Análise: Slay the Spire (PC) é uma viciante combinação de cartas e roguelike

Escale uma torre perigosa nesse indie que tem como destaque o combate estratégico baseado na construção de baralhos.

em 24/01/2019

Um pináculo vivo é o alvo de guerreiros em Slay the Spire, um RPG estratégico com jogabilidade focada em cartas. Pelo caminho, fortalecemos o herói ao construir cuidadosamente um baralho com ataques e habilidades, em uma aventura com vários aspectos de roguelike. Sucesso no programa Acesso Antecipado do Steam, a versão final do jogo foi lançada agora e se destaca com muitas opções de estratégia, grande variedade de conteúdo e dificuldade acentuada.

Usando cartas para enfrentar uma torre

Em Slay the Spire, controlamos um guerreiro que tem como objetivo destruir uma imensa torre. O núcleo do local maligno está no topo, sendo assim o herói precisa escalá-la, enfrentando inúmeros perigos pelo caminho. O jogo é um RPG por turnos cujas ações são controladas por cartas: ataque, defesa, técnicas especiais, e mais, são executadas ao jogá-las. Em cada turno recebemos algumas cartas, cada qual com um custo de energia específico, e todas as ações dos inimigos são explícitas, o que permite fazer escolhas conscientes. É um sistema bem simples e intuitivo, e em poucas batalhas já dominamos o conceito básico.

O guerreiro se fortalece principalmente por meio de novas cartas, que são obtidas ao derrotar inimigos e ao participar de eventos. Ou seja, vamos construindo o nosso baralho de ataques e técnicas aos poucos conforme avançamos na jornada. Existem também relíquias, que provêm habilidades passivas especiais permanentes. Por fim, poções de uso limitado podem ser utilizadas em combate para obter alguma vantagem temporária.


Os aspectos de roguelike em Slay the Spire vêm na forma de morte permanente, um mapa cujos caminhos são diferentes a cada tentativa e muitos elementos aleatórios (cartas, relíquias, inimigos e eventos). A junção de todos esses aspectos faz com que as partidas sejam distintas e muito únicas, principalmente por causa da grande quantidade de conteúdo. Você perde todo o progresso ao ser derrotado ou completar a jornada, porém existe conteúdo desbloqueável. E a ação nos combates é rápida, principalmente ao ativar o modo turbo, o que evita que a experiência seja cansativa.

O único aspecto na montagem da ambientação do jogo é o mote principal de escalar uma torre repleta de perigos. Fora isso, Slay the Spire não tem muito desenvolvimento narrativo — não que ele precise, já que os sistemas de jogo são seus maiores chamarizes. Boa parte da ambientação é representada pela direção de arte, que conta com monstros curiosos que subvertem um pouco aspectos de fantasia: fungos que utilizam ratos mortos como hospedeiros, pequenos goblins extremamente poderosos, e assim por diante. O visual é pouco elaborado e competente, mas às vezes a simplicidade beira o amadorismo, como as ilustrações pobres de algumas cartas.


Montando baralhos repletos de profundidade e possibilidades

O conceito básico de Slay the Spire é muito fácil de entender, porém ele é mais um daqueles jogos difíceis de dominar por causa da presença de inúmeros detalhes e sistemas. Entender as minúcias do jogo é, justamente, a maior diversão do título.

Pode não parecer, mas a construção de baralhos é muito profunda. Inúmeras cartas estão presentes em Slay the Spire e boa parte delas oferecem opções de sinergia. Esse detalhe, em conjunto com uma grande quantidade de cartas disponíveis, abre muitas opções na hora de montar estratégias. Na verdade, para sobreviver, é imprescindível montar um baralho bem estruturado: o conjunto de cartas precisa ter efeitos que se complementam, afinal os inimigos são muito poderosos. A escolha do caminho no mapa também é um elemento estratégico, sendo necessário avaliar constantemente qual é a melhor opção — enfrento um monstro mais forte para conseguir uma relíquia ou arrisco tentar a sorte em um evento aleatório?


Três personagens com estilos de jogo distintos estão disponíveis em Slay the Spire. O Rígido é um guerreiro padrão com muitas cartas de ataque e defesa simples. Já a Sorrateira tem como foco derrotar inimigos lentamente por meio de veneno. O autômato Defeituoso equipa orbes para conseguir vantagens em combate. Cada um dos heróis oferece um ritmo de jogo e dificuldade diferente, sendo que existem várias estratégias distintas no uso de cada um: em uma partida com a Sorrateira eu simplesmente envenenava os inimigos e me defendia até eles morrerem, já em outra utilizando ela meu foco foi usar inúmeras facas que eram fortalecidas conforme eu descartava mais cartas. Explorar as opções de estratégia dos personagens é muito divertido e recompensador.

