Dando sequência aos eventos de The Legend of Heroes: Trails of Cold Steel (Multi), o segundo capítulo da quadrilogia chega também ao PlayStation 4 em antecipação ao terceiro jogo da saga, previsto para setembro deste ano. Saindo do conforto da vida escolar e rumando em direção à guerra civil, a sequência propõe expandir as fronteiras bem definidas do título de estreia.
Além de uma dose (saudável e sempre muito bem-vinda) de mechas, a sequência também introduz temas morais mais maduros e experimenta com um modelo relativamente mais aberto de progressão da trama. Será que o resultado final é tão positivo quanto do jogo anterior, ou teriam Rean Schwarzer e seus amigos deixado a bola cair desta vez?
Guerra civil com pré-requisitos
Antes de qualquer outra coisa, que fique claro: Trails of Cold Steel II é uma sequência direta de seu predecessor, no sentido mais literal do termo. Lançando mão de um modelo relativamente pouco comum na mídia, a narrativa inicia-se sem quaisquer delongas diretamente no gancho deixado pelo final do game anterior, e daí segue em frente sem grandes esclarecimentos introdutórios e apoiando-se confiantemente em cima das bases construídas pelo antecessor.Ou seja, ainda que traga uma função de recapitulação dos eventos da história até aqui, trata-se de um game que deve ser conferido (muito) preferencialmente por quem já jogou o antecessor, sob o risco de se perder o melhor aspecto da experiência, em caso contrário.
Isso porque a narrativa deste segundo episódio da "quadrilogia de Erebonia" é, sem dúvidas, seu grande ponto forte. Mantendo a tradição da subsérie em não abrir mão dos detalhes da história e da construção meticulosa de mundo, o jogo consegue se beneficiar muito bem do tempo investido com aspectos introdutórios no título anterior para corrigir o principal ponto fraco dele: o ritmo um tanto lento da narrativa. Com uma progressão mais acelerada e dinâmica e lançando mão de uma maior diversidade no esquema de divisão dos capítulos, a história se inicia com a tensão em alta e consegue não perder o pique ao longo de mais de cem horas de conteúdo.
Porém não se engane: trata-se, ainda sim, de um jogo muito longo e com um ritmo que pode ser considerado problemático para quem se incomoda em frequentemente passar longos trechos da experiência sem qualquer elemento interativo. Em se tratando de um título direcionado aos "já iniciados", não deve ser um grande problema.
O mais legal é que as pequenas digressões da trama (a famosa "encheção de linguiça") conseguem não apenas seguir com a ótima construção de personagens e de lore vistas no título anterior, como apresentam maior diversidade e dinâmica. Aproveitando-se de um cenário mais complexo e ameaçador do que o visto anteriormente, os personagens conseguem cativar de forma orgânica e manter o jogador interessado nos diversos sub-arcos que compõem a trama maior.
Com os esforços combinados da Noble Alliance com a facção terrorista da Imperial Liberation Front, o governo de Erebonia sofreu um golpe que destituiu os reformistas do poder. Uma guerra civil entre os progressistas imperiais e os exércitos provinciais fiéis às casas nobres se instaura por todo o território de Erebonia, com a facção conservadora forçando os até então governantes a uma posição de retaguarda com o uso de tecnologias novas baseadas nos antigos guerreiros lendários.
Após a batalha fatídica entre o Ashen Knight de Rean Schwarzer e o Azure Knight de Crow Armbrust, nosso protagonista acabou se separando da turma de calouros da Class VII, entrando em estado de hibernação junto ao seu mecha divino em uma região longínqua do império. Acordando um mês após o início da guerra, nosso protagonista parte em viagem apenas com a ajuda da misteriosa gata Celine para reencontrar seus companheiros, procurados de guerra do atual governo estabelecido pelos nobres.
De volta a Erebonia
Esse início cheio de tensão já oferece o tom da nova aventura. Em contraste com a leveza do clima escolar que perdurou durante grande parte do título anterior, a sequência dá uma guinada radical na direção da temática da guerra.
Se a aventura inicial foi uma excursão por uma Erebonia pacífica a bordo de confortáveis locomotivas, a sequência traz uma série de jornadas tensas pelos mesmos lugares, agora marcados pelo conflito — seja atravessando estradas a pé na esperança de não sermos encontrados por soldados da facção nobre, seja a bordo de uma aeronave promovendo a revolução de uma "terceira via" para o atual embate.
