Crônica

Meu mergulho no mundo mobile e os peixes podres que encontrei

Com base na minha experiência, confira o lado ruim e o lado bom do mercado mobile.


No começo deste ano eu me encontrava desempregado e não podia me dar ao luxo de comprar jogos para os meus dois principais consoles: Nintendo 3DS e o esquecido Wii U. Assistindo a uma palestra sobre o mercado brasileiro de games, aprendi muito sobre o cenário mobile e surgiu o interesse no que poderia haver de interessante por lá. Foi quando comecei a minha jornada, que perdura até hoje.


Vou confessar que sempre tive um receio com jogos de celular por não confiar nas telas dos smartphones para controles precisos, o que é verdade, mas em partes. De fato há muitos games nos quais você sente a falta de uns botões, mas outros, como o MOBA Arena of Valor, surpreendem ao ter um analógico virtual que não deixa nada a dever para uma alavanca real.

A real é que basta o desenvolvedor ser criativo que quase todo gênero pode ser traduzido para o mobile de forma eficaz e divertida. Mas o objetivo deste texto não é analisar jogos e sim mostrar de uma forma geral os principais elementos do mercado mobile, seus pontos bons e ruins. Para ajudar você, que ainda está com um pé atrás, a ter uma ideia melhor do que lhe aguarda neste que é o nicho gamer que mais cresce no mundo atualmente.


Free-to-play, uma receita difícil de acertar o ponto

Mesmo com várias opções de jogos pagos, os chamados premium, é muito difícil não se deixar levar pelos títulos F2P que aparecem com lindos ou carismáticos gráficos, diversos personagens famosos, no caso de franquias grandes, e propostas “diferentes” de gameplay.

Testei diversos games gratuitos, de vários gêneros: desde o mais clássico RPG, passando por games de simulação, cartas, tiro, chegando até mesmo aos bichinhos virtuais. E com tantas experiências diferentes, comecei a enxergar padrões ligados à mecânicas que provavelmente vocês já conhecem e listo abaixo. Lembrando que cada jogo usa nomes diferentes para estes elementos.
  • Sistema de stamina - Se trata de um recurso renovável com tempo (ou dinheiro real) e tem o objetivo de pagar o custo das missões/fases, limitando o tempo que você pode jogar a cada sessão.
  • Moedas correntes - Normalmente o jogo apresenta um mínimo de duas moedas correntes, uma gratuita e outra que pode ser comprada com dinheiro real.
  • Eventos semanais - Tem o objetivo de acrescentar conteúdo novo constantemente para nunca deixar o jogo morrer.
  • Aleatoriedade - Seja na obtenção de itens ou personagens, ela está lá.
Agora vamos aos padrões:

O sistema de stamina é um regulador de velocidade e faz muito sentido em games novos, com pouco conteúdo e que não pretendem perder o jogador cedo só porque ele avançou por tudo muito rápido. Porém, em jogos estabelecidos há mais tempo, ele se torna um verdadeiro desestimulante, atrapalhando o jogador novo que deseja usufruir do game por longos períodos de tempo. Normalmente é possível gastar dinheiro para renovar o recurso, mas se trata de um desperdício, por menor que seja a quantia, pois a stamina se esgota rapidamente.

Há games que abusam da mecânica ao focar nela como uma forma de fazer dinheiro e não de regular o avanço, como em Harry Potter Hogwarts Mystery,que não te permite jogar nem por 5 minutos direito. Felizmente empresas como a Square Enix estão percebendo que esta é uma mecânica abusiva e limitante. Jogos como Dissidia Final Fantasy Opera Omnia já não contam com o recurso e Kingdom Hearts Union X [Cross] possui constantes eventos que zeram todos custos de AP (stamina do jogo). Acredito ser essa a tendência do mercado.



