Death Stranding (PS4): Hideo Kojima revela mais sobre o jogo em entrevista

Logo após a apresentação da TGS 2019, Kojima passa um pouco da sua visão e expectativa sobre a experiência dos jogadores com o jogo.

em 23/10/2019

Death Stranding está cada vez mais próximo e mesmo com diversos vídeos mostrando detalhes do jogo, boa parte do público ficou com mais dúvidas do que respostas sobre o que esperar do próximo título da recém criada Kojima Productions. Para ajudar esse entendimento preparamos uma prévia, além de trazer uma entrevista concedida pelo próprio Kojima à Gameinformer.

Gameinformer: De todos os novos atrativos mostrados na apresentação da TGS, qual deles você está mais empolgado para falar?

Kojima: Jogar um jogo traz um sentimento de solidão, mesmo quando estamos jogando online. Muitas pessoas jogam em seus sofás e pensam “Oh, eu estou sozinho e talvez eu me sinta estranho por estar jogando sozinho”. Você joga dessa forma repetidas vezes. Você vai viajar com o BB e talvez se sinta solitário. Norman (Reedus) teve essa mesma sensação: você está lutando sozinho. Mas em dado momento, você percebe “tem alguém na mesma situação sentindo essa mesma solidão”, porque percebemos isso quando estamos indiretamente conectados. Como um cinema onde temos 200 ou 300 pessoas assistindo um filme juntas.
Mas nos jogos atuais, você geralmente está jogando sozinho na sua sala. Então, de repente, você se depara com um mundo e percebe “Oh, eu não sou o único”. E eu estou muito feliz que muitas pessoas entendem isso e acredito que essa seja a melhor parte. Claro, você não pode ver o rosto dos outros jogadores, mas você pode ver suas pegadas e trilhas, dessa forma, você pode pensar sobre os outros jogadores.

Gameinformer: E os jogadores recebem feedback das “curtidas” que eles recebem. Mas o que eles podem fazer com isso?

Kojima: Eu tive uma grande discussão com o time sobre isso. Nos jogos você recebe mais dinheiro, mais fama ou até mesmo mais crédito. É dessa forma que os jogos atuais se portam: você quer algo em troca por ter feito alguma coisa. No começo, a equipe asiática disse “Ei, Hideo, ninguém vai compreender isso. Talvez os japoneses.” Eu disse “ É por isso que eu quero que as pessoas façam isso no jogo”. Então eles retrucaram “Nós precisamos dar alguma espécie de crédito ou pontos por isso”, mas isso seria fazer mais do mesmo que os outros jogos praticam. Então eu disse “Dar “curtidas” é dar amor incondicional”.

Claro, você poderá ver quantas curtidas recebeu, então isso já pode soar como uma recompensa. Se você simplesmente usar (alguma coisa que outro jogador colocou), uma curtida será enviada para aquela pessoa automaticamente. Mas você ainda pode enviar algo mais, como uma gorjeta. Eu não quero dizer que sou brilhante por pensar nisso, pois já é algo comum na cultura japonesa. Não temos gorjetas no Japão, mas você sabe que receberá um bom serviço mesmo assim. Já na América, tem um sistema de gorjetas onde atendentes dão o seu melhor para receberem uma gorjeta. Portanto, é uma referência do jogo.

O que eu realmente quero é – Eu não quero dar “dislikes”. Eu não quero dar nada de negativo nesse jogo, a intenção foi totalmente positiva ao implementar essa ideia. Na internet é comum termos os likes e dislikes. Ao meu ver (dislikes) é uma crítica direta. Mas é por isso que é algo bem intencionado no jogo; se os seus objetos tiverem poucas curtidas, eles podem desaparecer e aqueles melhor avaliados irão permanecer, mas isso não é algo negativo.

Gameinformer: Então a ideia não é dar incentivos para os jogadores darem “likes”, tal qual uní-los para tornar o mundo de Death Stranding o mais cooperativo possível?

