Algumas tentativas deram certo e ele, quando indagado, acaba se lembrando de certas coisas que mostrei. Outras logo fugiram do seu interesse. Dessa forma, pensando a partir daqui como um indivíduo que entende não de criança, mas alguma coisa sobre videogames e que ainda consegue utilizar a própria juventude como uma espécie de exemplo, quando e como se deve introduzir o videogame aos pequenos? Deixando claro que a intenção não é solucionar essa problemática, mas apenas relatar algumas observações e ideias, levantando possibilidades e hipóteses a respeito.
Em tempo, meu sobrinho é viciado por carros e os games que ele jogava no smartphone eram todos dessa temática — mas não necessariamente corrida. Essa informação é importante para a contextualização dos tópicos a seguir.
Temática
Trabalharemos do seguinte pressuposto: crianças não são idiotas e não vamos tratá-las como tal. Isto é, elas obviamente não têm a mesma cognição de um adolescente ou adulto. Contudo, nem por isso existe uma necessidade de lidar estritamente com aqueles jogos infantis destinados a crianças de zero a cinco anos. Digo isso porque é também uma tarefa dos adultos as acompanhar e, se o próprio responsável não quiser fazer isso, a criança dificilmente terá um respaldo para seguir por conta própria.
Afinal, acredito que seja muito fácil simplesmente colocar um Dally Doo para rodar e deixar que o próprio título funcione como um aparato educacional independente e que se apresenta de forma completamente intuitiva. Por outro lado, creio que é justamente nosso dever colocar a criança numa espécie de ambiente hostil para que a capacidade autodidata, esta exigida inclusive no mundo dos adultos chamado “mercado de trabalho”, se desenvolva. Além disso, a proposta do artigo aqui é trabalhar justamente jogos como experiência interativa, e não processos de aprendizado gamificados.
Eu duvido que vocês nunca tenham jogado Dally Doo no computador quando ainda estavam em idade pré-escolar. |
Aí é quando eu retomo uma das minhas tentativas fracassadas anteriores de fazer o meu sobrinho se interessar por videogame. Como já dito, ele é fascinado por automóveis e adora brincar com aqueles carrinhos estilo Hot Wheels. Em determinado dia, o garoto não tinha nenhum brinquedo assim e estava manhoso. Como uma forma de distrair, tentei chamar a atenção dele para jogar Mario Kart no Wii U. A minha ideia não era colocá-lo na corrida, mas colocar no sistema de ghost em que ele corre contra o próprio tempo apenas, sem pressa ou oponentes, só para passar a ideia de que é ele quem está no controle do carro. Resultado? “Eu não quero o esse carro de mentira, quero o carrinho de verdade”, reproduzindo exatamente suas palavras.
Nessa última vez que eu o vi jogando no smartphone, ele já tinha um interesse maior em controlar ele mesmo o veículo. O jogo era um da franquia Lego City — não me recordo do nome especificamente — e ele não realizava as missões propostas pelo aplicativo, mas ficava bem satisfeito em simplesmente dirigir por aí. Quando eu peguei o celular por um minutinho e aprendi rapidamente como se usava o guindaste, algo que ensinei para ele na sequência, os olhos dele brilharam.
Vendo isso, talvez a ideia de seguir inicialmente com temáticas que agrade a criança fosse o caminho certo. Eu só teria errado o timing e me precipitei. No nosso próximo encontro, vou levar algum outro jogo de corrida para testar novamente essa ideia e ver se eu chamo o interesse dele.
Sobre complexidade e gameplay
Eu, particularmente, não sou chegado a jogos mobile. No entanto, é notável como em tempos de gameplays cada vez menos intuitivos e mais complexos, eles retêm uma simplicidade absurda que só se viu antes em títulos de Game & Watch e Game Boy nas décadas de 80 e 90. Outro dos joguinhos de carro que o distraía por horas era um desses endless runners, cujo principal representante é o já ultrapassado Temple Runner (mobile).
Isso me faz pensar a respeito da minha própria infância, quando ganhei um Game Boy aos meus seis anos. Apesar de vários jogos contarem com uma dificuldade proporcional ao progresso do jogador, muitos deles eram extremamente amigáveis e simplistas no começo, completamente independentes de uma apresentação elaborada, como cutscenes ou extensos tutoriais para habituar o jogador ao game. Battle City (GB), por exemplo, só exigia que o jogador compreendesse que era ele no controle de um tanque contra outros tanques. O mesmo vale para Motocross Maniacs (GB), cujo objetivo era só chegar no final das fase, vencendo os obstáculos no controle de uma motocicleta.
Pokémon Blue (GB), por sua vez, apesar de eu ter me virado por conta própria em muitas situações com as quais eu inicialmente não sabia lidar, em várias outras eu tive uma instrução do meu primo mais velho que manjava dos paranauês — lembro, inclusive, que eu fiquei travado no velho que ensina a capturar Pokémon porque eu não entendia o conceito de backtracking necessário para devolver o pacote do Professor Carvalho. É quando fazemos uma alusão à já discutida ideia do autodidatismo.
