BGS 2019: Toda a qualidade da Video Game Orchestra é ofuscada pela infraestrutura do evento

Em sua primeira noite no Brasil, projeto de Shota Nakama não empolga e sofre com problemas técnicos e péssimo planejamento prévio.

em 12/10/2019


Na BGS de 2018, um dos convidados de destaque foi o compositor Shota Nakama. Apesar de ter marcado sua presença por ter participando do Meet & Greet e descobrindo o espírito da terceira série impregnado no DNA do nosso país por conta de seu peculiar nome, um de seus principais projetos paralelos até então jamais tinha sequer se pisado no país — a Video Game Orchestra.


Agora, em 2019, pela primeira vez, Shota veio se apresentar com toda a pompa e circunstância no palco do evento — o que já deveria ter acontecido logo no ano anterior, já que você não divulga uma personalidade por um trabalho que não é conhecido do público local. Pois bem, dois shows foram confirmados junto do anúncio do retorno do compositor para essa edição. O primeiro, no dia 11, que rendeu esta cobertura do GameBlast, e o segundo no dia 12.

O primeiro problema logo de cara é que a própria feira trabalhou muito mal na divulgação de suas atrações. Apesar de termos ciência da apresentação em questão, o horário em que ela ia acontecer só foi a público de uma forma discreta pouco tempo antes do show. Isso aconteceu também com alguns outros eventos marcados e espalhados pela feira, o que acaba causando certa impressão de amadorismo por parte da organização.

Sabendo que o concerto ia rolar às 19 horas, o palco logo foi se enchendo com uma hora de antecedência — embora os lugares não fossem realmente concorridos, muito provavelmente pelo desconhecimento do grande público em relação a isso. Como é de praxe, os músicos atrasaram coisa de meia hora, quarenta e cinco minutos para finalmente subirem ao palco.

A surpresa foi que, apesar de ter sido divulgada uma setlist com a ordem das músicas que seriam tocadas ao longo da apresentação, a banda logo chutou o balde e fugiu imediatamente do que foi divulgado. Enquanto na lista original constava Vampire Killer, de Castlevania, como o número de abertura, o primeiro número da Video Game Orchestra foi Fist Bump, tema de Sonic Forces (Multi).



A questão de começar com Sonic Forces no lugar de Castlevania não é um problema. O principal incômodo foi o fato de os comunicados divulgados através das redes oficiais do evento dizerem uma coisa e, na prática, eles não acontecerem. É claro que isso poderia ter sido contornado se fosse disseminada a informação correta, mas há outra solução mais prática: que não fosse liberada tal lista ao público. Isso geraria não apenas um elemento de surpresa para a audiência, mas também uma margem de manobra caso a banda decida realizar mudanças de última hora.

Após Fist Bump, Endless Possibilities veio na sequência e agora sim: dessa vez, o tema de Sonic Unleashed (Multi) estava na lista divulgada originalmente — ao contrário da primeira canção — assim como os dois dançantes temas da série Persona que deram continuidade ao espetáculo.

Vampire Killer, introduzida com as primeiras notas do refrão de Bloody Tears, de Castlevania, finalmente veio e foi a primeira canção completamente instrumental do line up. Com ela, outro revés logo se tornou evidente e também atrapalhou a grande noite de estreia do projeto de Shota Nakama em terras tupiniquins: a mixagem de áudio estava com nítidos problemas.

Enquanto as primeiras músicas se sustentam muito no entendimento do vocal de quem as canta, Vampire Killer é um instrumental e depende demais de uma linha de melodia nítida para ser compreendida com clareza — e que, na apresentação, sua condução era dever de um violino. Tendo isso em vista, a impressão era que Vampire Killer estava sendo reproduzida por uma caixa de som da JBL, visto que os graves estavam sobrepondo a faixa aguda do instrumento em questão e se mostrava praticamente inaudível, acabando com todo o encanto melódico de um dos mais icônicos temas da franquia da Konami.

Não há uma explicação concreta para isso. Uma delas é simplesmente uma mixagem malfeita. Outra justificativa pode envolver a própria acústica do pavilhão, que se tratava de um lugar aberto e o som não tinha o mesmo retorno de um local fechado, cujas ondas sonoras bateriam nas paredes e "circulariam" no ambiente. Apesar disso, é válido ressaltar que foi feito um trabalho medíocre no isolamento sonoro, visto que os barulhos externos eram audíveis de maneira dentro do auditório — levemente abafados, mas ainda audíveis.



Um adendo: quando a música abaixava e o Shota ia até o microfone fazer as piadas de tiozão e aquele papo quebra-gelo comum de qualquer show de rock, muita pouca coisa era realmente compreensível. E isso não diz respeito ao sotaque dele falando em inglês — que era impecável —, mas justamente a esses problemas da acústica.

