Análise: Sekiro: Shadows Die Twice (Multi) — uma aventura deslumbrante e impiedosa

O novo jogo da From Software tem a já esperada dificuldade acentuada, no entanto muitas ferramentas e possibilidades o tornam divertido e memorável.

em 04/04/2019

Sekiro: Shadows Die Twice é brutal: basta um pequeno deslize para morrer. A origem da derrota é não entender detalhes dos movimentos dos inimigos ou então não ter técnica suficiente durante o combate. É um pouco frustrante, mas com insistência os desafios são superados e uma sensação de triunfo e êxtase aparecem — até surgir o próximo ponto complicado. O novo título da produtora nipônica From Software (de Dark Souls e Bloodborne) usa o passado como inspiração em conjunto com ideias criativas, o que resulta em uma jornada simultaneamente impiedosa e deslumbrante.

Na pele de um shinobi furtivo e fatal

O Lobo é um shinobi que tem como tarefa proteger seu mestre, o Herdeiro Divino. O garoto é raptado pelo clã Ashina por causa de seu sangue especial, que é capaz de conferir a imortalidade. Infelizmente, o shinobi falha em sua missão e acaba perdendo seu braço esquerdo em um confronto, mas isso não parará Lobo: equipado com uma prótese especial, o homem vai fazer de tudo para resgatar o Herdeiro Divino.

Naturalmente, infiltrar-se na fortaleza dos Ashina não será tarefa fácil: o local e suas cercanias estão infestado de guardas, guerreiros e criaturas que farão de tudo para impedir Lobo. Sendo assim, para sobreviver, o shinobi vai ter que abusar de todos os seus conhecimentos e truques, tanto em combate como em momentos de furtividade. Por sorte, ele é bem ágil e consegue correr sem se cansar, saltar e se pendurar em beiradas, o que permite explorar rapidamente os cenários. Além disso, Lobo pode alcançar locais de difícil acesso por meio de um gancho anexado a seu braço artificial.


É tentador sair correndo e pulando, contudo essa é raramente a melhor opção por causa da grande quantidade de inimigos letais. A alternativa, então, é agir com furtividade e  acabar com inimigos sem ser visto por meio do golpe fatal, uma técnica poderosa capaz de matar um oponente com um único ataque. Há várias opções para dispersar grupos de inimigos, como ataques-surpresa de um local alto, itens que permitem atrair inimigos e muitos locais para se esconder após ser visto.

Os cenários de Sekiro apresentam várias possibilidades de se abordar as situações de perigos. Há a possibilidade de ser praticamente uma sombra se esgueirando pelo mato alto ou nos telhados para evitar completamente inimigos. Outra opção é derrotar os inimigos por meio de ataques furtivos. Tem confiança em sua técnica com a espada? Enfrente, então, os inimigos em combate. Por fim, simplesmente sair correndo é uma boa alternativa quando o Lobo está próximo da morte.

Apreciei bastante as inúmeras abordagens disponíveis, sendo que há espaço para outras estratégias. Em um momento, por exemplo, estava com dificuldade de atravessar uma pequena vila infestada de inimigos. Primeiro tentei me esgueirar pelas sombras e mato, mas alguém sempre me via e eu acabava morrendo por causa da grande quantidade de oponentes. Depois, tentei matar todos que apareciam pelo caminho — mais uma escolha errada que resultou em morte. Por fim, a solução foi um misto de estratégias: atraí e matei alguns inimigos furtivamente, depois enfrentei os poucos restantes. Sekiro é repleto de momentos flexíveis que convidam à experimentação.


O Shadows Die Twice do título indica uma das mecânicas principais de Sekiro: após ser derrotado, Lobo pode reviver. É uma ação útil, principalmente para quando você é pego de surpresa ou calcula mal uma ação, e se utilizada no momento correto é ótima para acabar com inimigos desavisados. Começamos com uma única ressurreição, mas no decorrer da aventura podemos adquirir vezes adicionais. Mesmo assim, há punição ao morrer: perdemos parte do dinheiro e experiência de habilidades adquiridos, e os NPCs podem contrair uma doença que afeta as interações com eles.

