O sobrenatural que salta aos olhos
Em The Sinking City encarnamos Charles Reed, um investigador particular que vem sofrendo com visões e sonhos bizarros, nos quais enxerga uma cidade em submersão e a presença constante e ameaçadora de uma força sobrenatural desconhecida. Em suas investigações, o detetive descobre que casos ainda mais extremos de histeria e demência, envolvendo visões parecidas com as suas, estão acontecendo na pacata e isolada cidade litorânea de Oakmont. E o destino não poderia ser outro.Ao chegar na cidade, Charles é engolido por uma imensa teia de mistérios — e missões paralelas — que desvendam aos poucos os horrores que assombram sua população. Essa temática enigmática é, provavelmente, o maior trunfo de The Sinking City, sem esconder em nenhum momento as influências do mestre do terror H.P. Lovecraft e seu mito de Cthulhu. Isso, por si só já deixa a história, passada no início do século passado, bastante interessante.
A atmosfera criada pela mórbida cidade inundada e seus habitantes extremamente suspeitos é muito bem construída e gera uma constante sensação de angústia. A todo momento somos envoltos por sons e imagens perturbadoras que conseguem se sobressair aos gráficos pobres e animações limitadas. E deixo aqui a minha recomendação: com fones de ouvido a experiência fica ainda mais bacana.
O clima da cidade remete a outros jogos do gênero, como Silent Hill e The Evil Within 2, mas, neste caso, focando em nojeiras e terrores vindos das profundezas do mar. É bem verdade que a direção de arte cumpre seu papel, mas como mencionei, o visual é sofrível. Graficamente, parece ter saído da geração PS3/Xbox 360.
Para piorar, fui constantemente arrancado da imersão proposta pelo visual e clima do jogo ao me deparar com NPC's caminhando em círculos e atravessando partes dos cenários, objetos flutuando e outros bugs bizarros. Isso sem contar que fica difícil decifrar se o comportamento estoico dos personagens é por conta do clima "Lovecraftiano" da história ou pelas limitações técnicas do jogo e dos atores responsáveis pela dublagens.
Investigando uma cidade de menus
The Sinking City é estranhamente intimidador no início com seu excesso de menus, mecânicas diversas e exploração sem direções. O título não se esforça nem um pouco em carregar o jogador pela mão. Pelo contrário, desde o primeiro minuto a tarefa de aprender o que fazer, para onde ir e como resolver os problemas é papel exclusivo de quem está com o controle na mão. Por sorte, está tudo muito bem traduzido para o português.Apesar da possibilidade de adicionarmos diversos marcadores pelo mapa, isso também é responsabilidade do jogador, e não há qualquer indicativo de onde está a próxima missão, por exemplo. Resta a nós, jogadores, checarmos constantemente os documentos e anotações sobre as investigações para encontrarmos endereços, pessoas de interesse e soluções para os problemas, e assim decidirmos os próximos passos da investigação. O que é fantástico!
Sim, por diversas vezes me vi perdido, vasculhando a razoavelmente grande cidade e os infindáveis menus atrás de alguma dica de destino ou solução para os puzzles. Mas essa é exatamente a experiência imersiva que o título quer passar. E é louvável e muito bem-vinda. Entretanto, as próprias limitações do jogo acabam logo deixando esse processo repetitivo e cansativo. Variedade não é uma de suas virtudes.
Por um lado, esse esquema mais exigente trás de volta um feeling de outros tempos, como nos títulos de estratégia ou point & click dos PC's de outrora. Mas por outro, The Sinking City sofre com essa falta de variedade, e cativar o jogador a estudar suas nuances o tempo inteiro é um desafio. O que no início é diferente e estimulante, acaba se tornando o calcanhar de Aquiles do jogo, ressaltando os outros defeitos.
Quando as investigações começam de fato, somos lançados a coletar pistas pelos cenários e nos arquivos da cidade (polícia, hospital, prefeitura e jornal). Também devemos questionar suspeitos e usar as habilidades psíquicas do protagonista para encontrar ligações invisíveis aos olhos. Depois, com o caso bem estruturado, cabe ao jogador explorar os menus para juntar provas e encontrar as respostas. São como puzzles, exigem um pouco de atenção e paciência, mas eventualmente as soluções aparecem.
Em último caso, tentativa e erro também podem solucionar os problemas (o que não é um bom sinal para o design dos quebra-cabeças). É um esquema que, guardadas as devidas proporções, lembra o questionável L.A. Noire, da Rockstar — embora um pouco mais rústico. Apesar das claras limitações, esta é a mecânica mais bacana de The Sinking City, e os mistérios são interessantes o suficiente para atiçar a curiosidade do jogador.
