Summer Catchers (PC), desenvolvido pela Face It, Corp. é um daqueles títulos que, embora arrebatem nossa atenção a partir do trailer, é uma quase completa decepção. A despeito dos lindos gráficos e o carisma tanto da protagonista quanto dos demais personagens, há peculiaridades que minguam uma experiência completa.
Alguns dos personagens e chefes de Summer Catchers. |
Uma análise tem de ser, antes de mais nada, equilibrada. Pontos negativos e aspectos em que se destacam merecem apresentação ao leitor, a fim de que possa tanto se oportunizar a investir em um título quanto fugir de eventuais bombas. É nesse aspecto angustiante em que me encontro: destacar seus pontos positivos quando, no final das contas, o título me trouxe mais aborrecimentos do que qualquer outra coisa. Acompanhe conosco.
Enredo simples, boa apresentação visual
A história de Summer Catchers gira em torno de uma garotinha que acorda no meio da noite sob uma monte de neve e decide conhecer o a praia durante o verão. Logo ela se encontrará com o Funny Bear (nome que ela atribui ao personagem, que na verdade é um lobo), uma das diversas figuras que lhe indicam o caminho para o seu sonho, desde que ela os auxilie em algumas de suas tarefas, o que ela prontamente atende.Álbum onde são registrados os eventos mais interessantes. |
A arte é tipicamente pixelada, com o qual estamos acostumados em jogos indie e neste Adventure não é diferente. Portanto, essa é a melhor característica em Summer Catchers, que o executa muito bem. Os detalhes da protagonista enquanto dirige seu veículo, os diálogos que trava com os NPCs e as frases que lança quando o percurso é interrompido são engraçadinhas e charmosas, criando (ao menos de início) uma aproximação e simpatia do jogador com a personagem.
Está justificado o sonho dessa garota... |
Cada um desses locais em que encontramos tais personagens representa um “mundo” (num total de oito), começando num local tenebroso e repleto de neve até locais futuristas e um deserto. As tarefas consistem em pintar coelhos brancos com tinta preta, coletar itens ou recolher peças de roupa levadas pelo vento — que, por sinal, é uma das tarefas mais ingratas de todas.
Cada mapa possui quatro dessas “missões”, quando então o animal/criatura responsável pelo local indicará à protagonista como seguir viagem. Neste caso, há sempre um encontro com um boss, que nada mais é senão algum elemento da natureza, animal ou criatura fantástica que perseguirá a garota e a mesma terá de fugir ao percorrer um determinado trajeto repleto de obstáculos. Em alguns destes, o jogo fornecerá itens específicos para enfrentá-los.
Run, Forrest! |
Também é possível adquirir novos veículos ou skins que, embora bonitos, em nada alteram a jogabilidade, além de fazer amizade com determinados animais que auxiliam em parte do trajeto, como a coruja que indica com antecedência alguns obstáculos à frente, o guaxinim que oferece um slot a mais para equipamentos ou o bode que livra a protagonista de objetos que causem dano pelo caminho, sendo de longe o único verdadeiramente útil dentre todos.
Diversas roupas, nenhuma habilidade adicional. |
Durante o trajeto, o jogador também se deparará com alguns objetos, como a “corneta”, que ativará o animal escolhido para auxiliá-lo em parte do trajeto, a bolha de água, que a protegerá da maioria dos obstáculos que causem dano e o tamborim, que fará com que chova por algum período (e, com exceção de uma missão que exige seja tocado em seis vezes, não faço a mínima ideia para que mais serviria).
Tente saltar com um chefe raivoso sobre você. |
Além disso, haverá possibilidade de trocar correspondências com “representantes” de cenários já visitados, registro de “fotografias” e arte de momentos-chave do jogo (numa espécie de diário), bem como a coleta de itens obtidos em mini-games que serão empregados em um evento futuro, quase ao fim do jogo.
