Mas vamos mais devagar. Dessa vez, o desenvolvimento da Ubisoft não poupou trabalho para claramente aprender com alguns concorrentes. Combinando o maior mundo aberto da franquia, melhorias consideráveis em mecânicas anteriores como a visão da águia, o sistema naval e o sistema de batalhas e a inclusão de excelentes novas mecânicas como os diálogos opcionais, sistema de mercenários e sistema do Culto do Cosmo, a franquia Assassin’s Creed chegou em sua melhor forma a um dos mais ricos e mais populares períodos históricos da cultura pop: a Grécia Clássica.
O melhor da Grécia
Desde Assassin’s Creed Unity (Multi) a Ubisoft tem investido cada vez mais na fidedignidade ambiental para os seus novos capítulos do credo de assassinos. O cerne de todo esse trabalho é, sem dúvidas, a Grécia Clássica de Odyssey. Com um território que abarca todo o mediterrâneo grego, dezenas de ilhas e até uma parte do continente, todo o território é explorado sem praticamente nenhuma tela de carregamento ou pós-processamento que estrague a experiência.Mas toda essa vastidão não seria nada sem a riqueza de detalhes. Mas é exatamente nos detalhes que Assassin’s Creed Odyssey mais surpreende. Seja pela beleza das pinturas e esculturas gregas, pela etnia e trajes dos habitantes ou pela música e sons ambientes, tudo é riquíssimo em detalhes e informações. Seja uma pintura trincada numa parede, uma estátua colorida, um aglomerado de mercadorias no chão ou uma formação rochosa no fundo de um bosque, tudo atrai o olhar nessa bela e imensa Grécia.
Para complementar, como já havíamos apresentado na prévia do jogo, este é um dos períodos históricos mais ricos em pesquisa, informações e personagens marcantes. Sejam eles citados em histórias como Perseu ou Aquiles; sejam as menções aos deuses como Atenas, Afrodite e Apolo; ou então aqueles que possuem uma participação mais efetiva na história como Péricles, Heródoto, Brásidas, Hipócrates, Sócrates e Leônidas; todas as figuras são muito bem construídas na narrativa, apresentando uma relação muito boa entre os protagonistas fictícios e toda a confusão da Guerra do Peloponeso.
Kassandra ou Alexios? Quase que tanto faz
Um avanço incrível da franquia foi a inclusão de um par de protagonistas que permite a nós, jogadores, escolher com qual sexo iremos viver a história. Porém, seja como Alexios ou Kassandra, não é muita coisa que muda na história. Ao contrário dos boatos que rolaram antes do lançamento do jogo, as diferenças narrativas entre os dois protagonistas não são tão diferentes assim por boa parte da história.
Seja como Alexios ou como Kassandra, o jogador encarna em um mercenário que cresceu na ilha de Cefalônia, longe de sua terra natal: Esparta. Por motivos trágicos, o(a) mercenário(a) perdeu a família e o irmão/irmã, sendo obrigado a se virar para ganhar algumas dracmas e sobreviver em meio ao período de miséria que antecedeu uma das maiores guerras do mundo antigo.
A narrativa em si é muito boa e a oportunidade de escolher encarnar um homem ou uma mulher como protagonista é igualmente excelente, porém, de acordo com as propagandas do jogo, esperava-se mais nesse quesito. Inverter os papéis de irmão mais velho e irmão mais novo na história é uma saída fácil demais para uma história complexa e cheia de pormenores como as opções de escolha que afetam o final da história.
Assim, a experiência com a diferença entre os protagonistas fica, em primeira mão, muito mais voltada à estética de parecer um homem ou uma mulher do que um impacto efetivo na história ou na forma como eles são vistos por NPCs. Em seguida, podemos observar as nuances do comportamento de cada um deles, sendo Kassandra muito mais dura em suas decisões e, ao mesmo tempo, bruta; enquanto Alexios é muito mais malandro e relativamente mais controlado que a irmã, seja como NPC ou como protagonista. O trato com eles não é ruim, porém as diferenças narrativas não justificam jogar o game duas vezes como era sugerido anteriormente.
De “The Witcher” a “The Legend of Zelda”
Assassin’s Creed Odyssey é uma evolução de tudo que a franquia já havia feito antes e isso é inegável. Entretanto, antes de falar de tudo que foi melhorado, vamos falar um pouco das novidades a respeito das mecânicas do jogo. De cara já temos um senso de exploração incrível que pode ser feito “às cegas” desde o início do jogo, favorecendo a exploração despretensiosa. Essa quase falta de rumo, mesmo que opcional, é algo que remete bastante o premiadíssimo The Legend of Zelda: Breath of the Wild (Wii U/Switch), lançado em 2017.
