A sequência do velho oeste da Rockstar esbanja complexidade e um mundo aberto sem igual. Mesmo que tenha alguns mínimos problemas de progressão, a experiência do jogo realmente alcança as expectativas e até supera algumas, se mostrando como uma referência em vários aspectos. Mas cuidado, pois o excesso de conteúdo aqui pode ser uma pedra no sapato para alguns. Vamos falar mais sobre isso mais adiante.
A história por trás da história
Red Dead Redemption 2 não é exatamente uma sequência do primeiro jogo, mesmo que a numeração no título dê a entender isso. Na verdade, aqui a história se passa antes de Red Dead Redemption (X360/PS3), quando John Marston, o protagonista do primeiro jogo, ainda fazia parte do bando de bandidos liderado por Dutch van der Linde. Para os fãs da franquia, esse é um prato cheio para viver o final dos anos dourados do bando.O jogo começa com o grupo em fuga por conta de uma tentativa de roubo que não deu certo em Blackwater, fazendo com que a família fosse quase morta pelos oficiais do governo. Como já divulgado anteriormente, não encarnamos John Marston como protagonista na história principal desse game. Na verdade, entramos na pele de Arthur Morgan, um protagonista complexo que é braço direito de Dutch e grande amigo de John.
Daí em diante começamos uma sequência de fugas e missões que, pelas primeiras 4 horas de jogo, parecem não ter sentido nenhum. Até porque dão poucas ou nenhuma pista sobre o enredo principal do jogo. Entretanto, o que seria um ponto negativo, na verdade é compreendido com o desenrolar da jogatina, quando todas as interações com cada personagem do jogo começam a fazer mais sentido.
A história, em seu ritmo lento no início, consegue cativar bastante e manter um envolvimento ímpar com cada um dos personagens secundários ao longo do tempo. Mas sobre isso falaremos mais adiante. Aqui, o que importa dizer é que jogadores novatos na franquia podem se envolver muito bem com a história, mesmo sem conhecer nada do primeiro jogo. Isso inclusive garante algumas surpresas que os jogadores veteranos já imaginam. Falando neles, jogadores que já conhecem a franquia podem se deliciar encontrando figuras conhecidas como Javier Escuella, Jack Marston, Abigail Roberts e alguns outros rostos conhecidos do primeiro jogo em um enredo que enriquece de forma primorosa tudo que é apresentado em Red Dead Redemption.
Um mundo absurdamente vivo e dinâmico
Como dissemos antes, uma das maiores responsabilidades que Red Dead Redemption 2 tinha era de fazer jus ao incrível mundo aberto que o primeiro jogo apresentou ao mundo em 2010. E podemos dizer que o título extrapola essa “responsabilidade” trazendo um dos mundos abertos mais vivos e dinâmicos que o mundo dos jogos viu até então. Não estamos falando aqui somente dos incríveis 75 km² de mapa e nem apenas do realismo gráfico primoroso que o jogo possui em sua ambientação.Na verdade, para além dessas evoluções tecnológicas já esperadas, a forma como a Rockstar preencheu o gigantesco mapa de Red Dead Redemption 2 é o que mais surpreende durante a experiência de jogo. Durante a exploração do mapa você consegue tanto ajudar pessoas nas situações mais inusitadas como também ser o bom e velho bandido do oeste, caso deseje.
Desde ajudar uma senhora que teve seu cavalo morto por exaustão a chegar até a cidade mais próxima, salvar um homem picado por uma cobra, resgatar o cavalo de um peão e impedir o rapto de uma mulher por bandidos, até assaltar um trem, ajudar um condenado a fugir da forca, invadir acampamentos de bandidos rivais e roubar a carroça de um ladrão de carroças, tudo isso não são missões secundárias ou secretas, acreditem se quiser.
Na verdade, isso tudo são eventos aleatórios que podem acontecer no mapa próximo a você enquanto viaja entre uma cidade e outra. Mesmo dentro das cidades você pode encontrar alguns desses eventos como mendigos pedindo dinheiro ou pistoleiros bêbados desafiando pessoas para duelos. Ou então simplesmente alguém que quer arranjar briga em um Saloon e você topa o desafio. Novamente, tudo isso são eventos aleatórios que ocorrem no jogo enquanto você está ali, vivendo sua vidinha. Para além do objetivo maior da história, esses eventos são incrivelmente realistas e imersivos, fazendo com que a experiência de viver neste mundo proposto pelo jogo seja muito próximo de realmente viver algo.