Fora os três personagens, há outras opções de jogo em Slay the Spire. No modo Ascensão modificadores deixam a jornada mais difícil conforme avançamos — essa modalidade é ótima para aqueles que dominaram os sistemas de jogo e acham que a aventura já está fácil (não é o meu caso). O modo Diário desafia o jogador a terminar a jornada com uma configuração específica daquele dia. E, por fim, há o modo Infinito. Além dessas opções, o título conta com suporte à modificações não oficiais via Steam Workshop, o que permite adicionar ainda mais conteúdo ao jogo como personagens, campanhas e alterações nas regras. Conteúdo é o que não falta em Slay the Spire.


Entre a frustração e vício

A grande gama de opções de estratégia de Slay the Spire faz com que ele seja uma experiência viciante. São tantas possibilidades que eu fico com a constante impressão de estar experimentando algo novo a cada partida.

Uma das sensações mais legais de Slay the Spire é quando você consegue encadear várias ótimas jogadas em combinações devastadoras, obliterando rapidamente os inimigos. Para conseguir isso, são necessárias experimentação e estratégia, além de muita tentativa e erro. Em um primeiro momento, é uma tarefa difícil, pois vamos construindo o baralho aos poucos. Além disso, incluir novas cartas é relativamente simples, porém removê-las é complicado. Portanto, ter visão do futuro e balancear as escolhas são as respostas: um baralho muito inchado pode dificultar a execução de certas estratégias; já um conjunto pequeno de cartas oferece agilidade ao custo de menor versatilidade.


E saber montar um bom baralho é essencial para sobreviver, pois Slay the Spire é mais um daqueles jogos de dificuldade acentuada, com inimigos extremamente poderosos e pouco espaço para erros. Você precisa planejar a estratégia desde cedo, visto que um baralho mal construído é difícil de corrigir nas partes mais avançadas da jornada. No começo, quando você está aprendendo as minúcias do jogo, é um pouco frustrante, ainda mais por causa do fato de as explicações serem mínimas — morri bastante sem entender exatamente o que estava fazendo. Com o tempo, fui aprendendo estratégias e características, e o jogo ficou extremamente recompensador. Quando dei por mim já estava viciado, pensando nas mil possibilidades de combinações e estratégias, com cada derrota sendo um aprendizado.

A aleatoriedade (ou RNG, de random number generation), característica presente em muitos roguelikes, é um detalhe divisivo em Slay the Spire. Aventuras geradas proceduralmente trazem variedade, pois faz com que cada partida seja única. No entanto, senti que o balanceamento da aleatoriedade no jogo ficou um pouco a desejar. No meu tempo tentando derrotar o pináculo, foram várias as vezes em que eu me encontrei em situações praticamente impossíveis, como inimigos cujo meu baralho não estava nada preparado para lidar, resultando em derrota. Também aconteceu de eu ter azar e só encontrar cartas sem sinergia ou relíquias inúteis. Por sorte as partidas são ágeis, mas não deixa de ser um pouco frustrante essa sensação de não estar no controle algumas vezes.


Uma mistura excepcionalmente notável

Slay the Spire combina conceitos simples para criar um jogo complexo e muito interessante. Entender o básico do combate é fácil, no entanto dominá-lo é uma tarefa e tanto: vários pequenos detalhes e dificuldade alta tornam as partidas bem intensas, e a diversão está em entender esses detalhes. A grande gama de opções na hora de montar os baralhos abre extensas possibilidades de estratégia, e há muita variedade na forma de diferentes personagens e jornadas que sempre mudam. Como em boa parte dos títulos do subgênero roguelike, a aleatoriedade de alguns aspectos pode incomodar, por sorte as partidas são ágeis e há sensação de progresso constante mesmo com a derrota. No fim, Slay the Spire traz uma experiência viciante e rica, capaz de surpreender constantemente.

Prós

  • Sistema de jogo simples, porém repleto de camadas de complexidade que trazem profundidade;
  • Inúmeras cartas e três diferentes personagens possibilitam muitas opções estratégicas;
  • Grande variedade de situações e modos fazem com que cada partida seja bem única;
  • Extensa quantidade de conteúdo.

Contras

  • Aleatoriedade às vezes gera situações praticamente impossíveis de serem superadas;
  • Direção de arte amadora em alguns aspectos.
Slay the Spire — PC — Nota: 9.5
Revisão: Raphael Barbosa
Análise produzida com cópia digital cedida pela MegaCrit Games

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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