Por trás do prêmio "jogo do ano"

Vamos discutir sobre um dos mais tradicionais prêmios da indústria dos games.

em 06/10/2018
Quantas vezes você já viu uma capa conter o aviso “vencedor do prêmio de jogo do ano”? Embora em um primeiro momento esse fato seja um bom indicativo para o game, sugerindo um alto potencial de qualidade, fica a pergunta: mas o que é um prêmio de “jogo do ano” realmente? Seria ele significativo? Nesta matéria, vamos discutir sobre este famoso título, atualmente dominado por um evento questionável, e suas principais características.


Definindo um “jogo do ano”

O termo, que em inglês se chama Game Of The Year (abreviado popularmente para GOTY), é uma espécie de título dado a um determinado jogo por um veículo especializado. Embora não seja tão óbvio em um primeiro momento, é interessante notar que qualquer site, revista ou jornalista pode escolher o seu “jogo do ano” de acordo com os seus próprios critérios.
Tracer e companhia receberam muito prêmios de "melhor do ano"
Alguns nomes importantes no mundo das revistas especializadas são a japonesa Famitsu famosa pelos suas reportagens e avaliações dos jogos orientais, e Edge, veículo bastante tradicional do Reino Unido. No caso dos sites, podemos citar os americanos IGN, gigante da área de entretenimento que agora possui representação no Brasil, e Polygon, respeitado veículo digital de videogames. Eventos famosos incluem o Game Awards e o Game Developers Choice Awards.

Assim, é importante que o jogador observe se o veículo tem credibilidade e se os seus padrões se encaixam. Até porque, no final das contas, o prêmio acaba sendo entregue por vários sites e revistas para games diferentes (afinal, cada veículo tem seus próprios critérios e avaliadores). Entretanto, é triste observar que a premiação com maior destaque da área, que inclusive “monopoliza” o termo GOTY, parece estar se perdendo, conforme veremos a seguir.

Mas afinal, como se escolhe um GOTY?

Embora o selo GOTY seja popularmente usado para designar um jogo do ano, na prática somente os vencedores do Game Awards, premiação anual produzida pelo jornalista Geoff Keighley desde 2014, o utilizam. Sucessor do VGX e do Spike Video Game Awards, o título é um dos mais prestigiados do mercado, reunindo no seu comitê membros de importantes empresas e organizações do mundo dos games.
Estatueta do Game Awards
O processo de seleção ocorre da seguinte forma: um grupo de 51 membros de veículos relevantes da área, como IGN, Polygon e brasileiros como UOL Jogos e Omelete, determinam as suas próprias listas de nomeados para cada categoria (incluindo de melhor jogo do ano). Os cinco jogos com mais nomeações vão a votação por um júri internacional e também do público em geral. Quem receber mais votos ganha na sua categoria, incluindo a de GOTY.

A questão é: seria esta votação significativa? Considerando que o mundo dos games é um universo novo e fora de alguns padrões tradicionais, ter uma “pequena” equipe para definir as nomeações pode ser um pouco limitado. Outro ponto que pode ser bastante contestável é a participação do público: o peso do voto dos jogadores é de apenas 10%, em relação aos 90% do júri. Embora isso evite potenciais fraudes, tais como reunir pessoas para votar online em jogos que nem ao menos jogaram, fica aquele gosto de menosprezo aos reais fãs de jogos eletrônicos.

Isso sem falar que várias empresas da área participam das votações, o que por si só é questionável, pois elas são concorrentes diretas. Além destas questões técnicas, outro ponto contra o Game Awards é a degradação da sua imagem, sobretudo em relação ao público em geral. Assim como já discutido nesta matéria, o evento está apresentando um viés muito comercial, com muito destaque para propagandas, inclusive de filmes.
O trailer de Death Stranding (PS4) foi uma atração no Game Awards de 2017
Claro que nem tudo está errado. Ter um evento considerado o “Oscar” dos games sempre atrai bastante atenção do público e da mídia em geral. Se por um lado a participação das empresas parece ruim, ter gigantes do mercado no Game Awards é importante para firmar novas relações e divulgar novidades. E, apesar da equipe de nomeações ser pequena, ela possui uma boa representatividade internacional.

Uma nova forma de reconhecer um jogo do ano

Se os jogos eletrônicos são cada vez mais populares, e se existem vários veículos e organizações diferentes que os avaliam de forma profissional, porque o Game Awards merece o maior destaque? Somente um jogo escolhido no evento é digno de ser um “GOTY”?
The Legend of Zelda: Ocarina of Time (N64) foi um dos grandes vencedores em 1998
Considerando que já temos vários prêmios de melhor do ano, porque não considerarmos o vencedor do maior número deles o real “GOTY”? Afinal, o game que ganhou o maior número de votações têm mais chances de realmente refletir a opinião da maioria da comunidade gamer. E mesmo que exista alguma discrepância, as premiações individuais estarão lá para reconhecer o bom trabalho de cada título. Claro que esta visão tem seus defeitos. Por exemplo: como avaliar se todas as premiações são relevantes? Analisar cada conjunto de regras de cada veículo ou evento seria realmente desgastante, podendo inclusive gerar conflitos de interesse.