Mecânica desastrosa e que insulta o jogador
O primeiro veículo obtido pela personagem é um carro fornecido pelo Funny Bear logo no primeiro estágio. No entanto, o caminho possui obstáculos como roseiras cheias de espinhos, pedras, totens, árvores e pontes que desabam, plantações, toupeiras que surgem do chão, areias movediça, pontes que desabam, insetos, dentre outros. A bem da verdade, muitos desses obstáculos são apenas variações e, a cada três golpes recebidos no veículo, a garota retornará para a “base” onde se encontra o responsável por aquele estágio.Co-op serve apenas para frustrar duas pessoas ao invés de apenas uma. |
Para lidar com tais obstáculos, será necessário equipar o veículo com uma série de itens como para-choques, hélices de helicóptero, mecanismos de salto e turbos, a título de exemplo e, conforme se avança no jogo, novos upgrades são liberados. Tais itens são adquiridos ao coletar cogumelos do chão enquanto dirige e funcionam como moedas no jogo (algumas vezes o jogo fornece códigos para serem digitados com os direcionais, fornecendo algumas dezenas deles). Os consertos, no entanto, são gratuitos.
Turbos são os seus melhores amigos contra chefes. |
Nenhum problema até este momento, afinal, a obtenção de “moedas” é bastante rápida. O problema é quando não é o jogador quem decide em que momento fará uso de tais itens, mas o próprio jogo, de forma completamente aleatória. Explico.
Além do primeiro carro, Funny Bear também fornece uma “caixa de ferramentas”, que será o local onde a garota armazenará os itens que eventualmente adquirir na loja do estágio/mundo. O limite de aquisição dos upgrades disponíveis dependerá da quantidade de “dinheiro” que possua. No canto direito da tela, haverá três slots que identificarão os itens disponíveis para uso — e somente estes. Um novo item será disponibilizado aleatoriamente tão logo faça uso de um dos três já disponíveis.
Fim da linha: 200 metros para concluir o trajeto, uma ponte que desaba e só me restou um salto. |
Neste caso, se os três itens disponíveis são turbos e surgir um cacto em seu caminho (quando o equipamento ideal seria um para-choques), será inevitável sofrer um dos três impactos permitidos antes de “repetir” o trajeto. Há meios em “contornar” esse sistema, como por exemplo, saltar mesmo quando não há necessidade ou ativar o para-choques, que se manterá atrelado ao veículo enquanto não for destruído por algum elemento na estrada. Com isso, eleva-se um pouco as chances de um novo item (útil para o momento), surgir da caixa de ferramentas, contudo, seu surgimento permanece aleatório.
Tal mecânica é denominada RNG — Random Number Generation. Em outras palavras, são os elementos aleatórios ocorridos em um jogo, baseados na sorte, que definem a movimentação de inimigos, por exemplo. O RNG não é uma novidade no mundo dos games, sendo utilizado em basicamente qualquer título e mesmo em cassinos reais.
Último impacto: duas hélices, um salto e nenhum para-choques. |
Em Cuphead (Multi), a título de exemplo, a movimentação dos chefes se dá mediante esse sistema, ao passo que o jogador terá livre movimentação do personagem. Em Summer Catchers, contudo, estágios, inimigos e mesmo os itens disponíveis ao jogador dependem do RNG, extraindo quase toda a possibilidade de sucesso por sua própria habilidade.
Notem que coloquei “repetir” entre aspas acima porque um trajeto nunca é igual ao outro, mesmo que tenha de repetir as missões requisitadas pelos animais. Isso significa que de nada adianta tentar decorar quais sejam os obstáculos, adquirir apenas os itens e quantidade necessárias para superá-los, afinal, a variável na geração dos trajetos é diversa.
Dois itens: prefira iniciar um novo trajeto. |
Tal problema se agrava quando algumas das missões exigem que você utilize um item específico fornecido pelo animal, como pincéis de tinta para pintar os coelhos — que, por sinal, são alcançados apenas com o uso de turbo ou o uso de dois saltos — ou flechas para coletar algum elemento de magnetites para que a criatura do mundo futurista faça uma sopa. Mais: dentre as inserções de novos itens, o jogador precisará da sorte de que o bendito pincel ou flecha apareçam entre os três disponíveis — além dos itens necessários para alcançá-los, como na missão dos coelhos.
