Análise: Com Tropico 6 (PC), brincamos de ditador mais uma vez

O novo jogo da franquia de paródia política da Kalypso não inova ou sequer traz alguma novidade substancial à série, mas isso não o torna automaticamente ruim.

em 07/04/2019

No papel de um ditador, o jogador controla uma ilha no Caribe ao seu bel prazer ao longo de diferentes eras da história e cabe a ele transformar esse paraíso inabitado em uma potência internacional ou simplesmente torná-lo num refúgio de prazeres turísticos cujo rendimento é revertido diretamente para uma conta secreta na Suíça.


Apesar dessa mesma história se repetir ao longo das seis versões lançadas até aqui, Tropico 6 (PC) é produto de uma nova equipe de desenvolvimento. Enquanto as cinco primeiras versões eram produzidas por um estúdio chamado Haemimont, essa sexta ficou a cargo da Limbic Entertainment. Considerando que nenhuma das desenvolvedoras são de renome, a expectativa era que essa simples mudança traria algumas novidades substanciais na série. Não foi bem o que aconteceu.


Tchutchuca dos Capitalistas, Tigrão dos Comunistas

Tropico conta com basicamente três modos de jogo: sandbox, missões e tutorial. Enquanto o primeiro permite ao jogador governar à sua maneira, o segundo oferece desafios pré-determinados e o terceiro diz respeito a uma série de cenários simplificados que introduzem as (poucas) novas mecânicas do título — fazendo com que algumas das mais tradicionais acabem ficando sem qualquer explicação ou contando apenas com comentários rápidos a respeito delas, tornando Tropico 6 um pouco menos convidativo logo de cara para os não-veteranos.

Por mais interessantes e responsáveis por trazer alguma diversidade de gameplay que as missões possam ser, é no modo sandbox que Tropico brilha. Nele, o jogador pode criar seu ditador do zero, com características físicas e atributos de personalidade que impactam diretamente na percepção dos cidadãos de seu paraíso caribenho em relação ao seu glorioso líder.

Nisso, também é possível escolher o orçamento inicial disponível para que nosso projeto ditatorial seja colocado em prática e o período histórico pelo qual iniciaremos nosso mandato, da era colonial aos tempos modernos, cada um com seus avanços tecnológicos que criam novas possibilidades nas práticas governamentais.



Na sequência, a principal forma de angariar fundos e melhorar — ou não — a vida dos cidadãos é extraindo os recursos naturais da ilha e criando sistemas agropecuários que resultem em matéria-prima de exportação. Também é possível fomentar alguma indústria em nossos domínios, processando esse mesmo material bruto. Por exemplo, o ouro garimpado das minas pode ser transformado em joias, aumentando ainda mais o lucro, mas demandando um tempo maior de produção e exigindo mão de obra cada vez mais qualificada.

Outro ponto importante a ser observado é a necessidade de aprovação das diferentes facções. Enquanto nos títulos anteriores elas eram apresentadas aos poucos ao longo das eras, em Tropico 6 todas as oito facções coexistem desde o início. Dessa forma, é necessário um malabarismo considerável para agradar os capitalistas, comunistas, industrialistas, religiosos, ambientalistas, militaristas e outros ao mesmo tempo.



A sacada é que logo fica claro que esse jogo de cintura é virtualmente impossível, visto que as ações tomadas em prol de agradar um dos lados vão, consequentemente, evocar a fúria da facção oposta. Assim, torna-se extremamente importante analisar cada uma das demandas da população e se elas realmente compensam — afinal, a melhor opção é justamente atender aquele grupo com maior número de indivíduos e que acaba pesando mais na aprovação popular até a próxima eleição.

Com esse tipo de atenção sendo necessária, mais do que nunca agora é preciso se habituar às diferentes estatísticas de indicadores sociais, ambientais e econômicos que o jogo apresenta. Entendendo o funcionamento delas, os diversos problemas apresentados se tornam mais fáceis de se dissecar no intuito de encontrar a sua verdadeira raiz e, logicamente, direcionar uma solução mais objetiva.

O “mais do mesmo” em seu estado mais puro

Essa estrutura de jogo, salvo algumas das mudanças já levantadas, se manteve desde Tropico 3. Ou seja, são virtualmente quatro jogos que passaram somente por atualizações gráficas e receberam mecânicas novas que dizem respeito apenas a novos recursos pontuais dentro do gameplay em si.