Kojima: Sim, porque a ambientação do mundo é totalmente voltada para o mais baixo e sombrio mundo que você possa imaginar. Sua solidão – a  narrativa em si é algo no pior cenário possível. Então, porque não coloco um sistema em que ele seja mais positivo do que negativo?

Gameinformer: Nós vimos muitos trailers enigmáticos sobre Death Stranding no passar dos anos. No jogo final, como fica esse balanceamento entre narrativas ambíguas –  como em Twin Peaks –  e algo mais direto?

Kojima: Eu não menti sobre nada – eu apenas criei a história como ela é. Nos trailers, talvez eu tenha deixado cenas chaves de fora. Mas se você jogar do começo até o fim, você irá entender, pois está tudo conectado. Todas as tramas secundárias serão encaixadas, todas as pequenas histórias e coisas do tipo. Mas eu sou um grande fã de David Lynch também, então, sim.

Gameinformer: Sam tem muito a gerenciar – sua energia, equipamentos, etc. Muitas pessoas entram num jogo para fugir desse tipo de responsabilidade. Como é sua tratativa em pegar tarefas mundanas e colocá-las no jogo sem que ela pareça com afazeres?

Kojima: Anteriormente, no desenvolvimento, você deve criar a regra para se manter dentro do realismo, certo? Em nosso dia-a-dia, tem uma série de mecanismos que precisamos lidar, como você disse, e temos que balancear aquilo que fazemos, como nos mantemos e como vivemos. Então, eu gostaria de libertar o conceito de game design que tínhamos por não temos essa tecnologia disponível no passado. Sempre criamos a regra, como a barra de vida é dessa forma, e um golpe recebido tira determinada quantidade de vida. Eu queria inserir a essência real em Death Stranding.

Por exemplo, em todo o jogo, você podia carregar quantos itens quisesse – até mesmo em Metal Gear, era algo ilimitado. Evidentemente, isso não pode ser feito na vida real, certo? Você precisa escolher apenas uma garrafa quando vai subir uma montanha. Por isso eu coloquei isso; muitos jogos abortaram essa ideia. Agora, se você estiver em um rio, você pode descer na correnteza – assim como na vida real. Então esses são os tipos de truques e mecanismos que tive que recriar, onde outro jogos (até mesmo os meus antigos), tiveram que adaptar para sua limitação.

Mas outro detalhe sobre isso é que você pode ir em qualquer lugar do mundo. No passado, mesmo se os jogos fossem “mundo aberto”, eles teriam limitações. Como vales onde você não poderia atravessar. Nesse jogo, você pode ir a qualquer lugar. Você estabelece rotas e quer descobrir o que há no fim delas. Nesse jogo, acho que você não vai entender se eu apenas dizer, mas assim que você começar a jogar, o simples ato de andar pelo mundo será muito divertido. Quando eu monitorei alguns testes de gameplay – até mesmo da equipe – eles não perceberam de início, mas quando eles começaram a jogar realmente, caminhar é algo muito divertido.

Agora todos vão dizer “Oh, é um simulador de caminhada!”
É a mesma coisa quando eu trouxe um jogo de furtividade pela primeira vez. Se 100 pessoas jogassem e essas 100 pessoas achassem divertido, significaria que o gênero do jogo já existia. Mas isso é um gênero novo – assim como o stealth na primeira vez, vão ter pessoas que não vão reparar na primeira vez. Vai levar tempo até que as avaliações reais venham a tona.

Gameinformer: Digamos que o jogador finalizou o jogo e está assistindo os créditos. No seu melhor cenário, o que você gostaria que o jogador estivesse pensando nesse momento.

Kojima: Bem, eu não deveria dizer isso e deixar para os usuários, mas o tema do jogo são as conexões; você vai entender o significado disso. Assim como em dramas, jogos ou online – tudo se conecta e você vê os créditos finais. Mas eu quero apenas que as pessoas finalizem o jogo.