Menos problemáticas são as moedas correntes. Podem haver várias, mas normalmente os jogos apresentam no mínimo duas: in-game e a que vamos chamar de “real”, pois você compra com dinheiro de verdade. A primeira é como Rupees em Zelda e Gold em Dragon Quest, nada novo. Já a segunda é utilizada para comprar “pacotes” de cartas, personagens, armas, vestimentas, dependendo do gênero do jogo, e até mesmo liberar acesso a missões e recursos VIP.

Aqui o problema está em como regular as vantagens do dinheiro real. No começo é tudo lindo, o jogador iniciante recebe vários “reais” e é ensinado a como tirar proveito deles. Porém muitos jogos não traduzem esse investimento em vantagens, mas sim em pré-requisito para se ter um bom desempenho no jogo, o que a comunidade chama de pay-to-win. E neste sentido o jogo deixa de ser grátis para se tornar uma espécie de demo disfarçada.

Os eventos semanais são maravilhosos e problemáticos ao mesmo tempo. Eles são ótimos para jogadores que já avançaram pelo conteúdo básico do game e agora precisam de novos desafios e itens para colecionar. Porém os novatos são bombardeados com esses conteúdos e ficam completamente perdidos. O problema nem está nos eventos em si, mas em como o desenvolvedor os apresenta ao jogador, respeitando ou não o seu ritmo.

Em diversos jogos eu fiquei sem saber por onde começar após o tutorial e muitos, de empresas emergentes, eu simplesmente desinstalei ao ver a quantidade de coisa com que tinha que lidar para um jogo de baixa qualidade. Novamente citando Kingdom Hearts Union X [Cross], o game limita as áreas que tenho acesso de acordo com meu avanço no modo história, o que permite que eu vá pegando o feel da coisa em uma curva de aprendizado mais adequada.



Agora a aleatoriedade. Esse com certeza é o maior problema de todos e não estou aqui me referindo a pareamento com oponentes mais fortes ou o famoso RNG de Hearthstone, mas sim aos itens obtidos de forma aleatória. No já citado jogo da Blizzard, o maior exemplo disso são os pacotes de cartas, que custam dinheiro real para uma chance de se obter aquilo que você precisa. Essa ideia se repete em games que oferecem packs de armas, personagens, medalhas, roupas e etc, de forma aleatória. Muitas vezes com eventos especiais que aumentam as chances de determinados itens.

O problema com isso? É loteria! Ao contrário dos MOBAs, que fazem da forma correta e cobram por personagens específicos, neste caso você está pagando pela chance (em negrito de novo) de conseguir o item necessário. Claro que é o jogador que decide se quer jogar grátis ou gastar um salário inteiro pra pegar aquele personagem exclusivo, mas favorecer um cenário desses é favorecer o surgimento de empresas abusivas.

Um exemplo é a Konami, que propositalmente lança boxes de cards mais poderosos todo mês em Yu-Gi-Oh! Duel Links, o que torna praticamente impossível acompanhar os oponentes sem investir dinheiro. Isto já se trata de uma prática de má fé, além de contribuir para um ambiente de jogo desequilibrado.


Ainda é muito difícil encontrar títulos que ofereçam experiências completas em um ritmo que não seja arrastado e sem criar barreiras que só possam ser transpostas com dinheiro real. Porém, o mercado free-to-play tem um enorme potencial, por tornar mais fácil o acesso e a experimentação do jogo. Além de permitir que muitos jogadores com uma menor renda usufruam do game graças aos investimentos de pessoas mais favorecidas monetariamente.

Premium, o miojo da indústria

Eu sou mais purista. Gosto de pagar por um jogo e receber todo o conteúdo ali. Simples e fácil, 5 minutinhos e está pronto. Entretanto este não é um modelo muito rentável no mundo dos mobile, e jogos premium correspondem a uma fatia muito pequena do mercado. Poucas são as pessoas que estão dispostas a pagar por um jogo antes de jogá-lo, e devo dizer que elas estão cobertas de razão.

