Análise: Indivisible (Multi) é uma aventura bela, mas com potencial desperdiçado

Inspirado em Valkyrie Profile e outros títulos, o jogo da produtora Lab Zero tem parte técnica impecável, mas inúmeros problemas em suas mecânicas.

em 24/10/2019

A desenvolvedora Lab Zero Games é conhecida pelo jogo de luta Skullgirls, que tem como um de seus maiores destaques o visual elaborado com gráficos 2D desenhados à mão. Em seu segundo projeto, a equipe decidiu explorar o gênero RPG, e assim surgiu Indivisible. O jogo usa como inspiração a série Valkyrie Profile para criar um combate dinâmico e com ares de ação, além de apresentar também um extenso mundo para explorar. A ideia era promissora, e depois de inúmeros anos em desenvolvimento o título foi finalmente lançado. A parte técnica é impecável, no entanto muitos aspectos subdesenvolvidos fazem com que Indivisible nunca alcance seu real potencial.

Uma jornada de vingança e autoconhecimento

Ajna é uma garota que vive tranquilamente na vila de Ashwot na companhia de seu pai. A relação entre os dois é complicada, pois a personalidade de ambos é bem diferente: ela é energética e impulsiva, já ele é metódico e muito calado. De qualquer maneira, Ajna aprende artes marciais com seu pai, mas sempre se pergunta o motivo dele nunca comentar o próprio passado. Um dia, a vila é atacada, e o progenitor de Ajna acaba sendo assassinado por Dhar, um guerreiro mandado pelo imperador Ravannavar.

Cega de ódio, ela decide enfrentar o assassino, mas algo estranho acontece durante o confronto: a garota absorve o rapaz e ele vai parar em sua mente, literalmente. Sem outra opção, Ajna decide contar com a ajuda de Dhar para encontrar Ravannavar e vingar a morte de seu pai. Pelo caminho, a garota descobre que há um perigo muito maior capaz de acabar com o mundo. Ajna também entende aos poucos as suas origens e de onde surgiram seus estranhos poderes.


A trama de Indivisible usa um conceito muito conhecido em RPGs, ou seja, uma heroína que sai em uma jornada inicialmente simples, mas que se revela ser muito mais importante. O interessante aqui é a grande variedade de personagens que Ajna encontra pelo caminho. Além do assassino Dhar, que é forçado a viajar com a garota, muitos outros entram para o grupo: uma feiticeira piromaníaca chamada Razmi; Zebei, um arqueiro com forte senso de justiça; Thorani, uma djinni cujo cabelo solta uma água com propriedades curativas; um guerreiro de nome Tungar que ataca com um turbante que se transforma em arma e muitos outros.

A base da história do jogo é boa, mas uma série de problemas a tornam risível. A primeira questão é a protagonista Ajna e sua personalidade extremamente mal ajustada. A garota é energética e toma decisões rápidas e imprudentes, o que está de acordo com a personalidade de um adolescente, no entanto ela se desenvolve pouco no decorrer da trama. Inclusive, logo no início da jornada, dá para perceber que Ajna não é bem construída: o pai dela morre e ela não sente um pingo de tristeza, é simplesmente tomada pela raiva. Para piorar, a garota aceita se aliar ao assassino, e minutos depois já está até fazendo piada sobre a morte de pessoas. Isso se repete constantemente pela aventura, fazendo com que eventos importantes soem irrelevantes.


Já os outros vários personagens esbanjam carisma com seus visuais inusitados e personalidades divertidas. A diversidade é grande, e no grupo de heróis temos uma garota que é acompanhada de uma imensa ave, uma musicista capaz de aumentar atributos por meio de sua música, um cachorro que adora receber carinho durante as batalhas, um justiceiro que lembra um herói de seriado japonês e mais. A questão é que eles têm personalidade rasa e mal desenvolvida apoiada em estereótipos, raramente contribuindo de maneira significativa na trama. Alguns poucos personagens fogem essa regra, no entanto fica a sensação de que eles são rascunhos inacabados.

Um mundo de plataformas e puzzles

Indivisible se divide em dois principais momentos: exploração e combates. Na maior parte do tempo, controlamos diretamente Ajna por cenários de progressão 2D em momentos de plataforma. Pelo caminho, aparecem vários puzzles de navegação, como alcançar locais de difícil acesso, pular por plataformas, ativar dispositivos para mudar características dos cenários e mais.

Para conseguir superar os desafios, Ajna tem à disposição alguns movimentos. Um dos principais é usar seu machado para se agarrar a partes do cenário e realizar um novo pulo, o que permite alcançar locais mais altos. A garota também consegue saltar nas paredes para chegar mais longe. Já a rasteira é indispensável para escorregar por cantos apertados. No decorrer da aventura, a heroína aprende novas habilidades que facilitam a navegação pelo mundo. Muitos dos puzzles mais interessantes exigem utilizar os movimentos de maneiras inteligentes e é um dos pontos altos do jogo.


Um mapa elaborado e muitas habilidades de navegação sugerem que Indivisible é um representante do gênero metroidvania, no entanto não é o caso: a progressão da aventura é linear. Até existem colecionáveis para procurar nos estágios, no entanto eles são completamente opcionais. Algumas partes só podem ser acessadas por meio de habilidades específicas, mas retornar à áreas anteriormente visitadas é custoso: você precisa andar até o trecho desejado, pois o sistema de viagem rápida é extremamente limitado, e o mapa é confuso. No fim, o jogo parece mais uma aventura de plataforma tradicional.