Além disso, outra influência que podemos notar do jogo da Nintendo aqui são as possibilidades de escalada. Em Odyssey, praticamente qualquer rocha, parede, muro ou obstáculo pode ser escalado livremente. Isso é um aspecto que melhora e muito a experiência de exploração de um mundo aberto, uma vez que praticamente nada te impede de traçar uma linha reta entre você e o seu objetivo. Mas não pense que todo esse espaço percorrido será vazio ou apenas “estético”. De recursos coletáveis e itens escondidos em baús até cavernas com inimigos poderosos e missões secundárias peculiares, muita coisa preenche esse extenso mundo grego.
Essa riqueza de conteúdo é comparável a outro excelente RPG que claramente inspirou Odyssey a ser o que ele é: The Witcher 3: Wild Hunt (Multi). O muito premiado jogo da CD Projekt Red foi marcante por sua narrativa imersiva e quantidade de tarefas para se fazer no mundo. Aqui, temos um Assassin’s Creed comparável à grandiosa aventura de Geralt de Rívia, com missões secundárias tão interessantes quanto a principal (nada de “coletar 50 peles de lobo”) e diálogos tão ricos em conteúdo que você vai querer assistir todos ao menos uma vez.
Além da narrativa como um todo, outra mecânica de The Witcher 3 pode ser observada como inspiração para Odyssey: as investigações de cenas de batalha, crime e/ou rastreio. Não que Alexios ou Kassandra tenham o sentido bruxo de Geralt, mas a mecânica de encontrar pontos de interesse em cenas específicas agregou bastante a algumas missões do jogo.
Combinando aspectos já consagrados em sua franquia com essas ótimas inspirações, não é exagero dizer que Assassin’s Creed Odyssey possui a melhor jogabilidade de toda a série, além de ser um dos melhores RPGs em mundo aberto dos últimos anos.
Tudo de melhor que Assassin’s Creed possui
Como dito antes, não é só de novidades que Odyssey se trata, mas também de aperfeiçoamentos. Para início de conversa, temos o tão esperado retorno do sistema naval que foi tão elogiado em Assassin’s Creed IV: Black Flag (Multi). Aqui, a experiência é muito mais dinâmica e instintiva que na época de ouro dos corsários. Os navios manobram mais rápido e os combates são muito mais ágeis que outrora, mesmo que perca alguns detalhes como o enfrentamento de ondas gigantes.
Porém, o sistema ganhou ainda mais detalhes em seu ritmo de evolução. Se antes equipávamos todo o Gralha, navio de Black Flag, com canhões, arpões e reforço do casco, agora fazemos isso e muito mais.
Fortalecendo arqueiros, arpões e braseiros para aumentar o dano; defesa do casco, armadura da tripulação e velocidade dos remos para acréscimos passivos e até escolhendo oficiais que garantem porcentagens de bônus de ataque, defesa e outros atributos na hora do combate, além de ajudar pessoalmente nas invasões a outras embarcações. Tudo ficou ainda melhor ao explorar os mares.
Fora isso, temos o retorno da visão da águia, inserida em Origins. O recurso não teve modificações gritantes desde o último jogo, mas é um ótimo acréscimo principalmente às mecânicas de stealth, uma vez que a águia Ícarus auxilia o jogador a identificar inimigos, localizar baús e pontos de missão.
Combates totalmente reformulados
O sistema de combate de Odyssey é um dos aspectos da série que mais recebeu melhorias. Se antes a franquia já teve péssimos exemplos de combate, com sistemas travados demais ou cheios de bugs como em Assassin’s Creed III (Multi), agora temos um sistema que supera em muito tanto os jogos anteriores da franquia como outros grandes RPGs do mercado.
Isso porque os combates são muito mais fluidos do que antes, com movimentações, danos e ataques especiais baseados puramente em seus equipamentos e árvore de habilidades. Assim, Odyssey apresenta uma complexa árvore de upgrades que guia o jogador por três classes de jogo: Caçador, Guerreiro e Assassino. Mas nada de se prender em uma delas. Na verdade, cada jogador pode melhorar suas habilidades da forma que preferir, criando a sua build totalmente personalizada, seja focando em uma única classe ou até mesclando as três.
Para além do sistema puro de RPG, também temos opções de combate muito diferenciadas: a variedade de armas é excelente, permitindo que usemos desde martelos e machados de duas mãos até espadas curtas, lanças, adagas, foices e outras armas. Isso tudo combinado com ataques furtivos, habilidades de combate corpo a corpo bem variadas, uso dinâmico do arco e flecha, possibilidade de usar fogo e/ou veneno e até combate montado.