Empolgação e o sofrimento no combate

Às vezes ser furtivo não é uma boa opção, logo o jeito é apelar para a espada. O combate em Sekiro é frenético e cada confronto, até mesmo o mais simples, pode ser bem complicado. O foco das batalhas é acabar com a postura do oponente, que é representada por uma barra que preenche de acordo com ações, para que ele fique completamente vulnerável a um golpe fatal. Para isso, somente atacar não é uma possibilidade: a maioria dos inimigos vai defender e repelir nossas investidas, se aproveitando dos nossos erros para contra-atacar. Sendo assim, para vencer, é essencial também defender e aparar ataques, o que exige muita observação.

O detalhe mais notável dos confrontos de Sekiro é que há pouquíssimo espaço para erros — basta um deslize para morrer até mesmo para inimigos normais. A agressividade é necessária, pois a postura de boa parte dos oponentes se recupera com o passar do tempo. É natural querer atacar de qualquer jeito, como se fosse um jogo de ação qualquer, porém essa estratégia raramente funciona. Isso faz com que cada confronto vire um enigma tenso, em que observamos com cuidado os movimentos do oponente e tentamos contra-atacar com a ação correta.


A habilidade do jogador é posta à prova em confrontos com subchefes e chefes, inimigos mais poderosos que exigem mais de um golpe fatal para serem derrotados. Boa parte dessas batalhas são tensas, pois os oponentes são bastante agressivos e com padrões de ataques complexos, o que exige domínio das mecânicas de combate para sair vitorioso. Um detalhe muito legal é que cada inimigo exige táticas diferentes para ser derrotado: um ogro descontrolado executa agarrões indefensáveis, logo o jeito é esquivar no momento certo; um samurai ataca tão ferozmente que somos forçados a aparar todos seus golpes para ter uma chance; um touro imenso corre rapidamente por uma arena, exigindo movimento constante. A diversidade de combates é grande e até mesmo inimigos parecidos oferecem lutas diferentes. No fim, eu me surpreendi como Sekiro nos força a aprender novos truques para sobreviver.

Um detalhe muito interessante é que a evolução do Lobo é pautada em alguns poucos equipamentos e itens que alteram suas características físicas. As armas secundárias do braço protético trazem mais opções de estratégia: shurikens, um machado capaz de quebrar escudos de madeira, bombinhas que paralisam inimigos e mais. Até existem algumas habilidades que podem ser adquiridas com experiência, no entanto elas funcionam mais como um artifício de suporte. Existem itens para aumentar a vida e força, porém eles só podem ser obtidos ao derrotar oponentes poderosos. No fim, não é possível fortalecer significativamente o herói ao derrotar inúmeros inimigos, o que importa mesmo para a vitória é a técnica do jogador e a habilidade com as ferramentas disponíveis.


As belezas e mistérios de um mundo impressionante

O mundo de Sekiro é brutal, mas é também incrível de ser explorado. Inspirado no Japão na era Sengoku, os cenários do jogo são intrincados e repletos de elementos que instigam e abrem possibilidades de estratégia. O mundo é interconectado e repleto de segredos e rotas alternativas — gostei bastante de vasculhar cada cantinho em busca de itens e informações. Apreciei também a verticalidade dos cenários, com vários pontos que podem ser alcançados por meio do gancho, sendo que o uso do equipamento reforça a sensação de estar no controle de um shinobi ágil, como um trecho em que exploramos os telhados de um imenso castelo. Uma trilha sonora pontual, mas muito bem produzida e inserida, ajuda a complementar a ambientação.

A mitologia do universo de Sekiro surpreende com o uso de fantasia, o que permite a presença de criaturas surreais, como uma cobra gigante, youkais e outros monstros. Também é interessante a inclusão de tecnologia rudimentar, representada pela prótese mecânica de Lobo e outros artifícios. Já a trama em si foca mais em questões místicas, com vários acontecimentos estranhos e algumas reviravoltas bem interessantes. Ao contrário dos títulos anteriores da From Software, a mitologia de Sekiro é mais clara e direta, por mais que vários detalhes mais profundos só podem ser entendidos ao prestar atenção aos pequenos detalhes.