Não é um bom exemplo, mas se você escala o monte Fuji para ver o nascer do sol – muitos fazem isso no Japão – é realmente difícil de chegar ao topo. No caminho, algumas pessoas desistem. Mas assim que você chega no topo e se depara com a vista, pessoas chegam a chorar. O mesmo vale para o nosso jogo, as pessoas que não chegarem até o fim não ficarão realmente comovidas. Claro, eu deixo isso para os jogadores decidirem.

Gameinformer: Como o conceito da rede quiral difere do modelo de comunicação que temos hoje?

Kojima: É a “teoria da carta”. Não era em tempo real antigamente. Por exemplo, um marido escreve uma carta do campo de batalha à muito tempo atrás: “Eu não sei quando vou morrer”. Ao enviar, a carta leva alguns meses a tempo de ser recebida e lida por sua esposa. Ela terá que pensar “Talvez ele esteja morto”. A esposa tem que imaginar o que ele estava pensando quando ele escreveu aquela carta – e isso era a comunicação antigamente. Atualmente é algo mais em tempo real.

Isso é sobre se importar com o próximo. Não é algo direto. Eu quero fazer isso com a rede que temos hoje. Se alguém coloca uma xícara em algum lugar em Death Stranding, você precisa refletir “Essa pessoa colocou isso aqui deliberadamente? Ela precisou apenas se livrar da carga?” Você deverá pensar a respeito. É como a teoria da carta. Nessa era de comunicação direta, eu quero criar uma comunicação indireta usando a tecnologia de hoje para que você pense mais no próximo. Como fazíamos antigamente no século XIX/XX quando as pessoas tinham que pensar mais nos outros durante a comunicação. Hoje em dia as pessoas se esqueceram disso porque estamos muito diretos. Eu posso fazer um Face Time com você a qualquer momento. Então, agora mesmo, se eu vejo a sua xícara, eu posso te ligar e perguntar o motivo. Em Death Stranding, você terá que pensar a respeito.

Agora, quando você for colocar uma xícara depois dessa experiência, você terá que pensar “O que as pessoas vão pensar se eu colocá-la aqui?” Então eu acredito que dessa forma, o pensamento das pessoas com relação ao próximo irá se aprofundar em Death Stranding por conta dessa conexão.

Gameinformer: Nesse contexto de mundo, quando você vai até um prepper, por exemplo, e conecta eles em uma rede quiral, você está apenas conectando eles em uma melhor conexão de internet?

Kojima: Existem três passos para a rede quiral. Para o bem de Bridges, você está conectando do leste para o oeste e eles querem que você se junte a UCA – Cidades Unidas da América. Quando você conecta, você pode utilizar os serviços da UCA, mas ao mesmo tempo, eles estão reunindo informações sobre você 24 horas por dia. É como em 1984. Algumas pessoas podem não gostar e dizer “Eu não vou conectar a UCA porque vamos repetir as mesmas coisas que fizemos.” Como Trump ou a UE, essas coisas. É uma metáfora. Entretanto, se você prestar atenção, eles começam a dizer “Okay, vamos conectar.”

Muitos preppers apenas assinaram um contrato para se conectar à Bridges. A rede está lá, mas não tem comunicação ou outras ações – é por isso que eles não conseguem utilizar as impressoras quiral, entre outras coisa. Se eles disserem que vão se juntar a UCA, mediante a isso você pode utilizar a rede quiral de forma completa. No jogo, a missão é realmente reconectar a América – mas eu não disse se isso está correto ou não.

Gameinformer: No trailer Briefing, ouvimos muitos sobre pessoas sendo divididas. Isso soa familiar com o que vemos na América atualmente. Isso foi intencional?