A revisitação dos locais conhecidos é uma faca de dois gumes. É possível imaginar que o repeteco dos cenários possa decepcionar um pouco aqueles no aguardo por descobrir novos lugares nesse mundo tão vasto apresentado pela série. Por outro lado, além da cota razoável de novas localidades, o modelo funciona justamente explorando ângulos diferentes ou desenvolvendo elementos introduzidos no primeiro game.
Ou seja, ainda que paguemos o preço da repetição, tanto a trama principal quando as próprias sidequests se aproveitam astutamente da construção de mundo feita no predecessor, o que significa dizer que a produção tem sucesso em explorar seus pontos mais fortes. Quem achou que as horas gastas explorando todo o conteúdo do jogo anterior foram bem investidas, terá um prato cheio aqui.
Ou seja, ainda que paguemos o preço da repetição, tanto a trama principal quando as próprias sidequests se aproveitam astutamente da construção de mundo feita no predecessor, o que significa dizer que a produção tem sucesso em explorar seus pontos mais fortes. Quem achou que as horas gastas explorando todo o conteúdo do jogo anterior foram bem investidas, terá um prato cheio aqui.
Em termos de gameplay, o ganho desse novo esquema se encontra na ruptura com a organização em torno do calendário escolar da Thors Academy. Ao invés da divisão em Capítulos, o jogo se divide em Atos de tamanho variável, cada qual possuindo uma dinâmica própria de progressão. Combinando perfeitamente com o tom do enredo, a narrativa se desenvolve por caminhos sempre imprevisíveis, cativando e prendendo o interesse do jogador do início ao fim.
A história também se desenvolve de forma notadamente mais dinâmica e acelerada do que no jogo anterior. Não é apenas a ausência de sequências introdutórias a responsável por isso: com a diversidade de localidades e a estrutura mais livre de exploração, os conteúdos opcionais acabam trazendo mais variedade do que o "leva e traz" infindável de algumas das sequências escolares do game anterior.
Essas sidequests continuam a aproveitar bem seu espaço para construir personagens e tramas secundárias o tempo todo, o que deve agradar aqueles que curtiram esse elemento no game anterior. Os Bonding Events, por exemplo, me pareceram ainda mais diversificados do que no primeiro jogo, introduzindo aspectos interativos bem-vindos e aprofundando na caracterização de todo o (enorme) elenco.
Embora seja recheado de sequências de história longas, não me senti cansado delas ou entediado em nenhum momento — imagino que para quem já foi "fisgado" até aqui, o efeito deve ser nesse sentido. Sendo bastante sincero, é raro que o conteúdo não-essencial para a história me cative nos jogos do gênero, ainda mais nesse nível — ponto para a Falcom pela construção da narrativa "pelas beiradas" que converteu aos poucos um jogador que tende a querer só resolver a trama principal e se dar por satisfeito!
A única crítica a essa nova abordagem para a progressão da trama é que o jogo sofre, de certa forma, da boa e velha "barriga narrativa". Ou seja: entre uma abertura bombástica e um final cataclismático, a parte central da experiência tende a se alongar um tanto e deixar a situação suspensa por um bom tempo fora dos ares empolgantes dos plot twists e revelações.
Felizmente, a produção consegue remediar esse deslize do roteiro no segundo ato, nos presenteando simultaneamente com a possibilidade de uma exploração não-linear de Erebonia pela primeira vez após mais de uma centena de horas de jogo (a contar do primeiro).
Quanto mais o jogador curtir o aspecto imersivo e a abundância de subtramas periféricas, mais proveitosa poderá ser a jornada nesse trecho central. Para os menos empolgados com a ideia, há a opção de se ater estritamente à progressão da trama principal através das quests obrigatórias, o que torna a experiência mais ágil e relativamente enxuta (ainda que, mesmo asssim, com seus excessos).
Tomando parte na luta
O sistema de batalhas por turnos continua a ser um exemplo para o subgênero, balanceando bem a complexidade com a praticidade em um sistema flexível e cheio de customização. Embora não traga nenhuma grande inovação, o sistema cumpre muito bem aquilo que se propõe fazer e evita cair em qualquer das armadilhas do estilo. Aspectos táticos relativamente complexos se fazem presentes através das mecânicas já tradicionais da subsérie, que recebem aqui algumas adições interessantes.O sistema de Orbments retorna com mais diversidade de habilidades equipáveis, com a diferença de que agora os slots dos personagens precisam ser desbloqueados de acordo com o nível do quartz em questão. As opções de customização não são poucas - há uma boa variedade de personagens jogáveis entre os membros fixos da Class VII e "visitantes especiais", e o estilo de batalha de cada um pode ser customizado com o uso das Master Quartz, que funcionam mais ou menos como jobs equipáveis.
