Análise: 198X (PC/PS4) é uma bela e breve viagem aos arcades dos anos 80

Acompanhe uma história de amadurecimento nesse título indie que mistura narrativa e experiências de diferentes gêneros.

em 24/06/2019

O período de transição entre a infância e a vida adulta é bem conturbado com suas inúmeras mudanças e incertezas. 198X, título de estreia do estúdio sueco Hi-Bit Games, explora esse momento na forma de trechos de narrativa intercalados com jogos de arcades da década de 80. Desde que soube da existência do jogo eu fiquei intrigado com sua atmosfera estonteante e seu conceito ambicioso de explorar vários gêneros simultaneamente. No fim, 198X é uma experiência interessante mesmo com suas várias falhas.

As incertezas da adolescência na década de 80

Kid, um adolescente como qualquer outro, mora em Suburbia, um bairro nos arredores de uma grande metrópole. A vida do garoto se resume ao cotidiano comum — casa, escola, tempo livre andando por aí — e, por causa disso, aos poucos, o mundo começa a perder a graça e a melancolia aparece. Um dia, Kid decide explorar uma região mais afastada de City e lá ele descobre um fliperama. Após isso, um novo universo se abre: pessoas exóticas, música, uma atmosfera completamente diferente do seu pequeno bairro do subúrbio. E, claro, o local está abarrotado de inúmeros jogos, que Kid passa a experimentar para expandir seu mundo.


198X utiliza esse argumento para criar uma aventura narrativa carregada de sentimento e atmosfera. A jornada de Kid é apresentada por meio de cenas não interativas de história e momentos em que experimentamos os jogos do fliperama. Um detalhe legal de 198X é que ele explora vários gêneros da época na forma de diferentes títulos jogáveis: o beat ‘em up Beating Heart, o shoot ‘em up Out of the Void, o jogo de corrida The Runaway, uma aventura de ação e plataforma chamada Shadowplay e um RPG dungeon crawler intitulado Kill Screen.

É importante notar que 198X não é uma experiência “vários jogos em um”. O foco é a narrativa e a jornada emocional de Kid, e os vários títulos, que lembram mais minigames por causa de sua simplicidade, se relacionam ao tema de alguma maneira — o garoto reflete e amadurece enquanto experimenta os jogos. No fim, a sensação que eu tive foi de estar experimentando um filme com alguns momentos interativos.


A variedade, a beleza e a tristeza de um mundo de pixels

198X é uma história sobre melancolia, amadurecimento e escapismo. Os sentimentos de Kid são verossímeis e relatáveis, sendo perfeitamente possível fazer paralelos com nossas vidas. Aos poucos, vamos entendendo os dramas do garoto: as sutis mudanças nos relacionamentos, a vontade de fugir para um lugar distante, o aparecimento de questões familiares e mais. Uma excelente dublagem dá vida a Kid e a seus extensos monólogos.

Um detalhe que apreciei bastante em 198X é sua ambientação estonteante. O visual do jogo é impecável e apresenta gráficos em pixel art belíssimos, principalmente nas várias cenas não interativas — ângulos cinematográficos e cenários muito elaborados trazem sensação de imersão. A atmosfera dos anos 80 é reforçada pelo uso de uma paleta de cores neon com rosa, roxo, azul e vermelho, que complementa a temática melancólica do jogo. Os títulos do arcade também foram construídos com esmero e contam com interpretações modernas e belas de jogos do passado. A trilha sonora segue a mesma linha de cuidado com composições synthwave excelentes, com direito a faixas produzidas por Yuzo Koshiro (de Streets of Rage).


Como jogo em si, 198X pode decepcionar um pouco. Os cinco títulos arcade são bastante simples, praticamente minigames, mas conseguem transmitir a sensação de jogos da época. O beat ‘em up Beating Heart tem pancadaria básica e animações muito elaboradas. Já o shoot ‘em up Out of the Void lembra R-Type e explora rapidamente conceitos do gênero, com direito a entrar em uma nave e destruí-la de dentro. O jogo de corrida é claramente inspirado em Out Run e consegue transmitir a sensação de dirigir livremente por aí. Dentre todos eles, o meu preferido é a aventura ninja Shadowplay: ele é o mais elaborado mecanicamente e também é o mais difícil. É divertido terminá-los, mas no fim fica a sensação de que podia ser mais, pois são todos bem curtinhos e fáceis, sendo que alguns deles acabam em menos de cinco minutos.



A atmosfera e temas explorados são interessantes, no entanto senti falta de maior elaboração da narrativa. O argumento do jogo infere que Kid amadurece a cada visita ao fliperama, porém a história não evolui significativamente e não vai muito além de pensamentos aleatórios do garoto. Há uma sensação de desconexão entre as cenas e os jogos, parece que os títulos do arcade não têm o devido impacto na vida do garoto. Mesmo assim, há alguns trechos inspirados em que Kid usa os jogos para fazer paralelos e reflexões sobre sua própria vida. Infelizmente os diálogos do 198X não têm legenda em língua alguma, sendo assim é importante ter a capacidade de entender dublagem em inglês para aproveitar completamente o jogo.

Por fim, a experiência é breve demais. 198X é, na verdade, a primeira parte da história, e o jogo pode ser completado em menos de duas horas. No entanto, infelizmente, a trama é interrompida justamente quando começa a ficar interessante — acredito que lançar um jogo com mais conteúdo tornaria a experiência mais rica. Também achei uma oportunidade perdida não incluir incentivos para revisitar os jogos, como objetivos opcionais ou versões mais difíceis.


Uma introdução instigante

Jogar 198X nos transporta aos anos 80 com suas cores brilhantes em neon e música eletrônica. A jornada de amadurecimento pessoal de Kid impressiona com ambientação impecável na forma de pixel art belíssimo e trilha sonora synthwave empolgante em momentos que intercalam cenas de história e jogos de diferentes estilos. A mistura entre narrativa e trechos que simulam títulos de fliperamas funciona e lembra uma espécie de filme interativo. No entanto, o custo dessa ambição é uma simplicidade geral: os minigames são curtos e a breve história pouco se desenvolve. No fim, 198X é uma experiência envolvente e única, porém momentânea — estou curioso para saber como as partes seguintes vão se desenvolver.

Prós

  • Ambientação elaborada que reproduz bem a atmosfera da década de 80;
  • Variedade de estilos de jogo na forma de cinco diferentes títulos arcade;
  • Belo visual em pixel art;
  • Ótima trilha sonora com pegada synthwave.

Contras

  • Jogos e sistemas muito simples;
  • Ausência de legendas.
198X — PC/PS4 — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC
Análise produzida com cópia digital cedida pela Hi-Bit Studios

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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