No caso de Tropico 6, algumas das supostas novidades já vinham da DLC do quinto game, como é o caso da possibilidade de estabelecer uma base pirata cuja função é enviar seus corsários para realizar missões em solo estrangeiro, como promover atentados internacionais, roubar monumentos históricos de outros países ou simplesmente no intuito de saquear recursos.


Outra novidade é que agora é possível controlar verdadeiros arquipélagos em vez de uma única ilha. Embora seja um sistema bacana que dê abertura para um planejamento elaborado das funções governamentais de cada ilha, ele na prática não se trata de uma mecânica verdadeiramente nova, mas apenas um malabarismo do design dos mapas — no lugar de uma única ilha grande, entram conjuntos de ilhas que juntas acabam tendo praticamente o mesmo tamanho dessa individual.

Com isso, agora pode-se utilizar a ferramenta estrada para criar pontes que liguem esses dois pedaços de terra cercados de água por todos os lados. Aliás, toda a infraestrutura de mobilidade urbana foi aprimorada, visto que é possível implementar sistemas de ônibus e táxi, além de túneis que conseguem desafiar o relevo irregular que o território da ilha pode apresentar.

De menor importância, nota-se também a implementação da possibilidade de personalização do palácio presidencial, embora isso não promova nenhum impacto substancial no gameplay.

Nem todo jogo político precisa ser sério 

Uma das discussões mais em pauta dos últimos tempos são as relações que a política pode estabelecer. Dentro desse escopo que pode ser representado por diferentes temas da cultura humana (como o futebol ou o cinema), chegamos aos games. Uma das conclusões possíveis a respeito dessa espécie de tabu é que tudo vai depender da forma como a política acaba sendo abordada, isso independente do espectro que o produto se encontra. Riot: Civil Unrest (Multi), por exemplo, é um caso notável de um título cuja fundação é justamente na política, mas falha como produto por se esquivar dessa relação explícita.

A série Tropico, por sua vez, também se enquadra nessa categoria de jogo político, bem como se destaca justamente por conta de sua abordagem lúdica. Indiferente a qualquer um dos espectros políticos, o game é uma sátira ao absolutismo puro e simples, que não está necessariamente atrelado a algum viés ideológico. Isso se reflete na forma como a popularidade entre as facções presentes pode crescer ou diminuir, dependendo das políticas aplicadas para os cidadãos de Tropico.


Assim, apesar de o game imediatamente nos remeter à imagem da Cuba de Fidel Castro, outras figuras de ditadores caribenhos (de posicionamentos muitas vezes antagônicos à de Castro) também acabam se aplicando à sátira realizada por Tropico, como é o caso de Fulgêncio Batista ou de François e Jean-Cloud Duvalier, do Haiti. Isso automaticamente coloca a visão crítica da série acima de qualquer julgamento moral-ideológico sem ignorar sua clara proposta de chasquear regimes autoritários.

Dito isso, embora conte com seus empecilhos técnicos e até mesmo criativos, Tropico 6 é uma experiência completa que resgata com firmeza os moldes tradicionais do gênero de simulação à maneira como eles foram popularizados no fim da década de 90 e começo dos anos 2000. Ele pode não ser uma novidade avassaladora no mercado de games hoje e sua existência só se dá como uma forma de manter a franquia viva e ativa, mas isso nem de longe o torna ruim.



No fim das contas, o que acontece é que uma nova iteração do game simplesmente não promove o fascínio que deveria causar em jogadores já veteranos por não se tratar de um título essencialmente novo — algo que de fato ainda acontece com aqueles não-iniciados na série.

Mas afinal, se a Bethesda e a Capcom têm o hábito de lançar e relançar intensivamente e sem esdrúxulos, em um curto intervalo de tempo, um mesmo jogo com alterações mínimas, por que a Kalypso, a dona da propriedade intelectual aqui, não poderia fazê-lo? Ao menos ela espera intervalos mais longos entre uma versão e outra.

Prós

  • A proposta ainda não perdeu seu brilhantismo;
  • Muito mais elaborado do que parece;
  • Mecânicas novas são mínimas e pontuais, mas suficientemente marcantes;
  • Missões interessantes que aumentam o valor do game.

Contras

  • Mais do mesmo;
  • Tutorial pouco convidativo para novos jogadores;
Tropico 6 — PC — Nota: 7.0 
Revisão: Raphael Barbosa
Análise realizada com cópia digital cedida pela Kalypso Media

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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