Toda essa gama de possibilidades faz da experiência de jogo ainda mais única. A chance de duas pessoas despretensiosamente construírem personagens idênticos é quase impossível. Seja pelas escolhas de habilidades e armas, seja pela forma de combate ou até pelas escolhas narrativas que dá preferência.
Entre mercenários e cultistas
Duas novas mecânicas que acabaram se provando excelentes acréscimos à experiência de jogo foram os sistemas de mercenários e de cultistas. O primeiro, remete a profissão original de Alexios/Kassandra durante o jogo. Dependendo de suas escolhas e de como se porta com civis, inocentes e em cidades, a recompensa pela sua cabeça pode subir ou descer. Esse sistema lembra vagamente as estrelas de procurado da franquia GTA, mas com alguns acréscimos bem interessantes.
Isso porque, quando você está sendo procurado, uma recompensa pela sua cabeça é oferecida a outros mercenários que começarão a te caçar por toda a Grécia. Com o complexo mapa de navegação podemos ter acesso tanto aos mercenários que estão nos procurando como ao pedinte da caça. Vencendo mercenários, nosso ranque começa a subir, tornando Alexios/Kassandra cada vez mais respeitados e temidos. Porém, quanto mais confusão causamos, mais fortes serão os mercenários a nossa procura.
Para dar fim à procura, podemos tanto pagar o preço equivalente à nossa recompensa como matar aquele que ofereceu a recompensa original. O interessante desse complexo sistema é a variedade de mercenários presentes no jogo, assim como sua inteligência artificial de rastreamento dos nossos passos (quanto mais somos vistos em público ou cometendo atos chamativos, mais rápido eles chegam perto). Por fim, cada mercenário pode ser conhecido antes ou durante a nossa caçada, contendo informações sobre suas habilidades, fraquezas e até possíveis equipamentos que darão como espólio. Um sistema que remete bastante à franquia Middle-earth: Shadow of Mordor (Multi).
Bem mais original que este é o sistema dos cultistas. Em Odyssey, temos o Culto do Cosmo como uma espécie de organização “pré-templários” que está por trás de diversos maniqueísmos e manipulações por toda a Grécia. Durante a história passamos a caçar os membros desse culto, investigando todo o mundo atrás de pistas de quem são os membros da ordem e onde encontrá-los.
Vencer todos faz parte parcialmente da história principal e as recompensas pela busca são sempre muito boas. Seja enfrentando mercenários ou caçando cultistas, as opções “secundárias” de Assassin’s Creed Odyssey se justificam tanto pela diversão que proporcionam como também pela garantia de crescimento do personagem, obtendo itens melhores e mais experiência. Literalmente qualquer coisa que é feita no jogo gera consequências e recompensas, tornando tudo importante para a aventura, seja direta ou indiretamente.
A Guerra do Peloponeso
Um dos recursos mais interessantes, juntamente com mercenários e cultistas, são as batalhas por dominação territorial. Como o contexto do jogo é do início da famosa Guerra do Peloponeso, entre Esparta e Atenas, temos em mãos uma oportunidade incrível de presenciar e influenciar essa guerra da forma que bem entendermos.
Isso porque cada território do jogo, normalmente comandado por uma Cidade-estado, está sob domínio ou aliança de Esparta ou Atenas. Nestes territórios, podemos fazer várias tarefas que diminuem a força de defesa do local, independente do lado. Entre essas tarefas temos a queima de recursos de guerra, o roubo dos cofres que pagariam os soldados, a morte de membros do exército (de soldados à generais) entre outras coisas. Tudo para enfraquecer as defesas do líder do local.
Assim, ao assassinarmos o líder, uma opção é aberta para participarmos de uma batalha pelo território. Mesmo aqui continuamos podendo escolher entre ajudar o exército invasor ou auxiliar nas defesas do território que acabamos de atacar. Assim, é iniciada uma batalha especial que pode chegar a até 300 soldados.
Além de influenciar o nível de dificuldade de cada região, recompensas excelentes são obtidas por cada batalha vencida. Essa foi uma ótima mecânica opcional inserida na aventura, nos deixando ainda mais imersos na realidade de uma das maiores guerras que a Grécia Clássica já viu.
Microtransações? Até hoje?
Um dos pontos negativos do jogo é o seu sistema de microtransações. Mesmo que opcional e quase que totalmente estético, as vendas de itens e aparências pela loja da Uplay podem acabar atrapalhando um pouco a experiência de jogo, seja atrapalhando a narrativa ou desbalanceando relativamente os equipamentos e crescimento de personagem.
Tudo bem que algumas armaduras e a montaria de pégaso são acréscimos interessantes à experiência, porém, em um jogo AAA com preço de lançamento que possui algumas boas opções de edições especiais e um season pass com praticamente o preço do jogo original, é quase ofensivo que boa parte desses itens de microtransação sejam obtidos por dinheiro “real”.