Gostei dos puzzles espalhados pelo mundo, contudo a precisão dos controles incomodou bastante. É muito comum Ajna não responder corretamente aos comandos, o que resulta em saltos estranhos ou habilidades ativadas na hora errada. Por causa disso, é comum você atingir um obstáculo sem querer ou errar um pulo extremamente simples, o que às vezes significa refazer longos trechos dos cenários.


Um ponto notável em Indivisible é o seu visual e direção de arte. O mundo de Loka é inspirado na cultura e mitologia do sudeste asiático com referências ao budismo, mas sem deixar de explorar também temas contemporâneos. O resultado é um universo vibrante e único, com cenários representados por ótimos gráficos 3D. Já os personagens são todos desenhados à mão e apresentam animações belíssimas e estilosas. A música é de autoria de Hiroki Kikuta (de Secret of Mana) e combina com a temática, mas, infelizmente, as composições são repetitivas e nada notáveis.

Entre a agilidade e o marasmo no combate

Quando a heroína encontra um inimigo, o combate se inicia em um sistema inspirado em Valkyrie Profile. Nele, Ajna e mais três aliados atacam os oponentes em embates que combinam turnos com algumas características de ação. Cada um dos personagens é associado a um dos quatro botões principais do controle, e quando ao menos um marcador de ação está preenchido o herói pode atacar. É possível golpear em sequência caso mais símbolos estejam cheios e vários guerreiros podem ser ativados ao mesmo tempo, o que permite criar combinações poderosas. Já no turno do inimigo, podemos reduzir o dano ao apertar o botão do personagem para defender no momento certo.

Os heróis têm três diferentes tipos de movimento que são ativados de acordo com a posição da alavanca. Segurar para cima e apertar o botão de Ajna, por exemplo, faz com que ela use um ataque que lança o alvo para o ar. Já mover a alavanca para baixo e ativar Dhar faz com que ele crie uma pedra flutuante que aumentará a força de seu próximo golpe. Por fim, os personagens também conseguem executar uma técnica especial ao consumir partes da barra de Iddhi, que é preenchida aos poucos durante as batalhas. Com técnica e timing é possível lançar inimigos no ar e atacar continuamente com combos — além de ser muito estiloso, essa estratégia preenche mais rápido a barra de especial.


O combate de Indivisible é ágil e divertido, principalmente por causa da combinação de turnos e elementos de ação. Em especial, gostei bastante de experimentar as várias configurações de personagens. Há heróis, inclusive, que apresentam particularidades interessantes e mecânicas únicas. Kushi, por exemplo, tem dois modos de ataque de acordo com a posição de seu pássaro. Thorani cria poças de água durante seus movimentos que podem ser utilizadas para curar aliados e ferir inimigos. Baozhai fica mais forte ao roubar moedas dos oponentes. A variedade de opções e estratégia é grande, afinal há mais de vinte heróis para encontrar.

Mas, infelizmente, as batalhas do jogo têm problemas graves. Para começar, elas são extremamente fáceis e basta bater de qualquer jeito para vencer a maioria delas. Há alguns poucos inimigos cuja defesa precisa ser quebrada antes dele receber dano, mas essa característica só torna tais combates um pouco mais longos. Além disso, os incentivos para usar técnicas mais avançadas, como lançar inimigos no ar ou testar diferentes configurações de heróis, são praticamente inexistentes.


Por fim, o jogo se autointitula RPG, mas não há características do gênero, como equipamentos, atributos, habilidades equipáveis, feitiços ou itens. Os personagens sobem de nível, contudo o único atributo alterado é a vida — ou seja, não há evolução nas características dos heróis. A mescla de todos esses defeitos faz com que as batalhas de Indivisible sejam desinteressantes e repetitivas, completamente desprovidas de estratégia. Jogadores novatos talvez tenham alguma dificuldade em alguns pontos, mas os entusiastas provavelmente vão se decepcionar com a simplicidade geral dos sistemas.

Uma oportunidade desperdiçada

Indivisible usa diferentes conceitos para criar uma aventura que mescla plataforma e RPG. É divertido superar os vários puzzles de navegação, assim como participar de batalhas ágeis focadas em combos. Além disso, o visual é excepcional e apresenta personagens desenhados à mão, boa variedade de cenários e muito estilo. No entanto, o jogo sofre com problemas estruturais, como história e personagens mal desenvolvidos, combate fácil que não exige estratégia, problemas de precisão nas partes de plataforma e mais. No fim, fica a sensação de que Indivisible podia ser muito mais, afinal muitos de seus aspectos são subdesenvolvidos. Quem procura uma aventura leve e descompromissada talvez aproveite o título, já os interessados em RPGs elaborados provavelmente se decepcionarão.

Prós

  • Belíssimo visual com personagens desenhados à mão e cenários 3D;
  • Momentos de plataforma apresentam puzzles de navegação interessantes;
  • Combate ágil e criativo;
  • Elenco variado de personagens e boa ambientação.

Contras

  • Simplicidade geral das mecânicas traz uma sensação de incompletude;
  • Mapas mal estruturados torna revisitar áreas uma atividade cansativa e confusa;
  • Problemas de precisão nos momentos de plataforma;
  • Sistema de combate mal aproveitado e com embates fáceis e sem variedade;
  • Personagens e história apresentam desenvolvimento fraco.
Indivisible — PC/PS4/XBO — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: PC
Análise produzida com cópia digital cedida pela 505 Games

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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