Para trazer mais um argumento para a discussão, vamos agora fazer uma comparação simples. Primeiro, vamos listar os vencedores do Game Awards nos últimos quatro anos:
  • 2017 – The Legend of Zelda: Breath of the Wild (Wii U/Switch)
  • 2016 – Overwatch (Multi)
  • 2015 – The Witcher 3: Wild Hunt (Multi)
  • 2014 – Dragon Age: Inquisition (Multi)
Agora, vamos listar os jogos com maior número de prêmios jogos do ano, considerando os principais sites e revistas da área.
  • 2017 – The Legend of Zelda: Breath of the Wild
  • 2016 – Uncharted 4: A Thief’s End (PS4)
  • 2015 – The Witcher 3: Wild Hunt
  • 2014 – Dragon Age: Inquisition
Notou a semelhança? As opiniões sobre os melhores do ano são bastante uniformes, o que nos leva a duas conclusões diferentes: ou o Game Awards pode ser o único da categoria, ou então  que o prêmio GOTY não precisa ser somente relacionado, ou ser exclusividade, do Game Awards. Mas qual seria a conclusão mais sensata, dadas as informações discutidas?
Wild Hunt é sempre considerado um dos melhores de todos os tempos
Fazendo um balanço dos prós e contras, creio que a comunidade e a indústria dos games seria mais beneficiada se considerada de maneira mais geral, dando voz a todas as premiações diferentes. Apesar dos benefícios do evento, seu objetivo principal está um pouco prejudicado, o que tornaria a sua exclusividade do GOTY exagerada.

Muito além do prêmio

Existe outro ponto que justifica a existência de várias premiações, embora também saliente que elas não podem ser consideradas absolutas. Se por um lado escolher o “melhor” jogo é interessante para parabenizar um bom trabalho, temos que notar que isso pode ofuscar um pouco o destaque de outros ótimos games. Afinal, apenas um jogo pode ganhar cada disputa, mesmo que ele seja tão bom quanto seus concorrentes. Como exemplo, vamos utilizar o ano de 2011.

Você saberia dizer qual foi o título da Spike Video Game Awards? E o com maior número de prêmios de melhor do ano? Se The Elder Scrolls V: Skyrim (Multi) foi a sua escolha, parabéns por lembrar-se desta verdadeira obra prima, vencedor do predecessor do GOTY e de mais de outros duzentos prêmios de melhor do ano. Mas você saberia dizer que outros jogos foram lançados neste ano, e que também receberam premiações significativas, incluindo de “jogo do ano”? Duas ótimas opções seriam Batman: Arkham City (Multi) e Portal 2 (Multi).
Arkham City e Portal 2 são grandes clássicos da sétima geração de videogames
O primeiro, com jogabilidade praticamente perfeita, gráficos belíssimos e excelente história se tornou referência para jogos de ação e de super-heróis. Já o segundo é um revolucionário jogo de plataforma e quebra-cabeças, até hoje considerado um dos melhores da categoria. Ou seja, mesmo com Skyrim tendo sido soberano em 2011, não podemos ignorar outras grandes produções como Arkham City e Portal 2. E é justamente por isso que o GOTY (e qualquer outro prêmio do ano) não pode ser uma exclusividade e muito menos um prêmio “absoluto”.

Este fato foi comprovado na prática, pois os dois jogos não receberam menor destaque mesmo com Skyrim tendo sido um GOTY e vencedor de vários prêmios. Aliás, os dois casos podem ser até complementares em algumas situações. Em 2013, o vencedor do VGX (antes Spike e futuro Game Awards) foi GTA V (Multi), embora o maior vencedor do ano tenha sido The Last of Us (PS3/PS4). Mas não dá pra esquecer de, por exemplo, BioShock Infinite (Multi), lançado no mesmo ano e que fez tanto sucesso quanto os outros dois títulos.
Dois dos maiores games de todos os tempos lado a lado

O “jogo do ano” é você quem escolhe

Conforme observamos ao longo da matéria, o título de melhor do ano, ou GOTY, pode muitas vezes ser mal interpretado se não olharmos o contexto geral. Por isso, em um mundo onde temos diversas revistas e sites especializados de alta qualidade, porque não considerar que cada um deles pode indicar o seu próprio GOTY? Assim, temos mais visões diferentes para considerar, aumentando o nosso leque de opiniões e opções em um mercado cada vez mais concorrido.

Ainda assim, no final das contas, a avaliação que mais vale ainda é (e sempre será) a mesma: a sua. Isso mesmo. Quem define se um game é um “jogo do ano” é você jogador, que vai dedicar o seu tempo naquela experiência eletrônica. Prêmios são importantes para dar o devido reconhecimento para as produções competentes, sendo um indicativo seguro de uma boa oportunidade de diversão. Mas nada vai superar o gosto pessoal de cada jogador, e, sobretudo, a diversão que cada um encontra nos seus próprios “jogos do ano”.

Revisão: Marília Carvalho

é produtor de conteúdo sobre games desde 2016 e um grande fã da décima arte, embora não tenha muito tempo disponível para ela. Seus games favoritos (que formam uma longa lista) incluem: KH, Borderlands, Guitar Hero, Zelda, Crash, FIFA, CoD, Pokémon, MvC, Yu-Gi-Oh, Resident Evil, Bayonetta, Persona, Burnout e Ratchet & Clank.
Também encontra-se no Twitter @MatheusSO02 e no OpenCritic.
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