A equipe continua a consistir em quatro personagens simultâneos, com um "banco de reservas" que comporta até três outros combatentes. É possível desenhar esquemas diferentes em um mapa tático, sendo que o posicionamento continua a ter um papel importante no desenvolver das lutas.
A troca entre membros ativos e reservas pode ser feita durante as batalhas sem perda do turno do personagem trocado, o que abre um amplo leque de opções e incentiva a participação de todos nos duelos. Escolher uma equipe bem balanceada e equipá-la de forma a cobrir bem as diversas necessidades é um dos aspectos mais bacanas do sistema de batalhas, e o número de opções garante bastante variedade (e fator replay), sem exagerar na complexidade.
Os aspectos centrais do sistema de combate por turnos seguem os mesmos: além do ataque regular, os personagens lançam mão de Arts e de Crafts para se defender das hordas inimigas. A movimentação em campo e as áreas de ataque também cumprem um papel importante nos combates.
As Arts consomem EP (pontos de magia recuperáveis com itens e efeitos específicos) e representam magias geradas com o uso das armas ARCUS, podendo ser totalmente customizadas a qualquer momento através dos Orbments, um esquema misto entre os sistemas de Materia e Guardian Forces de Final Fantasy.
Já as Crafts são técnicas poderosas que consomem CP (pontos de combate acumulados, dentre outras formas, quando se apanha na batalha), e são fruto das habilidades próprias de cada personagem, sendo portanto sempre exclusivos a cada um. Novas Crafts são aprendidas automaticamente e as antigas vão evoluindo com a progressão de níveis. Por fim os S-Crafts, especiais ao estilo Limit Break de cada personagem, também recebem incrementos por conta de eventos da trama.
Outra coisa que retorna do primeiro Cold Steel são os combat links, combinações táticas entre dois personagens que resultam em efeitos especiais nas batalhas, os quais vão melhorando conforme o nível do link é incrementado. A novidade nessa frente fica por conta do novo sistema de Overdrive, barra de tensão acumulável entre batalhas que possibilita a determinado par "linkado" realizar um tipo de ataque especial em dupla, ganhando vários turnos seguidos sob efeitos especiais.
Enquanto os Overdrives com Rean são habilitados conforme novos membros são recrutados para a equipe, os outros pareamentos precisam ser habilitados encontrando-se desafios específicos em baús azuis escondidos pelo mundo — um aspecto bem bacana de colecionável opcional (um daqueles opcionais altamente recomendados!).
Algo que me agradou bastante nessa frente foi que o nível de complexidade das batalhas já se inicia mais elevado, dispensando qualquer curva mais suave de aprendizagem em favor de uma continuidade mais fluída com o game anterior — o que faz sentido, já que estamos dando sequência direta aos eventos daquele volume.
Os personagens já começam o jogo em um nível mais elevado e, embora tenham seus Orbments praticamente zerados, mantém todas as suas técnicas especiais (Crafts) do game anterior, as quais vão evoluindo em formas mais poderosas e se diversificando ao longo da nova aventura.
Os status e atributos elementais permanecem os mesmos do jogo anterior, e cumprem um papel central nas estratégias de luta, especialmente nas batalhas mais difíceis. A ordem dos turnos é mostrada em uma barra lateral, e é influenciada pelos atributos de velocidade e técnicas utilizadas pelos personagens — técnicas de manipulação de velocidade e de delay dos inimigos são uma mão na roda para lidar com os adversários mais teimosos.
Por falar em adversários resistentes, o nível geral das batalhas acaba sendo um pouco mais elevado do que no jogo anterior. Fora o fato de que as magias mais poderosas não demoram a dar as caras, os inimigos aqui também desviam frequentemente dos ataques físicos (nos forçando a pensar mais no atributo de accuracy e acabando com a festa que era o spam de espadachins no primeiro jogo) e não raramente lançam mão de irritantes Arts de cura ("Opa, recuperei 30% do meu HP de 100000 que você levou dez turnos para tirar!").