A dinamicidade dos NPCs e a quantidade de ações possíveis são incríveis e fortalecem ainda mais nossa relação com a experiência do jogo. Some isso ao fato de todas as escolhas que você faz durante esse tempo influenciam a sua moral dentro do jogo (para o bem ou para o mau). Isso faz com que a resposta dos NPCs a você mudem, bem como a forma como você é visto em locais públicos. Você pode ser respeitado ou temido, tudo de acordo com cada mínima escolha que você faz em cada mínimo evento do jogo.
A mera ação de puxar a arma para alguém no meio da cidade ou esbarrar em um civil com o seu cavalo podem ser o suficiente para o caos surgir. Mas como se isso tudo já não fosse suficiente, existem inúmeras pessoas inusitadas que encontramos pelo caminho e, essas sim, desbloqueiam sequências de missões secundárias até muito cativantes e com histórias convidativas de serem vividas. Fora os colecionáveis, tesouros e easter-eggs incríveis que os cantinhos mais escondidos do mapa reservam. Para além das surpreendentes 60 horas de história do jogo, todo esse conteúdo rende mais de 150 horas tranquilamente, para aqueles ávidos por explorar ao máximo esse riquíssimo ambiente.
Um número sem igual de mecânicas
Fora essa ambientação fantástica, a riqueza de detalhes de Red Dead Redemption 2 (RDR2) ultrapassa o sentimento de surpresa chegando quase a um pânico durante as primeiras horas de jogo. Isso porque a quantidade incrível de detalhes somado a variedade surpreendente de mecânicas de jogo complexas interagindo entre si fazem da experiência de jogar RDR2 algo robusto e massivo.
A experiência de jogar Red Dead Redemption 2 pode ser considerado o equivalente no mundo dos games a ler obras literárias de autores reconhecidamente complexos em sua escrita como Tolkien, Lovecraft e Martin. Isso não por conta do enredo de RDR2, que possui inúmeros clichês de velho oeste que servem muito bem ao contexto da jogatina. Mas sim por conta da riqueza de detalhes no ato de jogar em si.
Somente para o cavalo temos 5 comandos básicos de movimentos diferentes. Nos equipamentos, desde os diversos tipos de armas de fogo, facas e o uso do laço até dinamites, bombas flamejantes e armas brancas. Tudo possui mecânicas distintas e inúmeras formas de serem utilizadas. E isso que só citamos aqui armas e montarias. Existem jogos como poker e dominó a serem jogados, formas distintas de abordar pessoas nas ruas e inúmeras coisas para se fazer no quesito exploração e caça.
Falando em caça, para exemplificar a riqueza de detalhes em mecânicas: para caçar um animal, precisamos usar o “Dead Eye”, habilidade que deixa o mundo mais lento, para encontrar os rastros do animal a ser caçado, recurso que deixa visível também o odor exalado pelo nosso personagem (que pode aumentar e diminuir com a quantidade de tempo que ficamos sem tomar banho). Ao encontrar o rastro, precisamos andar sileciosamente e contra o vento para conseguir chegar perto o suficiente do animal para acertar uma flecha nele.
Dependendo de onde acertamos o tiro, podemos causar uma morte “limpa” ou fazer com que o bicho fuja ferido. No caso da segunda situação, podemos continuar rastreando o animal através do seu sangue para então descobrir que o bicho caiu ferido e está agonizando. Podemos então usar uma faca para encerrar a vida da caça e escolher se levamos ela inteira para casa ou então se arrancamos suas partes mais importantes como pele e carnes nobres ali mesmo.
Independente da escolha, carregamos os espólios até o nosso cavalo para depositar o material em seu lombo. Caso seja um animal inteiro, podemos inclusive sujar nossa roupa de sangue no processo, aumentando nosso odor e podendo atrair predadores pelo caminho ou assustar pessoas na cidade. E isso tudo são mecânicas envolvidas apenas com o “simples” ato de caçar um antílope, por exemplo.
Essa riqueza estonteante de detalhes e variedade de mecânicas é uma faca de dois gumes em Red Dead Redemption 2. Não que isso seja um defeito, pois o jogo constrói oportunidades muito boas para, aos poucos, dominarmos tudo que ele propõe como experiência de jogo, mas a quantidade massiva de controles pode ser massante para algumas pessoas, criando certo bloqueio em alguns jogadores para experimentar o título.
A palavra final é imersão
Ao tentar dar um panorama geral sobre as diversas mecânicas e experiências distintas que permeiam Red Dead Redemption 2, só podemos reduzir em uma palavra: imersão. Isso porque tudo no jogo trabalha na direção de fazer o jogador entrar de corpo e alma no velho oeste americano do final do século XIX. A começar pelo visual impecável da ambientação, dos personagens, efeitos de luz e sombra e física do jogo.
