi chamada de “Special Team”, visto que “Fatal Fury Team” já era o nome do trio composto por Terry, Andy e Joe.
“O KOF ’96 se encerrou com um incidente em sua conclusão. Esse acontecimento foi oficialmente divulgado como resultado de atividades terroristas causadas por um grupo desconhecido cujos detalhes referentes à identidade, aos motivos e ao paradeiro dos responsáveis permanecem um mistério.
Apesar do ocorrido, o torneio KOF ’96 foi um tremendo sucesso comercial. Poucos meses depois, o evento desencadeou uma febre por combates e várias empresas de grande porte manifestaram interesse em patrocinar as competições posteriores, aumentando a demanda por um cada vez mais aguardado KOF ’97. A mania dominou o mundo e o ele finalmente veio à luz.
Com a decisão de realizar o torneio, lutadores começaram a se reunir em várias localidades para as partidas eliminatórias, cada um com seus motivos. Alguns queriam testar suas habilidades, outros decidiram entrar pela fama e fortuna. A notícia da competição se espalhou por vários veículos de mídia e os fãs se reuniram para presenciar as ardentes batalhas preliminares. Paralelamente, vários estádios KOF foram construídos ao redor do globo e, naturalmente, a expectativa para o KOF ‘97 excedeu quaisquer precedentes e logo torna-se evidente que, assim como o anterior, esse atingiria um clímax notável.
Qual time será o vencedor do torneio e conquistará a coroa sob os olhos do mundo todo? Irá novamente um incidente inesperado ameaçar estragar as festividades como o do ano passado? A atenção do mundo todo está voltada para o torneio desse ano! O KOF ’97 chegou!“
The King of Fighters ’97 foi lançado da mesma forma que o ’96, com versões domésticas para o Neo-Geo e Neo-Geo CD nos EUA, enquanto o Japão recebia o jogo no PlayStation e Saturn.
A versão do Game Boy foi dessa vez preterida porque a SNK estava, naquele momento, apostando no próprio console portátil, o Neo-Geo Pocket. Assim, o equivalente lançado no aparelho foi o The King of Fighters R-1, que, no intuito de compensar o déficit de capacidade gráfica do console, os personagens foram adaptados para um estilo chibi.
A versão do Game Boy foi dessa vez preterida porque a SNK estava, naquele momento, apostando no próprio console portátil, o Neo-Geo Pocket. Assim, o equivalente lançado no aparelho foi o The King of Fighters R-1, que, no intuito de compensar o déficit de capacidade gráfica do console, os personagens foram adaptados para um estilo chibi.
Ao contrário das iterações anteriores, The King of Fighters ’98: The Slugfest deu uma segurada no desenvolvimento de uma narrativa e se propõe apenas como uma reunião hipotética de todos os personagens da série, mesmo os que já tinham passado dessa para uma melhor dentro da cronologia. O game também marca o retorno pontual da American Sports Team e a volta de Rugal Bernstein como oponente final, visto que, de acordo com a SNK, é o único personagem capaz de representar o “chefão supremo” da franquia, agora mais desequilibrado do que nunca.
Por se tratar apenas de uma coletânea de todos os lutadores, a versão é considerada até hoje como a melhor edição de KOF por conta do elenco expandido e completo, da jogabilidade refinada — que é basicamente a mesma de KOF ’97, mas com os ajustes necessários — e do acabamento gráfico.
Enquanto o port de KOF ’98 para PlayStation ficou restrito ao Japão, os de Neo-Geo e Neo-Geo CD chegaram a ser lançados também no mercado americano. O mesmo jogo chegou a sair para Dreamcast no ano seguinte como The King of Fighters: Dream Match 1999 tanto no ocidente quanto no oriente. A versão portátil também foi produzida para o Neo-Geo Pocket Color e vendida como The King of Fighters R-2 com a mesma pegada de seu antecessor.
Na próxima parte da reportagem, continuaremos a nossa trajetória pela franquia The King of Fighters, passando pelas sagas NESTS e Ash, pela série derivada Maximum Impact e por outros spin-offs até os dias atuais. Até lá!
Revisão: Farley Santos