Uma aventura de morte, frustração e triunfo

Sekiro é um jogo muito difícil, com mortes constantes por causa de pequenos erros ou inimigos que nos surpreendem. Mesmo assim, o jogo evoca sensações únicas, o que o torna incrível.

Minha maior dificuldade na aventura foi o combate, principalmente contra os chefes: em vários deles eu fiquei horas tentando derrotá-los sem sucesso. No entanto, a cada morte eu aprendia alguma coisa nova, como oportunidades de atacar ou então como defender certos ataques. Mesmo com uma leve sensação de frustração, eu insistia e conseguia a vitória, muitas vezes por um triz — terminei muitos desses confrontos com as mãos tremendo e os batimentos acelerados. Superar um oponente formidável traz uma sensação de triunfo impressionante. De qualquer maneira, o sistema de batalha é excelente por forçar o jogador a se superar e aprender sempre.

Algo parecido se repete ao explorar o mundo do jogo, mas de uma maneira diferente. Sim, eu fiquei constantemente apreensivo por causa da presença de perigos fatais em qualquer canto, no entanto há várias ferramentas para interagir com os cenários e superar os desafios — você de fato se sente um ninja inteligente ao derrotar muitos inimigos furtivamente. Os vários caminhos alternativos e mapas interligados trazem uma sensação de deslumbre (e alívio, quando você encontra um local seguro).


Um problema que atrapalha é o sistema de mira. Ela funciona bem na maior parte das vezes, contudo ela apresenta comportamento irritante quando estamos perto de paredes ou quando os inimigos saltam para trás do Lobo. Nessas situações, a câmera se move rápido e de jeitos estranhos, dificultando saber para onde foi o alvo, sendo que em algumas vezes a mira chega a ser desfeita. É um problema que irrita, ainda mais por acontecer justamente em momentos cruciais de batalhas contra chefes em que conseguir ver com clareza é essencial para agir da forma correta.

Por fim, para aproveitar Sekiro você precisa estar disposto a sofrer, afinal a dificuldade é brutal. Dependendo do nível de habilidade do jogador, é necessária muita insistência para superar pontos complicados, principalmente os confrontos com os chefes. Ao contrário de títulos anteriores da From Software, não há a presença de certos recursos que dão alguma ajuda, como multiplayer cooperativo ou a possibilidade de fortalecer o personagem com grind. Esses detalhes, em conjunto com algumas outras mecânicas que dificultam a vida do jogador, podem deixar Sekiro bem frustrante — eu mesmo preferi deixar o jogo de lado algumas vezes por estar cansado de tentar derrotar um chefe pela décima vez.


A diversão que vem do alto desafio

Sekiro: Shadows Die Twice oferece uma experiência envolvente por meio de conceitos bem aplicados e mundo instigante. A jornada do shinobi Lobo é repleta de momentos complicados, mas sempre com várias possibilidades de abordagem, como furtividade ou ataque direto. O sistema de batalha preza pela técnica e pela agressividade, fazendo com que cada combate seja tenso e único, com uma grande diversidade de inimigos e chefes que nos forçam a repensar estratégias constantemente — algo essencial, já que a morte sempre está próxima. A dificuldade é alta e dependendo do nível do jogador é comum ficar horas tentando derrotar um único chefe, o que pode deixar a experiência frustrante e cansativa, no entanto há aquela sensação de triunfo ao conseguir superar os desafios. Sekiro: Shadows Die Twice não é para todos, contudo é incrível para aqueles que apreciam o gênero.

Prós

  • Combate variado e com foco em técnica;
  • Exploração repleta de possibilidades com grande sensação de liberdade proporcionada pela verticalidade;
  • Mundo bem construído, com cenários intrincados e recheado de segredos;
  • Ambientação ímpar construída por meio de localidades deslumbrantes e trilha sonora pontual, mas poderosa.

Contras

  • Mira problemática em alguns momentos.
Sekiro: Shadows Die Twice — PC/PS4/XBO — Nota: 9.5
Versão utilizada para análise: PS4

Revisão: Alberto Canen
Análise produzida com cópia digital cedida pela Activision

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.