Análise: Vambrace: Cold Soul (PC) — uma complicada e frustrante aventura por um mundo congelado

RPG e administração de recursos se combinam em um jogo com bom conceito, mas de execução problemática.

em 27/05/2019

A proposta de Vambrace: Cold Soul é sólida. O jogo mescla RPG e aspectos de roguelike em uma aventura de sobrevivência brutal por uma cidade congelada: os recursos são escassos, os perigos são constantes e bastam poucos erros para perder definitivamente heróis. Explicitamente inspirado em Darkest Dungeon, o título apresenta boas ideias, no entanto uma série de escolhas erradas torna a experiência frustrante e decepcionante.

Uma garota presa em um reino congelado

Evelia Lyric é uma aventureira que viaja o mundo em busca de informações sobre seu pai, que desapareceu e deixou para ela um diário incompleto e uma estranha braçadeira. Em suas buscas, a garota acaba em Icenaire, uma cidade amaldiçoada por um feitiço: todo o local é cercado por uma parede de gelo fatal e as temperaturas são terrivelmente baixas. Por causa da barreira congelante, ninguém consegue entrar ou sair de Icenaire, porém Evelia descobre que a braçadeira deixada por seu pai é um artefato capaz de atravessar o gelo. Sendo assim, a aventureira adentra a cidade em busca de informações e respostas — tarefa complicada, afinal os habitantes do local passam por complicações e Evelia pode ser a única capaz de ajudar.

De primeira, digo que a ambientação de Vambrace é excelente e é um dos destaques do jogo. A trama se passa em uma região limitada, no entanto ela é bem construída. A cidade subterrânea de Dalearch, que serve de base, tem vários bairros com culturas diferentes. Já a cidade de Icenaire na superfície transmite o tom de um local anteriormente habitado, mas agora desolado. Diferentes raças habitam o mundo, cada qual com visual e personalidade bem definidos, como os orgulhosos anões e uma raça comerciante de pessoas-raposa.


O visual com gráficos 2D desenhados ajuda a construir o mundo. Os ambientes visitados por Evelia são belos e elaborados, com cenários repletos de detalhes interessantes — um dos meus locais favoritos é o mercado com suas várias bancas e itens à venda organizados em três camadas visuais diferentes. A região congelada de Icenaire consegue contar histórias por meio dos cenários ao mesmo tempo que trazem uma sensação de desolação, com casas abandonadas, bares revirados e repletos de gelo, cadáveres daqueles que não conseguiram fugir a tempo e mais. Só é uma pena que a variedade de locais seja limitada.

A paz do subterrâneo e os perigos da superfície

A progressão em Vambrace: Cold Soul é dividida em dois momentos: preparação no subterrâneo e exploração da superfície congelada. A cidade subterrânea de Dalearch funciona como base de operação de Evelia e dos outros sobreviventes. O local tem várias áreas com lojas e recursos essenciais, como o mercado de itens, uma forja para construir equipamentos avançados, um quadro de avisos que nos permite recrutar heróis e mais. Explorar a região é importante, pois é por meio de conversas que Evelia descobre mais detalhes do mundo e de seus personagens, além de conseguir também algumas missões paralelas.

Uma vez feitos os preparativos, é hora de explorar a cidade congelada de Icenaire. Nesse momento aparecem os aspectos de roguelike de Vambrace na forma de calabouços com mapas gerados proceduralmente. As missões são divididas em pequenas áreas com várias salas que apresentam situações distintas, como combates, perigos, vendedores, pontos de tesouros e mais. O detalhe importante é que não é possível saber de antemão o tipo de evento da sala, logo precisamos estudar com cuidado o mapa para tentar escolher as melhores rotas.


Icenaire está tomada por espíritos e outras criaturas, e somos forçados a enfrentá-los em combate em alguns momentos. O sistema de batalha do jogo é por turnos e é bem simples: cada herói tem um ataque básico e uma técnica especial que só pode ser ativada após preencher um medidor. Além disso, é importante posicionar corretamente os personagens na formação de combate — quem está na frente será alvo de mais ataques e alguns golpes só podem ser executados de posições específicas.

Os conceitos básicos dos embates são bem simples, no entanto a variedade estratégica vem de cada classe, que apresenta características distintas. O anão fuzileiro consegue acertar inimigos distantes; já o humano cavaleiro de defesa alta é uma boa opção para defender ataques na frente; uma feiticeira élfica é poderosa (porém frágil), além de ter uma habilidade que aumenta a força dos aliados ao custo de vida. Há boa variedade de classes e saber balancear a equipe é imprescindível para a vitória.


A frustração que vem da aleatoriedade

Eu aprecio aventuras tensas e complicadas, afinal é muito boa a sensação de triunfo ao sair vitorioso de uma situação difícil. No entanto, Vambrace: Cold Soul é longe disso: inúmeras escolhas infelizes e muito desbalanceamento tornam o jogo frustrante e até mesmo desagradável.