Em boa parte dos dois primeiros cenários pensei que eu não tinha compreendido a mecânica do jogo, mas logo concluí que essa “inovação” era parte da jogabilidade de Summer Catchers. Meu sorriso no rosto presente no início se converteu em um sentimento de frustração, resumido em “só quero acabar logo com isso”.
Que missão ingrata... |
É importante ressaltar que adquirir menos upgrades pode favorecer em algumas missões, já que ampliam as chances do item específico de que necessita (especialmente os fornecidos para aquela missão pelo animal) apareçam. Mas, novamente: como um novo trajeto será sempre aleatório, não raras vezes você optará por mais mecanismos de salto do que para-choques, contudo, talvez encontre três totens/cactos seguidos que não podem ser saltados e, mesmo que pule como um alucinado no jogo, o impacto será inevitável.
De fato, há jogos que são ridiculamente fáceis e que não raras vezes não oferecem um sentimento ao jogador ao vencer determinados desafios. Há os absurdamente difíceis que, embora frustrem o usuário, costumam ser propagandeados com este nível de dificuldade como uma proposta, logo, é válido.
Abençoado seja aquele bode. |
Em outros, a dificuldade é variável e são facilmente adaptáveis ao jogador, enquanto há jogos como Summer Catchers, que destronam uma experiência que começou positiva em razão de uma mecânica que foge quase que completamente ao controle do jogador — e isso é muito, muito frustrante.
Embora existam níveis de dificuldade, o padrão médio de experiência para o usuário é o Medium, sendo o ideal para capturar toda a essência do produto em si. Easy e Hard, por exemplo, apresentam uma experiência diversa da pretendida pelo desenvolvedor, sendo mais adequadas para a diversão em particular, não para uma análise.
O turbo não veio nessa parte? Comece novamente. |
Para piorar, o veículo é acelerado automaticamente, bastando ao jogador a seleção entre os três itens disponíveis e clicar em “Enter” ou “X” (no caso do Dualshock 4) como botões de ação. A maioria dos obstáculos vêm pela frente ou por baixo e os benditos ícones dos upgrades ficam no extremo direito da tela, fazendo com que o jogador se confunda muitas vezes em qual dos equipamentos selecionar. Para piorar, tocar ou encontrar alguns itens (como o tamborim que faz chover) dependerá da “boa vontade” do cenário em projetá-lo ao jogador para, então, tentar tocá-lo e cumprir a missão — tudo com base no RNG.
De fato, os cenários de fundo são muito bem feitos, mas seria muito mais confortável que os ícones fossem sobrepostos nos cantos superior ou inferior da tela e não justamente onde o jogador precisa se atentar para não sofrer um impacto. O fato dos slots serem em boa parte transparentes ou um dos animais que “auxiliam” fornecer um slot a mais — que, no caso, fica no canto inferior esquerdo (completamente diverso do que o jogo faz desde o início) — não minimiza esse defeito gravíssimo.
Vez em quando aparecerá uma figura dessas para você auxiliar. |
Mais: a maioria dos jogos possui uma curva de aprendizado, ensinando o jogador o que ele pode ou não fazer, o que deve evitar e o que pode fazer uso. Desde o início, o jogo nos ensina (ainda que de forma bastante “torta”) que se deve evitar obstáculos. No entanto, após cinco dias “travado” no 4º mundo tentando descobrir como pegar as calças do “representante local”, decidi consultar outros jogadores para descobrir como o fizeram, afinal, o jogo não dispôs de nenhum item específico e nada do que fiz até então surtiu efeito.
Dica: sofra o terceiro dano antes de chegar aqui. |
Uma única jogadora soube como proceder e me informou que deveria sofrer o terceiro impacto no local onde as benditas calças se encontravam. Nessa parte do trajeto, há cogumelos saltitantes e o jogador deve promover a própria derrota nesse exato local, antes de se aproximar do objeto em questão (está aí a dica para aqueles que pretendam arriscar esse título, especialmente porque isso se repetirá em uma missão próxima ao fim do jogo). Mas não se esqueçam que os obstáculos são aleatórios, então serão muitas tentativas antes de ter a sorte de que o terceiro impacto ocorra no momento exato.