Por que os jogos antigos ofereciam tanta precariedade em sua essência? Basicamente porque não havia hardware que desse conta de ideias mais complexas. Com o desenvolvimento tecnológico, novos recursos e maior capacidade dos aparelhos foram facilitando a colocação em prática de propostas mais elaboradas. Hoje eu pergunto: quais plataformas oferecem games de conceito simplista e que se comparam a esses já citados? Obviamente, é possível encontrar alguns se procurar especialmente na seção indie das lojas virtuais consoles, mas esse tipo de produto é cada vez mais escasso porque não interessa tanto assim aos desenvolvedores pois eles não têm espaço em meio a títulos AAA.
Sobre shovelware licenciado, peguei o primeiro desenho infantil atual que me veio à mente e botei "smartphone" junto na busca do google. Funciona com qualquer um. |
Dessa forma, a introdução formal das crianças ao conceito de videogame acaba sendo no mobile com algum shovelware licenciado de algum desenho infantil e muitas vezes desenvolvido de qualquer jeito para arrecadar trocados a partir de microtransações que a criança vai acabar fazendo sem querer só porque quer liberar aquele item brilhante que fica piscando na tela.
Isso acontece porque eles apresentam uma jogabilidade minimalista centrada na repetição de um exercício que se dá em um tempo reduzido. No caso dos adultos, nós somos geralmente fisgados por essa estratégia porque geralmente estamos apenas passando o tempo no transporte público, por exemplo. No caso das crianças, é porque dificilmente conseguem se concentrar muito tempo em uma única atividade. Ou seja, por mais que elas fiquem horas no mesmo joguinho, ele provavelmente está oferecendo uma série de sessões curtas encerradas por um game over.
Há ainda aqueles que argumentarão que essa coisa de concentração reduzida é coisa da psicologia moderna, mas isso é obviamente uma divagação sem fundamento justamente porque os tais estão se referindo a jogos antigos, que em sua maioria contam com campanhas diminutas. O próprio Motocross Maniacs pode ser finalizado em vinte minutos. Com calma, é possível terminar Mega Man 2 (NES) em umas duas ou três horas apenas, considerando que a estrutura do game em si é fragmentada em várias fases, ou seja, diversas atividades diferentes justamente para manter a atenção — isso considerando alguém que não vá morrer várias vezes, quebrando ainda mais a cadência do gameplay para fazê-lo parecer durar mais. Repetindo: sim, isso tem a ver com a capacidade técnica da época, principalmente antes da consolidação do sistema de saves, mas não muda o fato de que são games curtos de proposta imediata com jogabilidade mínima.
Analisando a grosso modo, acho que os principais representantes modernos de jogos que se preocupam com um gameplay balanceado a ponto de não fazer uma criança de idiota, mas ainda oferecendo desafios capazes de serem superados, é justamente os da série LEGO, que reproduzem o universo se franquias licenciadas. Alguns podem oferecer elementos que parecem pesados para crianças em idade de introdução aos games, como combates diretos entre dois bonequinhos, mas é tudo tão lúdico que blocos desmontando não devem causar o mesmo tipo de impacto do que um jogo de luta, por exemplo. Além disso, o fato de que, ao morrer, o personagem simplesmente volta à vida em vez de apresentar uma tela de game over ajuda a minimizar esse tipo de trauma.
Apelo imagético e Carisma visual
Você sabe por que Peppa Pig e Galinha Pintadinha conseguem literalmente hipnotizar à primeira vista as crianças que os assistem? É por conta da simplicidade das cores e formas. Para fixar, segue um outro exemplo: um amigo tem um filho que agora deve ter uns seis ou sete meses. Ele comentou que deixou passando JoJo’s Bizarre Adventure na televisão. Durante o anime em si — e agora a gente ignora a violência gráfica e outras questões similares porque não é o nosso foco —, o garoto pouco ligou para o que acontecia. No instante em que entra o tema de encerramento especial dos irmãos Oingo Boingo, com animação muito mais simples e unidimensional em relação à normal, o moleque literalmente grudou na tela da TV.
Apesar dos próprios personagens terem muito mais detalhes do que o supracitado desenho da porquinha — e o próprio menino provavelmente não fazer ideia da história apresentada pela sequência animada em questão —, ele foi provavelmente atraído pela diversidade de cores e simplicidade dos movimentos. Voltando ao nosso contexto, o que queremos é que a criança vá além dessa identificação primitiva (afinal, estamos falando de uma idade mais avançada do que um bebê que não completou um ano) e realmente entenda a narrativa acontecendo na tela. O pressuposto, no entanto, continua o mesmo. Um título com infinitas texturas e modelagem mais complexa dificilmente vai captar a atenção de um garoto ou garota de quatro anos, assim como eu próprio, quando criança, não tinha cabeça para séries Live-Action, como Power Rangers.