Outro ponto a se destacar durante o show foi a performance de uma canção de um jogo indie cuja composição da trilha sonora a Video Game Orchestra participou. Tratava-se de um trabalho realmente simpático e, na tela, a gente acabava aprendendo um pouco sobre o título, que tinha uma pegada de Rune Factory e Story of Seasons. A questão é que fica extremamente complicado descobrir do que se trata quando o nome do game não aparece em lugar nenhum na apresentação.

Em tempo: através de uma pesquisa a partir do nome do estúdio (que chegou a aparecer no vídeo do telão), logo descobre-se que aquele era o gameplay de Re:Legend (PC), projeto surgido de um crowdfunding cujo resultado se encontra em acesso antecipado na Steam e com versões planejadas para os três consoles dominantes da atual geração.

Apresentar esse tipo de material não é problema nenhum. Na verdade, é muito bom conhecer coisas novas e diferentes. Aliás, essa é uma discussão que envolve absolutamente todo o tipo de artista, visto que eles têm o direito de apresentarem ao seu público qualquer nova composição que eles quiserem — afinal, embora seja o esperado, não há uma obrigação formal em realizarem uma performance completamente, digamos, fanservice, que é consistida apenas nos clássicos mais manjados no intuito de agradar os fãs. Material obscuro é muito bacana e esse tipo de prática deveria ser estimulada.



O porém é que ele precisa de contexto, de uma explicação para que o público mais leigo saiba do que se trata, no fim das contas. A impressão aqui é que há uma espécie de contrato firmado entre a Video Game Orchestra com os desenvolvedores do jogo e que obriga a execução do tema principal nos shows que forem sendo realizados — e ainda: da forma como foi, parece que a banda o faz de contragosto.

Falando em agradar ao público, aliás, outro momento a ser comentado foi uma palhinha de de Sweet Child O’ Mine. É. Essa mesma que você pensou. A música do Guns N’ Roses. Mais do que nunca, foi um momento de absoluta quebra de imersão e cuja a inclusão na setlist não faz absolutamente sentido algum. Não importa se ela aparece em games ou não. Ela não condiz com o todo.

Afinal, ninguém estava segurando as pontas na plateia até aquele momento para ouvir esse tipo de coisa. E quando digo “segurou as pontas”, é porque a coisa estava ficando realmente feia para o público. Logo se tornou bastante evidente a galera se levantando do concerto para ir embora ainda na metade do espetáculo. Os lugares, que estavam praticamente todos preenchidos — apesar de não terem sido tão concorridos antes do início —, logo foram se esvaziando e verdadeiros buracos foram se formando na plateia.



Isso também se deve provavelmente ao último dos defeitos capitais: a própria setlist. Faltava diversidade. Ao todo, cinco ou seis temas de Sonic foram tocados ao longo de toda a apresentação. Final Fantasy foram três ou quatro. Nessa brincadeira, mais da metade do repertório apresentado era consistida de trilhas de jogos pertencentes apenas à Sega e à Square Enix. Os únicos pontos fora da curva foram justamente Snake Eater e Heavens Divide (de Metal Gear Solid), além de Vampire Killer, ambos da Konami, e a música do tal do Re:Legend. Ah, não nos esqueçamos do Sweet Child o’ Mine.

Sob um ponto de vista imediato, chega a ser quase inconcebível falar de “trilhas sonoras de games” e deixarmos de fora material da Capcom e da Nintendo, além do tema de Tetris. Entretanto, é bem compreensível que isso pode ter muito a ver com os contratos que a Video Game Orchestra fez com as próprias empresas em questão — no caso: Sega, Square Enix e Konami.

Dessa forma, fica a indagação: a Sega só tem Sonic? NiGHTS tem temas maravilhosos que poderiam figurar no repertório da banda, por exemplo. Da Square Enix, por sua vez, por que Dragon Quest ficou de fora? No próprio setlist divulgado pela organização da BGS, Weight of the World, do catártico Nier Automata (Multi), constava lá e acabou ficando de fora.



No geral, faltou equilíbrio. Ninguém questiona absolutamente nenhum dos talentos individuais dos instrumentistas lá presentes, que foram impecáveis. Destaque, inclusive, para a orquestra que, pelo que deu a entender das falas inaudíveis do próprio Shota — ou seja, posso ter entendido errado—, era natural de São Paulo. Válido ressaltar que a percussão ficou a cargo de ninguém menos do que Bruno Valverde, baterista daquela que provavelmente é a maior banda de metal da história do país: Angra.

Por conta desses problemas técnicos e de planejamento, a Video Game Orchestra infelizmente não empolgou como deveria. Faltou intensidade que causasse engajamento maior por parte do público brasileiro, que realmente costuma ir à loucura em shows dos mais diversos portes. Ainda dá tempo de arrumar para a segunda noite de espetáculo — e saberemos se Shota conseguirá o que ele pediu durante essa primeira apresentação: um público tão doido e fissurado quanto aqueles que ele viu durante o Rock in Rio.

Confira na íntegra a apresentação do Video Game Orchestra em sua primeira apresentação na BGS 2019:


É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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