Um mapa confuso, mas cheio de recursos
O mapa do jogo requer um ponto especial para ser apresentado. Isso por conta de alguns motivos específicos. Em primeiro lugar, temos aqui o maior mapa de Assassin’s Creed até então, representando todas as ilhas gregas e boa parte do mar Egeu. Para termos uma administração completa de toda essa extensão de terra e de todos os recursos e mecânicas secundárias que o jogo possui, tudo é integrado de forma bem organizada no mapa.
Porém, isso vem a um custo: a imensa quantidade de informação. Inicialmente, os tradicionais pontos de interesse do mapa ficam com interrogações que são removidas quando os locais são explorados. Os pontos de observação para liberar o mapa da região, inclusive, também retornam, com paisagens belíssimas e estrondosamente grandes. Entretanto, alguns recursos do mapa acabam atrapalhando bastante em alguns momentos.
Um deles é a opção de compartilhamento online de fotos. Nele, quando tiramos uma foto com o modo fotografia do jogo, podemos compartilhá-la em rede, deixando-a visível em uma rede de jogadores próximos. Essas imagens ficam marcadas no mapa no exato ponto que são batidas. O problema é o acúmulo dessas imagens em volta de pontos de interesse, atrapalhando a seleção desses pontos e até causando possíveis spoilers da história.
Fora isso, encontrar pontos marcados no mapa é um tanto problemático pela falta de orientação direta. Mesmo que uma missão seja marcada no mapa, encontrar aquele ponto específico em toda amplitude do mapa do jogo pode se tornar um desafio a parte em alguns momentos. Alguns recursos básicos como setas direcionando o local selecionado no mapa já resolveria esse problema de navegação.
Acima de tudo, um jogo de assassinos
Com tantas possibilidades, tantas mecânicas variadas e tantas inspirações enriquecedoras, os mais puristas podem achar que Assassin’s Creed “não é mais como antigamente”. Porém, a Ubisoft parece ter pensado com bastante respeito nas raízes da franquia, uma vez que as possibilidades de ação em praticamente todas as missões incluem possibilidades furtivas consideráveis.
Seja no estilo dos equipamentos ou na forma de invadir fortes e templos, a furtividade que é marca registrada da franquia ainda está ali e em excelente forma. Com a livre movimentação vertical e a influência da árvore de habilidades de assassino, as funções de stealth ficaram ainda melhores. Seja você um guerreiro nato, um caçador voraz ou um assassino sorrateiro, vez ou outra durante a jogatina suas capacidades furtivas serão colocadas à prova, o que é ótimo.
Um épico definitivamente memorável
Assassin’s Creed Odyssey (Multi) representa a fórmula perfeita da indústria de games. Ele claramente aprendeu com os erros dos antecessores, reformulou o que precisava ser reformulado, melhorou ainda mais mecânicas já muito bem estabelecidas na série e buscou englobar mecânicas que foram referência em outros grandes sucessos da indústria nos últimos anos. Além disso, inovou na medida certa sem esquecer das raízes da franquia. Tudo de forma coerente e justificada.
Com muito mais de 100 horas de experiência, o novo capítulo da saga dos assassinos é um dos mais animadores da série. Além de ser um dos melhores Assassin’s Creed já feitos, não é exagero dizer que é um dos melhores RPGs em mundo aberto dos últimos anos, rivalizando com grandes nomes como The Witcher, Breath of the Wild e Shadow of Mordor. Se uma coisa a Ubisoft fez muito bem dessa vez, foi o seu dever de casa. E, claro, ainda há muito chão para conhecer nessa Grécia Clássica. Te vejo por lá.
Prós
- Visual estonteante;
- Excelentes recursos de exploração;
- Combates fluidos totalmente reformulados;
- Árvore de habilidade de classes funciona muito bem;
- Protagonistas carismáticos com ótimo enredo;
- Ambientação acerta em cheio;
- Controles navais mais dinâmicos e instintivos;
- Quantidade incrível de opções de evolução e personalização;
- Oportunidades de missões variam experiência de jogo;
- Mecânica de guerra é um ótimo acréscimo à jornada;
- Missões secundárias bem construídas e variadas;
- Mecânicas de mercenários e cultistas dão mais ação ao jogo.
Contras
- Navegação do mapa pode ser confusa às vezes;
- Diferenças narrativas entre Alexios e Kassandra não são tão significativas;
- Microtransações podem atrapalhar a experiência de jogo.
Assassin’s Creed Odyssey - PC/PS4/XBO - Nota: 9.5
Versão utilizada para análise: PS4
Análise produzida com cópia física cedida pela Ubisoft
Colaboração: Marília Carvalho