Lutando contra mecânicas mal desenvolvidas
Na tentativa de quebrar a monotonia das investigações, The Sinking City também apresenta ambientes hostis onde monstros disformes devem ser enfrentados. Porém, os combates são completamente desengonçados. Os inimigos são deveras repetitivos e as miras das armas e do ataque corpo a corpo não são nada precisas, deixando as batalhas bem atrapalhadas.Tanto nos cenários de combate como nos de investigação sobrenatural, o jogador precisa administrar as barras de vida e sanidade do protagonista. Quando esse medidor de sanidade desce muito, a tela é invadida por ilusões estranhas e, em casos mais extremos, perigos reais. É uma ideia bacana e bem utilizada, que agrega um pouco mais de tensão ao gameplay sem distorcer a narrativa.
Alguns pontos no mapa são tomados por criaturas, e o único motivo para vasculhar estes cenários é encontra a sucata necessária para o simplificado sistema de crafting do game — necessário para adquirir mais das finitas unidades de munições e itens de cura. Esse sistema é mais um exemplo de mecânica que parece ter sido mal desenvolvida, acrescentando muito pouco para a diversão.
Os embates pouco divertidos também acabam sendo necessários para angariar pontos extras de XP, que são usados para comprar habilidades que deixam o protagonista mais preparado e a sua vida mais fácil. Mas adivinha? Mais um caso de sistema raso e que pouco acrescenta. A evolução do personagem é tão sem profundidade que até perde um pouco o sentido.
Um barco cheio de boas ideias navegando num mar problemas
Os gráficos e as animações limitadas não são os únicos problemas técnicos de The Sinking City. Pelo menos no PlayStation 4, o título conta com telas de loading constantes que chegam a bater meio minuto de duração. E mesmo assim objetos aleatórios ainda surgem do nada na tela quando a partida recomeça. Mas o maior contratempo é, de fato, o frame rate absurdamente instável, que faz o jogo engasgar constantemente e consegue até mesmo atrapalhar os combates.Com tantos defeitos aparentes, é fácil detestar The Sinking City. O que é difícil é negar a coragem do pessoal da Frogwares. Os desenvolvedores saíram de sua zona de conforto — dos pouco inspirados títulos da franquia Sherlock Holmes — e miraram alto ao tentar um tipo de jogo diferente para eles próprios e também para nós, jogadores, que nos acostumamos a receber sempre os mesmos estilos vindos de grandes estúdios.
Mesmo querendo testar seus limites, a Frogwares parece ter percebido que o grande trunfo do título é o poder da história baseada na mitologia criada pelo gênio Lovecraft. E apostou nessa qualidade. Desvendar aos poucos os mistérios de Oakmont traz um sentimento de satisfação e atiça ainda mais a curiosidade sobre o que está por vir. Aquela opressão psicológica causada por forças sobrenaturais desconhecidas é uma das características mais marcantes da obra do famoso escritor, e se faz presente de forma certeira em The Sinking City.
Apoiado nessa base sólida, senti que o jogo passou a me tratar com respeito, confiando em minha capacidade de percepção e solução de problemas. Em tempos de tutoriais infinitos, isso não tem preço. Esse esforço da produtora merece reconhecimento, mesmo que o produto final escancare a verdade: ele precisava desesperadamente de mais polimento.
Portanto, para aproveitar as ideias boas, você precisa estar ciente de que, tecnicamente, The Sinking City é uma bagunça. Uma bagunça cheia de charme, é verdade, mas ainda assim uma bagunça. Lembra quando mencionei Deadly Premonition? A ideia é parecida. Mas aqui fica a sensação de que com mais tempo e orçamento, a Frogwares poderia ter entregado uma obra memorável. Quem sabe numa continuação?
É sofrível, mas eu adorei!
The Sinking City é um daqueles títulos difíceis de analisar. Ele é autêntico, com ótimas ideias e apresenta uma atmosfera realmente cativante. Entretanto, fica claro em todos os aspectos que foi feito com um orçamento limitado, e algumas mecânicas precisavam de muito mais polimento. A maneira como ele incentiva o jogador a raciocinar é interessante e bem-vinda, mas a confusão dos menus e outros defeitos técnicos acabam por deixar as tarefas um tanto cansativas. Se você é fã da mitologia criada por Lovecraft, ou de jogos minuciosos de investigação, pode ser uma ótima pedida. Porém, para aproveitá-lo devidamente, precisa estar preparado para perdoar seus pecados.Prós
- Atmosfera de constante terror e suspense sobrenatural;
- Algumas partes de investigação são bem interessantes;
- A mórbida história da cidade e de seus habitantes é cativante o suficiente para motivar a seguir encarando os diversos defeitos do jogo;
- O título confia na percepção do jogador.
Contras
- Combate desajeitado e sem graça;
- Problemas sérios de desempenho, precisava de mais polimento de forma geral;
- Sobrecarga de menus e mecânicas desinteressantes para administrar.
The Sinking City — PS4/XBO/PC — Nota: 7.0Versão utilizada para análise: PS4
Análise produzida com cópia digital cedida pela Bigben Interactive