Kojima: É sobre a América, mas eu fiz o mapa de forma que não ficasse fiel à América. Talvez pareça com o Japão dependendo do ângulo. Não quero que as pessoas pensem “América”, mas “onde você está.” Porque depende de quem está vendo. E é claro, é no futuro e todos estão conectados pela internet, porém todos estão fragmentados. Acaba sendo um tipo de metáfora também. Sam não está animado para reconectar a América, sua motivação é para salvar Amelie, e uma série de pessoas sensibilizadas vão compartilhar da mesma atitude. Eles devem porque estarão em uma missão. Apesar de sempre se mostrarem relutantes. O próprio Sam costuma resmungar bastante durante a jornada dizendo: por que estou fazendo isso? É tão difícil e solitário!” Quando você jogar e se conectar, haverá drama, preppers e cronologia; você começa a sentir que conexão possa ser algo realmente bom. Não que eu esteja dizendo que seja algo positivo ou negativo. Está a cargo dos jogadores tirarem suas próprias conclusões enquanto jogam.

Gameinformer: O jogo está próximo de estar completo. Agora que você vê o produto quase finalizado, qual a principal diferença que você percebe de quando idealizou o projeto?

Kojima: O conceito não foi alterado desde o princípio. Olhando por alto, sim, eu imagino que poderia ter feito mais – como PlayStation 5 para visuais. Mas gráficos não são tudo. Muita gente foi contra meu conceito inicial e eu estou muito feliz que toda a equipe pôde fazê-lo junto comigo. Todo time realmente gostou de jogá-lo e eu estou realmente feliz. Meu sentimento é que agora é a vez do usuário.

Um novo conceito é muito difícil de explicar no começo. Ninguém compreendeu bem a ideia do jogo de furtividade quando apresentei pela primeira vez. Seu primeiro inimigo é sempre a sua própria equipe ou as pessoas que trabalham com você. “Você só carrega coisas, conecta e dá curtidas – o que há de legal nisso?” foi a primeira reação. Se eu tivesse dado ouvidos a isso, seria apenas um jogo comum. Mas boa parte da minha equipe confiou em mim. Ele diziam “Okay, eu vou tentar.” Muitos deles, cedo ou tarde, acabaram pegando a ideia. Eu não posso culpá-los, afinal de contas, não posso mostrar dentro do meu cérebro. Ninguém conseguiu entender quando eu expliquei da primeira vez. “Você está louco?” mesmo assim eles participaram. Norman e Mads (Mikkelsen) tiveram a mesma reação. Quando eu fiz o convite para participarem e eu expliquei do que se tratava, eles não faziam ideia do que seria.

Gameinformer: Teve alguém que pegou a ideia rapidamente assim que você explicou Death Stranding pela primeira vez?

Kojima: Sim, tiveram algumas pessoas. Especialmente criadores de conteúdo, eles foram rápidos para captar. Como (o diretor) George Miller, que é meio que um mentor – meu deus. Em 2017, fui para Austrália e na ocasião tinha apenas um trailer e também fiz algumas explicações verbais. George me disse “em todos os aspectos, você está correto. Matematicamente, psicologicamente, fisicamente e filosoficamente”. Ele meio que começou a desenhar um diagrama, ele tinha essa teoria e então disse “o que você está tentando fazer está correto.” Eu deveria ter gravado aquilo! Eu deveria ter mandado para toda a equipe! Foi um momento muito feliz.

Talvez não com as pessoas da indústria de jogos, mas músicos, diretores e criadores. Por isso prefiro me envolver mais com esse tipo de gente do que as que fazem parte da indústria de jogos – eles tendem a sintetizar melhor com meus pensamentos e pegam as coisas muito rápido.



Espero que vocês tenham apreciado a entrevista e que ela tenha sido, de certa forma, esclarecedora para vocês, mesmo que à maneira do Kojima. Death Stranding (Multi) tem lançamento marcado para 8 de novembro de 2019. Para mais informações, continue ligado aqui no GameBlast!

Fonte: Gameinformer
Revisão: Henrique Moreno

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