A intenção do jogo é ser um brutal RPG de sobrevivência. Para isso, o jogo implementa algumas mecânicas que restringem ações e tornam a aventura complicada. Durante as expedições, por exemplo, itens de recuperação só podem ser utilizados em acampamentos (que uma das possíveis opções de eventos de salas). Conforme exploramos, o Vigor dos heróis vai sendo consumido aos poucos, e caso o medidor chegue a zero o personagem morre definitivamente. Para deixar as coisas ainda mais complicadas, um atributo chamado “Terror” aumenta constantemente e quando ele alcança certo ponto os inimigos se tornam muito mais fortes.


O problema é que essas restrições, em conjunto com a aleatoriedade dos eventos, torna a aventura em algo mais baseado em sorte do que em estratégia. Em uma missão, por exemplo, tive inúmeros combates seguidos e nenhum acampamento, o que resultou na morte de todo o grupo, pois não consegui recuperar a vida deles. Já em outra tentativa, acampamentos e tesouros apareceram constantemente, tornando a jornada trivial. Sendo assim, eu sempre fui pelo menor caminho possível, torcendo para que não aparecessem eventos muito ruins — não vi sentido em voltar em outras salas ou explorar caminhos alternativos, pois a chance de algo dar errado é alta.

Aleatoriedade é um recurso interessante para trazer variedade, porém no caso de Vambrace só atrapalha, afinal é difícil montar alguma tática ou estratégia sem ter um mínimo de informações. Por causa disso, para conseguir avançar, eu precisei sempre estocar uma grande quantidade de itens de recuperação, o que significou fazer grind para conseguir recursos e dinheiro. Para piorar, a seleção de eventos é bem limitada e desinteressante (coisas como buracos que machucam todo o grupo, armadilhas que dão status negativos, NPCs que mal conversam, e assim por diante), se repetindo constantemente, fazendo com que as missões sejam extremamente similares. Os eventos de sorte, por exemplo, eu evito sempre que possível, pois a possibilidade de um efeito negativo acontecer é sempre alta.


Outro problema está no combate e nos personagens. Depois de algum tempo, as batalhas ficam repetitivas, pois há poucas opções de ações para cada personagem. Além disso, fora a protagonista Everia, os guerreiros não sobem de nível ou aprendem novas técnicas — a única maneira de alterar levemente seus atributos é por meio de equipamentos. Limitar a evolução de atributos a um único equipamento dificulta bastante a possibilidade de tentar superar eventuais pontos complicados. Sendo assim, eles se tornam completamente descartáveis.

A soma de todos esses problemas faz com que Vambrace seja um jogo extremamente difícil, mas pelos motivos errados. Sobreviver depende de sorte e é muito difícil superar algum ponto mais complicado por causa da evolução limitada de personagens. Isso fez com que eu ficasse preso em um único ponto do jogo por horas: testei outros grupos e estratégias, mas só consegui avançar quando tive a sorte de acabar em um calabouço sem muitos perigos. Outro agravante vem do fato de que as missões só podem ser completadas de uma vez, sendo impossível salvar no meio do caminho. O problema é que elas são bem longas: em boa parte das minhas tentativas, levei por volta de uma hora para conseguir chegar ao final.


Por fim, a interface é confusa. Alguns comandos só podem ser feitos no mouse, outros somente no teclado. Informações básicas dos personagens estão escondidas em menus. Certos pontos de interação são são claros. O mapa é difícil de ler e é fácil acabar indo para o lugar errado por causa dele (o que na maioria das vezes  significa topar com algum perigo mortal). No combate é complicado ver com facilidade informações importantes, como dano e efeitos de habilidades especiais.

Com insistência é possível se divertir com Vambrance, no entanto alguns ajustes simples provavelmente deixariam o jogo mais agradável. Prover algumas informações sobre os possíveis perigos de uma área ajudaria a trazer um aspecto estratégico às missões. Outra opção seria alterar a mecânica de acampamento: ao invés de uma sala aleatória, o jogador poderia escolher quando descansar, assim como acontece em Darkest Dungeon. Também acredito que missões mais curtas tornariam a jornada menos maçante. Há muito espaço para melhorar e torço para que os desenvolvedores façam alterações nas mecânicas.


Uma promessa que não se cumpriu

Vambrace: Cold Soul nos convida a explorar um rico e brutal mundo de fantasia, contudo ele falha em oferecer uma experiência agradável. A base do jogo é boa, com uma combinação interessante de exploração, RPG e sobrevivência, mas uma série de decisões ruins tornam a aventura frustrante e desnecessariamente difícil. Dentre os problemas, destaco a aleatoriedade severa, o combate desinteressante, mecânicas restritivas e a ausência de recursos e informações para a montagem de estratégias. O resultado é um título cuja progressão é fortemente dependente da sorte e repleto de situações que punem o jogador. Torço para que Vambrace: Cold Soul passe por alterações para amenizar essas questões e, enfim, alcançar seu potencial.

Prós

  • Universo bem construído com raças interessantes e ótimo visual;
  • Boa combinação de diferentes mecânicas, como RPG, sobrevivência e roguelike.

Contras

  • Progressão muito dependente da sorte, pois os elementos aleatórios não são balanceados;
  • Dificuldade punitiva com a presença de vários sistemas restritivos;
  • Combate limitado e repetitivo;
  • Interface gráfica confusa.
Vambrace: Cold Soul — PC — Nota: 5.5
Análise produzida com cópia digital cedida pela Headup Games

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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