Desde um rastro de caminhada na neve até o pôr do Sol no deserto, tudo é incrivelmente realista e cativante. Explorar a região dos quatro estados abarcada pelo jogo requer o mínimo de pressa possível e o máximo de contemplação, para ver a riqueza que existe nos detalhes deste rico e vivo mundo. Desde detalhes minuciosos como a roupa molhada parcialmente quando entramos na água ou as pegadas do cavalo que ficam até na grama amassada até elementos mais chamativos como a vida diferenciada em cada cidade ou o comportamento incrivelmente realista da vida selvagem.
Outros fatores para além do visual do jogo podem ser observados como o fato de você perder o seu chapéu constantemente em situações inusitadas, as cinemáticas que quase nunca param os eventos do mundo para acontecerem, dando ainda mais sensação de dinamicidade para o ambiente; ou então o comportamento de inimigos, por exemplo, quando recebem tiros em diferentes partes do corpo.
Tudo isso auxilia na imersão do jogador. Caso possa fazer uso de um headset de qualidade considerável, como o GXT 322c Carus utilizado em alguns momentos dessa análise, poderá ter ainda mais imersão com os efeitos sonoros em 3D do jogo que, além de incrivelmente complexos e realistas, dão ainda sensação de localização durante a jogatina. O único probleminha aqui é referente a interação entre as cinemáticas e o mundo ao seu redor. Por conta da complexa rede de interação entre inteligências artificiais e mecânicas de jogo, pode acontecer vez ou outra que o comportamento de algum NPC possa aparecer de forma indevida durante as cenas de diálogo. Porém, durante as mais de 80 horas jogadas para essa análise, somente duas vezes isso aconteceu.
O velho oeste mais desafiante do que nunca
Red Dead Redemption 2 possui um nível de dificuldade considerável, principalmente por alguns fatores que já elencamos aqui anteriormente, como a quantidade de mecânicas e o realismo do mundo. Porém, não é só por aí que o jogo coloca o jogador numa posição não confortável. Na verdade, seja como vilão ou como mocinho, agir de acordo com as regras nesse mundo requer certa habilidade por parte do jogador. Junte a isso a administração de alguns atributos tanto de Arthur como de suas armas e suas montarias e já temos bastante coisa para lidar.
Porém, inimigos também podem ser uma pedra no sapato sem o devido preparo. Como se trata de um jogo com alguns ótimos aspectos de sobrevivência (como a necessidade de comer, dormir e tomar banho), administrar bem ou mal esses fatores pode repercutir diretamente na forma com a qual você conseguirá responder às surpresas do mundo aberto, pois a qualquer momento podem surgir bandidos numa emboscada na estrada, um animal feroz caçando de noite ou oficiais do governo e caçadores de recompensa atrás da sua cabeça.
Para quem não estiver devidamente acostumado com os controles e com as regras desse mundo, pode ser terminantemente difícil viver nele. Mas isso é um complemento e tanto da experiência, pois manter um mundo totalmente hostil que cobra consequências de cada um dos seus atos deixa o jogador muito mais alerta para tudo que está acontecendo ali. Além disso, a sensação de dominar aos poucos esse mundo estonteante é um dos maiores prazeres ao se jogar Red Dead Redemption 2.
Entretanto, antes desse prazer, tem também uma potencial barreira para alguns jogadores: a dificuldade de aprendizado. A soma da complexidade dos controles com a presença de explicações muito rápidas e em letras miúdas sobre algumas mecânicas pode deixar o ritmo de aprendizado do jogo bem lento. Junte a isso a narrativa mais lenta ainda do início do jogo e temos uma grande barreira para alguns jogadores. Entretanto, principalmente no que tange a narrativa, isso visivelmente é proposital. E vamos falar disso agora.
Personagens carismáticos e envolventes
Red Dead Redemption 2 faz bastante uso de personas e clichês do velho oeste e de contos relacionados ao tema. Porém, nada disso soma negativamente ao jogo, à sua narrativa ou ao enredo. Na verdade, trabalhar com personas já pré-moldadas do tema como o “fora-da-lei” ou o “justiceiro” dá a chance de jogadores de inúmeros perfis diferentes se envolverem com o jogo e com seus personagens de forma única.
Ao mesmo tempo, o início lento do jogo com missões aparentemente aleatórias e cotidianas demais como “ir pescar”, “ajudar um amigo numa caça” ou “ir até a cidade com membros da gangue” dá, aos poucos, a oportunidade do jogador conhecer cada membro da gangue e se envolver afetivamente com cada personagem. Não é incomum que após algumas horas de jogo nós já reconheçamos alguns NPCs pelo nome. Após algumas dezenas de horas, você já até consegue diferenciar de quem é cada cavalo no acampamento.