Um puzzle para sair da rotina. |
É simplesmente surreal que para prosseguimento no jogo, já na metade do título, ele espere que o jogador cometa um ato completamente diverso daquilo que foi orientado a não fazer desde o início: sofrer danos. Esse aspecto de aleatoriedade força com que o player repita trajetos diversas e diversas vezes, de forma estúpida e idiota, somente porque assim decidiu o estúdio.
O pior sentimento quando consumimos qualquer produto de entretenimento é a sensação de “perda de tempo” — e Summer Catchers retroalimentou isso em mim desde o segundo mundo. Essa metodologia faz com que o jogador passe mais tempo in game do que normalmente seria necessário e, à dada altura, repito, já não me importava mais com o destino da garota, tendo me resumido a simplesmente fazer meu trabalho.
I believe I can fly! |
Em parte da aventura há alguns mini games que variam desde quebra-cabeças a repetir notas musicais em um xilofone (de longe, o mais divertido). Embora quebre um pouco a repetição desenfreada do jogo principal e tente inserir ainda mais o jogador no universo da protagonista, será inevitável a irritação para concluir logo o título, soando mais como um “aborrecimento extra” do que um bônus propriamente dito.
O melhor mini game, de longe. |
O modo multiplayer, além de limitado, é inútil: outro personagem desce dos céus e se torna passageiro no veículo utilizado pela protagonista e se resume a escolher um dos itens disponibilizados pelo jogo, intercalando seu uso com o jogador principal. Além de proporcionar nada de efetivo para uma experiência em duas pessoas, servirá tão somente para criar maiores aborrecimentos, já que o player que controla a garota deverá se preocupar também quando for sua vez em utilizá-los.
E então, vale a pena?
A despeito de Summer Catchers ser um título muito bonito e logo ganhar a simpatia do jogador, os diálogos que a garota trava com os animais serem “fofinhos” ou frases como “espero que cortem essa parte na edição” ou “isso estava nos planos” quando sofremos impactos “fatais” tentarem amenizar eventuais aborrecimentos, ele é uma catástrofe.Está apaixonado, mas todo o trabalho da conquista fica com você. |
As frases “fofinhas” seriam melhor recebidas se as “falhas” que a fazem dizê-las não decorressem desse sistema ridículo na utilização dos equipamentos. A experiência seria completamente diferente caso houvesse ícones fixos para cada um dos upgrades com números indicando quantos ainda restam e sua utilização estivesse em total controle do jogador. Isso tornariam justas eventuais falhas.
"Querido Funny Bear, não aguento mais!" |
Mesmo os animais que deveriam auxiliar a protagonista não o fazem com precisão: a coruja, por exemplo, já me informou de um obstáculo completamente diverso do que eu desviei e o guaxinim, embora ofereça um slot a mais para os upgrades, mostrará um item igualmente aleatório.
É deprimente afirmar tais questões a respeito de um jogo tão bonito, mas é a mais pura verdade: iniciei Summer Catchers com um sorriso no rosto e o concluí com um “ainda bem que acabou”, tudo em decorrência de más escolhas da desenvolvedora. E quando mini games se tornam algo mais interessante do que o jogo em si, temos a certeza de que há algo muito errado com um título. É simplesmente ultrajante.
Prós
- Enredo;
- Personagens carismáticos;
- Gráficos bem desenvolvidos;
- Alguns mini games são divertidos8
- O bode branco.
Contras
- RNG abusivo;
- Animais que deveriam auxiliar não raras vezes atrapalham ou nada acrescentam de fato;
- Jogo prolongado de forma desonesta;
- Multiplayer limitado e inútil;
- Algumas missões vão de encontro à curva de aprendizado;
- Missões repetitivas.
Summer Catchers - PC — Nota: 4.0
Análise produzida com cópia cedida pela Noodlecake Studios.