Meu exemplo de tentativa fracassada foi com Star Fox 64, no 3DS. Por mais que meu sobrinho goste da ideia de controlar um veículo, pensando aqui especificamente na Landmaster, o fato de ter muita coisa acontecendo foi um empecilho para segurar a concentração dele. O aplicativo de Lego que ele jogava até era tridimensional, mas com formas mais simples e um cenário muito mais precário, em comparação.
Nisso, a gente levanta outro ponto: o apelo visual dos personagens. Jogar Mario Kart com o garoto foi uma tentativa que não deu em nada, de fato. No entanto, o garoto conhece a mascote da Nintendo porque tem um pequeno bonequinho dele justamente pilotando um Kart. Eu lembro muito bem de ter estranhado quando descobri aquilo no meio dos seus brinquedos e ainda perguntei se ele sabia quem era aquele. Para a minha surpresa, ele respondeu: “sei, é o Mario Kart”. Obviamente não vamos exigir uma precisão descritiva de um moleque de quatro anos, mas está no caminho certo.
Outro personagem que ele vê e identifica na hora é o Pikachu. Esse fui eu que consegui apresentar devidamente ao colocar no YouTube aquelas curtas-metragens que eram exibidos antes dos filmes, como o Pikachu’s Vacation, que na prática não precisa do entendimento formal das falas do narrador, visto que a interação visual entre os próprios Pokémon já dá conta do recado ao apresentar uma história de fácil compreensão. Sabe por que funcionou? É porque Pokémon foi concebido tendo a criançada como público-alvo. Segundo o texto “How Japanese is Pokémon”, escrito por Koichi Iwabuchi para o livro “Pikachu’s Global Adventure: The Rise and Fall of Pokémon“ (2004), o Pikachu foi escolhido como mascote porque ele contava com um visual suficientemente acolhedor para as crianças e facilmente identificável pela cor amarela, que é uma cor primária, além de, pelo menos até então, ter apenas o Ursinho Pooh como concorrente nesse quesito.
Continuaremos trabalhando!
Depois de refletir acerca dos pontos apresentados, a minha principal indagação é a respeito de jogos que sejam honestos o suficiente para introduzir a criançada no mundo dos games. Eu não acho interessante que um garoto ou garota seja condicionado tão cedo a se enganar com a quantidade de tranqueira que existe disponível em celulares. Eles podem funcionar como portas de entrada, mas não consigo observá-los como algo além, visto que não há uma evolução natural desse sistema que direcionam o indivíduo para títulos mais elaborados.
Por mais que a tela de toque dos smartphones sirva de base para criar noções de como manejar um controle de videogame, eu não consigo ver um incremento honesto e orgânico na dificuldade que sirva para estimular, por exemplo, a capacidade de raciocínio por solucionar quebra-cabeças ou na coordenação motora em desafios que exigem uma técnica levemente mais apurada. Os games mobile acabam servindo apenas como aplicativos cujo progresso é bloqueado e vai acabar ensinando que os desafios podem ser superados se você pagar para vencê-los a partir do sistema pay to win.
Um pai leigo, no entanto, não vai se dar conta disso porque ele não tem necessariamente um conhecimento formal de jogos de console para apresentar ao garoto. O hábito de jogar não seria para o crescimento pessoal da criança. Seria como uma forma de distração barata que dariam aos pais um descanso momentâneo de suas responsabilidades.
Os consoles também não colaboram e há pouquíssimas opções possíveis para introduzir uma criança nesse mundo. Eu sugeri os jogos Lego, mas é notável que eles têm classificação indicativa para maiores de dez anos, seguindo o ESRB. Pelo apelo visual, pensei em Little Big Planet (PS3), Yoshi’s Wooly World (Wii U/3DS) e Kirby Epic Yarn (Wii), mas o visual convidativo não corresponde às suas respectivas jogabilidades, que, por mais que não sejam essencialmente difíceis, eu não consigo vê-los como uma porta de entrada para os games.
O que temos, então? Pokémon? Os novos, com muitos elementos tridimensionais na tela, ou os antigos de Game Boy, que mal cor têm? Minecraft (Multi)? Sempre falam do potencial educativo dele, mas nunca num contexto de introdução ao hábito de jogar propriamente dito. Então recorreremos a jogos retrô, que os pais leigos dificilmente irão correr atrás simplesmente porque não estão a um alcance tão fácil quanto os shovelware de mobile? É uma questão meio complicada.
Apesar de eu me dar bem com o meu sobrinho, não consegui ainda fazer ele se interessar por videogames. Não vou mentir e não sei se o desinteresse dele se dá por eu ser um tio ruim com várias falhas nas estratégias de apresentação ou se vale do próprio perfil do garoto, que simplesmente é avesso a esse tipo de coisa. Vou tentar arriscar jogar com ele na próxima vez que eu o vir. Estou pensando em Pokémon Rumble Blast (3DS) ou em um jogo sem-vergonha de corrida da Nascar que eu tenho aqui — e não me pergunte o motivo. Vamos ver como ele se sai. Aos pais ou qualquer um que tenha algum entendimento do assunto, eu ficaria feliz em saber como vocês lidam, lidaram ou pretendem lidar com essa pauta.
Revisão: Ana Krishna Peixoto