Análise: Corpse Party: Book of Shadows (PC/PSP) é uma excelente adição à série de jogos de terror

Jogo de terror apresenta uma antologia de histórias que acontecem antes, durante e depois de Corpse Party.

em 14/11/2018
Corpse Party é uma série de terror que teve início com o lançamento de um jogo independente feito no RPG Maker em 1996. Mais de uma década depois, seu criador original, Makoto Kedouin, junto com a equipe do Team GrisGris tiveram a oportunidade de refazê-lo. Esse remake (em suas versões de PC, PSP e 3DS) foi lançado no ocidente pela XSEED sob o nome Corpse Party (no Japão, conhecido como Corpse Party: Blood Covered).

Lançado anteriormente no PSP e agora no PC (via Steam, GOG.com e Humble Store), Book of Shadows continua a história do remake, que inclui novos personagens em comparação ao jogo original. Mas ao invés de uma sequência direta, ele apresenta uma antologia de histórias que acontecem antes, durante e depois dos eventos de Corpse Party.

Ao invés de ser um jogo 16-bits visto em uma perspectiva top-down como seu antecessor, Book of Shadows coloca o jogador em uma exploração em primeira pessoa pelos corredores da Escola Fundamental Heavenly Host com elementos de point-and-click e muitos diálogos em formato visual novel. Apesar de claramente contar com poucos elementos visuais, o jogo sabe utilizar bem seus recursos, em especial os efeitos sonoros e a trilha, para compor uma ambientação sombria e oferecer a sensação de que tudo aquilo está se desenrolando diante dos olhos do jogador (mesmo na ausência de imagens).

De volta à escola

Após um festival cultural, um grupo de oito amigos (e a professora-auxiliar da turma) fica na escola para poder limpar a sala. Aproveitando a situação, a representante de turma obcecada por misticismos decide fazer um ritual chamado Sachiko Ever After. Ao dividir um boneco de papel entre as pessoas do grupo, a amizade entre elas duraria para sempre. O momento é oportuno já que uma das colegas está se despedindo da turma para mudar de cidade. No entanto, algo dá errado e o grupo é transportado para Heavenly Host, uma escola marcada pela tragédia e pela morte de várias vítimas.

Com o parágrafo anterior é possível descrever tanto o início de Book of Shadows quanto o do jogo anterior. No entanto, em Book of Shadows temos a oportunidade de ver um pouco mais dos personagens. O primeiro capítulo é dedicado à dupla Naomi e Seiko, duas melhores amigas que faziam parte do grupo e acordaram sozinhas na escola. A história é praticamente um trecho do primeiro capítulo do jogo original, mas há novas possibilidades de exploração, oferecendo ao jogador a chance de refazer os eventos em busca de alterar os eventos do primeiro jogo.
 
Quando joguei o original, que inclusive foi meu primeiro jogo de terror, lembro que me importava pouco com os personagens e as tragédias que se desenrolavam durante a exploração da Heavenly Host. Em Book of Shadows, no entanto, há muito mais atenção ao desenvolvimento dos personagens e à construção de empatia com as vítimas da maldição da escola. Seja na descrição da perspectiva dos personagens conforme eles se deparam com as situações cruéis do jogo, seja nos momentos cotidianos tranquilos que fortalecem o vínculo do jogador com aqueles indivíduos.

Conforme o jogo avança, a perspectiva muda para outros personagens, incluindo não apenas o grupo de nove amigos, como também estudantes de outras escolas. Com cenários alternativos em relação aos do jogo original, Book of Shadows permite conhecer melhor personagens que tiveram menor importância no jogo original, além de apresentar outras facetas daquelas já conhecidas. Um cenário interessante nesse sentido é o capítulo 3, em que o jogador conhece o passado da professora-auxiliar Yui Shishido, seu interesse por um colega de classe, a motivação e o otimismo dela em relação à profissão, além de outros aspectos de sua personalidade.