Por fim, o gerenciamento dos links, Bravery Points, CP (Craft Points) e do Overdrive complementam o aspecto estratégico — em uma dungeon mais longa, o uso bem pensado desses elementos pode ser a chave para abreviar aquela luta mais espinhosa contra um chefe especialmente resistente. Os combates contra chefes são, em geral, bem nivelados e trazem desafios muito divertidos para se quebrar a cabeça em volta. A opção de níveis de dificuldade é sempre muito bem vinda, ajudando especialmente quem procura um desafio mais empolgante no modo New Game+.
As batalhas com mechas trazem elementos simplificados do que se costuma ver nos sistemas de combate dedicados à temática: grande parte da estratégia consiste em atacar a área correta do robô adversário, de acordo com sua estância atual. Técnicas de defesa, cura e ataque também fazem parte do arsenal do Ashen Knight, além de pareamentos com os colegas de Rean que concedem Arts exclusivas ao guerreiro lendário.
Caso pipocassem com muita frequência ao longo do jogo, essas batalhas poderiam correr o risco de pecar pela repetitividade. Felizmente, como elemento mais raro, acabam sendo uma adição muito bem-vinda, que nos deixa sempre na expectativa da próxima convocação do mecha. Rean conta até mesmo com a ajuda da gata Celine como sua mascote-guia nas batalhas com robô gigante, ao melhor estilo Super Sentai.
A integração entre a ação e a trama também é feita de forma muito boa: reforços que são considerados mais poderosos na história mostram a que vieram nas batalhas em que participam como jogáveis, e o equilíbrio de poder ao longo dos combates preza pela lógica interna apresentada nesse mundo. O grande destaque, nesse sentido, é nosso mecha Valimar, que cumpre um papel central na narrativa e consegue ser introduzido de forma hábil e convicente na trama, sendo muito mais do que somente um power-up bacana em termos de gameplay.
Uma aventura extraordinária
O novo port para o PlayStation 4 chega trazendo todos incrementos que marcaram a edição para PCs: iluminação, texturas e animações adaptadas para resoluções mais altas; o utilísssimo Turbo Mode; dublagem original em japonês; dublagem em inglês atualizada e todos os DLCs do lançamento original.
Infelizmente, alguns problemas de desempenho acabam atrapalhando essa versão definitiva do título: glitches visuais (como, por exemplo, na renderização de sombras) e quedas bruscas de framerate acabam tirando um pouco do brilho do update visual. Felizmente, nada que possa atrapalhar a experiência. Ainda que com esses pequenos problemas, trata-se seguramente de uma boa pedida para quem ainda não experienciou a versão já se preparar para a chegada do terceiro título da quadrilogia, que chega ao Ocidente no segundo semestre.
Apesar de não inovar radicalmente dentro do gênero, The Legend of Heroes: Trails of Cold Steel II não é meramente um JRPG médio. Para mim, que me considero um entusiasta do gênero, o jogo superou as expectativas mais otimistas deixadas pelo excelente antecessor, se tornando uma experiência marcante e que merece destaque dentro da grande variedade que, felizmente, temos recebido entre lançamentos e remasterizações.
Combinando elementos familiares em torno de uma narrativa que é tão ambiciosa quanto é inspirada, a sequência se apoia nos acertos do predecessor para continuar sua cativante construção de mundo e personagens. É o tipo de jogo que, nas mãos do público ao qual é direcionado, garante horas e mais horas de diversão a fio sem que se veja o tempo passar. Os moradores de Erebonia que me desculpem, mas a vida no império em meio ao caos conseguiu ser ainda mais divertida do que a turistagem pacífica!
Prós
- Construção de mundo detalhada e envolvente: um prato cheio para os amantes de um bom lore complexo e com várias camadas;
- História expansiva, cheia de ação e com a narrativa mais acelerada que no antecessor;
- Elenco diversificado e muito bem explorado preenche as diversas sequências com elementos interessantes;
- Enredo cativante aproveita muito bem as bases narrativas deixadas pelo game anterior;
- Sistema de batalha por turnos continua bem construído, com adições interessantes na forma do sistema de Overdrive e com a inclusão de novas habilidades;
- Trilha sonora excelente.
Contras
- Glitches visuais e problemas de desempenho do port.
The Legend of Heroes: Trails of Cold Steel II — PSVita/PS3/PS4/PC — Nota: 9.5Versão utilizada para análise: PS4
Análise produzida com cópia digital cedida pela XSEED