Falando nele, a mecânica de administração do acampamento também ajuda bastante nesse envolvimento com o enredo. A possibilidade de imersão aqui é sem igual através da interação com cada um dos membros da gangue. A cada momento da história, a cada hora do dia, após cada evento do jogo, eles terão coisas diferentes para falar com você. Todos com personalidades bem marcantes e com uma excelente dublagem em inglês trabalhada em diversos sotaques e tons diferentes. Tudo aqui é propício para que você sinta cada momento do jogo como se fizesse realmente parte do bando, esquecendo em alguns momentos que ali estão NPCs.
Todo o marasmo do início e as interações aleatórias e cotidianas que temos com cada personagem dá um peso a mais para a narrativa. Ao ponto de cada comportamento impactante, cada clímax e cada tragédia da história ser sentida com muito mais força por conta desse envolvimento. Claro que estamos falando aqui de uma relação muito íntima, então esse envolvimento pode não ser o mesmo para todos (e nem tão profundo para todos). Mas ele existe ali e, principalmente, mecânicas específicas do jogo conversam muito bem com o enredo para construir uma narrativa que propicie esse envolvimento.
A sensação final é que cada um dos oito capítulo da história (contando com prelúdio e prólogos) são temporadas de uma série de televisão interativa, da qual nós fazemos parte do elenco. É incrível a capacidade que a Rockstar teve de criar uma história de velho oeste que, mesmo bebendo de clichês do gênero, consegue envolver e emocionar de uma forma que muitos filmes e livros nem chegam perto.
A obra prima do velho oeste?
Falar de Red Dead Redemption 2 (PS4/XBO) em uma análise é, indiscutivelmente, reduzir o jogo em diversas formas. A experiência de jogar Red Dead é tão única e, ao mesmo tempo, tão complexa, que narrar todas as sensações, percepções, mecânicas, momentos, desafios e contemplações que o jogo permite em um único texto beira o impossível. Há não ser que este texto seja um livro. Porém, aqui conseguimos traduzir pelo menos as partes mais importantes de uma experiência de quase 100 horas nas quais não demos conta de explorar tudo que o jogo possui.
Com uma complexidade invejável, excelentes aspectos técnicos, narrativa sensacional, trilha sonora espetacular e imersão sem igual somados com personagens carismáticos, jogatina dinâmica e realista, desafios diversificados e gostosos de serem superados e um mundo aberto que nos dá um vislumbre do que a próxima geração de consoles poderá fazer no futuro, Red Dead 2 é facilmente uma das maiores e melhores experiências de jogar videogame de 2018 e também dos últimos anos, rivalizando com grandes nomes como The Legend of Zelda: Breath of the Wild (Wii U/ Switch), Hellblade: Senua’s Sacrifice (Multi) e The Last of Us (PS3).
Mesmo que 2018 tenha outros excelentes títulos em sua coletânea como God of War (PS4), Assassin’s Creed: Odyssey (Multi), Celeste (Multi) e Monster Hunter World (Multi) e outros, poucos são os que conseguem ir além do já estabelecido até então pela indústria. E é aí que o novo game da Rockstar entra. A experiência aqui, independente de barreiras da complexidade ou problemas em tutoriais, é algo além do que víamos até então na indústria, o que é ótimo, pois mostra como ainda temos muito a ver ainda no mundo dos games de diversas formas diferentes.
Prós
- Mundo imersivo e dinâmico incrível;
- Diversas mecânicas diferenciadas que aumentam a imersão;
- Sistema realista para cavalos, armas e vida complementa a experiência;
- Narrativa muito boa, com excelente construção de personagens;
- Missões secundárias cativantes motivam a exploração;
- Eventos aleatórios no mapa motivam viagens lentas;
- Tratamento visual de primeira com nível de detalhes inovador;
- Ótimas dublagens em inglês;
- Nível de desafio considerável;
- Sistema de moral dá peso a cada escolha que fazemos no jogo;
- Interação com NPCs aumenta consideravelmente a immersão;
- Variedade de armas dinamiza os combates;
- Sistema de caça e pesca muito bem construídos;
- Complexidade da interação entre inúmeras mecânicas dá a sensação de vida ao mundo;
- Tutoriais instintivos e bem encaixados com a história;
- Cinemáticas inseridas no tempo do jogo aumentam a imersão.
Contras
- Complexidade dos controles faz o aprendizado ser bem lento;
- Alguns problemas na interação entre o mundo e as cinemáticas;
- Explicações de mecânicas pouco visíveis durante a jogatina;
- Ritmo de jogo bem lento no início pode incomodar alguns jogadores.
Red Dead Redemption 2 — PS4/XBO — Nota: 10.0
Versão utilizada para análise: PS4
Análise produzida com cópia física adquirida por conta do redator.