Uma pilha de corpos

Em grande parte, Book of Shadows funciona como uma visual novel. Há um volume grande de diálogos que são fundamentais para a construção e reapresentação dos personagens. Há também descrições muito detalhadas, fundamentais para fortalecer o impacto das cenas, já que no aspecto visual o jogo opta por mostrar pouco e utilizar recursos mínimos na maior parte do tempo.

O mesmo tipo de economia não acontece no aspecto sonoro, utilizado magistralmente pelo jogo na construção da atmosfera sombria. Com áudio binaural simulando o posicionamento espacial do som, os efeitos sonoros e vozes (exclusivamente japonesas) conseguem ser bastante incômodos e reforçar o senso de horror. Aliado à visão em primeira pessoa, o áudio se torna um forte fator de imersão, dando a impressão de vivenciar aquelas experiências assustadoras.


Mas o jogo não se resume a suas cenas de diálogo e narração. Com aspecto de labirinto, a escola deve ser explorada à procura de itens e eventos que permitam o progresso na história. Nesses trechos, há vários elementos no cenário com os quais o jogador pode interagir. Escaninhos, armários, bilhetes, itens diversos e corpos de vítimas. Assim como no primeiro jogo, os mortos possuem identificações (name tags) que podem ser colecionadas, junto com as descrições detalhadas das causas de morte.

No entanto, dessa vez, o jogo possui uma mecânica de sanidade chamada darkening. Quanto mais interações o jogador faz, mais a barra de darkening é preenchida e a tela vai sendo preenchida com névoa vermelha (algumas áreas mudam de aparência também). E se a barra ficar cheia, o jogador tem um Game Over (ou alcança um dos finais ruins dependendo do capítulo). Dessa forma é importante ter cautela durante a exploração, mas como é possível salvar a qualquer momento, esse elemento não se torna frustrante.

Outro aspecto importante do gameplay é que as escolhas do jogador podem levar a vários finais ruins (assim como no jogo original) e a obtenção deles é necessária para o desbloqueio do capítulo final, Blood Drive, a menos que o jogador utilize um save do jogo anterior. Alguns desses finais são variações muito pequenas uns dos outros e os capítulos são experiências relativamente isoladas que não impactam os eventos desse epílogo, tornando a necessidade de fazer todos os finais uma exigência sem sentido.

Um reencontro com Corpse Party

Corpse Party: Book of Shadows, assim como seu predecessor e alguns outros jogos de terror japoneses, prova que é possível fazer um excelente jogo desse gênero sem gráficos extremamente realistas. Muito pelo contrário, o jogo faz questão de não mostrar boa parte das cenas e estimular o jogador através do áudio a sentir a experiência de medo e reconstruir as cenas de terror mentalmente.

Apesar de contar uma história alternativa e reapresentar os personagens de formas simples, talvez o pior aspecto do jogo é que ele é mais indicado para quem já jogou o anterior e quer explorar novamente a Heavenly Host com outro olhar. Não há nenhum empecilho para novos jogadores, mas a experiência é claramente pensada como um reencontro com os personagens, revivendo alguns eventos em busca de opções alternativas de ação que possam mudar os eventos do seu predecessor.

Prós

  • Narrativa rica em detalhes;
  • Construção de personagens engajantes e com as quais é fácil ter empatia;
  • Áudio binaural imersivo;
  • Novos cenários conseguem apresentar novas facetas de personagens já conhecidas;
  • Versão de PC conta com um sistema de autosave muito útil.

Contras

  • Repetição de eventos, apesar de intencional, pode ser desestimulante;
  • Menos indicado para quem não jogou o anterior (spoilers, narrativa episódica);
  • Necessidade de explorar todos os finais para obter o último capítulo não faz sentido.
Corpse Party: Book of Shadows – PC/PSP – Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: PC
Análise produzida com cópia digital cedida pela XSEED Games
Revisão: Link Beoulve

é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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