Existem excelente títulos premium para celulares como Bury me, my Love e Don’t Starve, porém, devido a incompatibilidades entre modelos de celular, mesmo excelentes games se tornam injogáveis, ou pelos menos apresentam algum aspecto defeituoso que prejudica a experiência. E claro, há os que são simplesmente ruins. A opção de reembolso remedia um pouco isso, mas nem sempre está disponível ou é prática de se pedir.



O ideal é procurar análises na internet, verificar os pré-requisitos do game, se são compatíveis com seu aparelho e, se possível, jogar no celular de um amigo que já tenha comprado, para ter certeza do que quer. Esse é um problema que seria facilmente resolvido com a disponibilização de demos e me pergunto porque não vemos mais delas por aí. Games como Lanota e Super Mario Run oferecem seus estágios iniciais de graça, com a opção de compra do resto do conteúdo.

Não há muito mais a ser dito sobre os premium, para eles valem todos os prós e contras que vemos nos jogos tradicionais de console ou PC. No mercado mobile o free-to-play realmente domina, em especial os multiplayer, pois é muito mais fácil convencer seu amigo a jogar Shadowverse (grátis) com você do que Minecraft (pago).

Ainda no meu desbravamento do mobile vale citar alguns gêneros que fogem um pouquinho do padrão do resto do mercado.

MOBAs, Battle Royales, MMORPGs e, quem diria? Board Games!

Os MOBAs e Battle Royales compartilham alguns elementos com os free-to-play, porém são muito mais amigáveis ao não limitar o tempo do jogador e nem criar barreiras que só sejam transponíveis com dinheiro real. Ambos os gêneros começaram no PC, porém o celular adiciona portabilidade em troca de algum poder gráfico, o que pode ser uma opção extremamente mais confortável se você é do tipo que gosta de jogar deitado ou “on the go”. Arena of Valor e PUBG são exemplos de games muito bem produzidos e que não deixam nada a dever para seus rivais/versão de PC em termos de jogabilidade.



O MMORPG é um dos gêneros mais tradicionais no mundo dos games de PC, onde nasceu com a inovadora proposta de reunir jogadores do mundo todo em um mundo digital através da internet, e sua conversão para mobile surpreende por não ter apenas portado um gênero, mas trazido mudanças interessantes ao mesmo.

Em celulares não é difícil encontrar títulos que oferecem CGs de narrativa para incrementar mais o game, podendo ser jogado como um single player se assim o jogador desejar, como em Alchemia Story. A constante conexão à internet permite loading temporário de cenários para poupar espaço de armazenamento, como no caso de Toram Online. E devido ao caráter rápido e dinâmico da plataforma, muitos jogos aceleram a subida de nível para que o jogador possa cair dentro das Raids e PvP o mais cedo possível. Um exemplo é Taichi Panda 3: Dragon Hunter.



E pra encerrar, o gênero que mais me surpreendeu ao descobrir que existia e que pode vir a crescer bastante ainda: Board Games. Existem F2P, como Trillionia e Game of Dice que simulam o gênero, mas não fogem ao modelo caça-níqueis. Aqui eu estou falando de jogos de tabuleiro tradicionais e seus primos de cartas, como Catan e UNO.

A grande maioria é premium oferecendo a experiência completa, com direito a modo online, por um preço muito mais acessível do que sua versão de papel, como Tokaido e Exploding Kittens. Outros já seguem o modelo free-to-play usando como forma de monetização o acesso às funções online do jogo, mas permitindo gratuitamente o gameplay local no mesmo aparelho. É o caso de War.

Inclusive vale ressaltar essa última funcionalidade, que é uma exclusividade de board games digitais, o chamado Pass & Play. Essa opção permite que os jogadores dividam o mesmo aparelho passando de mão em mão conforme alternam turnos. Dessa forma uma mesma compra serve para todo um grupo de amigos.



Os board games foram minha experiência mais recente com mobile e eu recomendo fortemente a aquisição de um ou dois títulos favoritos para jogar com a galera ou mesmo com a crush enquanto vocês conversam por telefone. Uma grande vantagem é que estes títulos tendem a ser bem leves, não chegando nem aos 200 MB.

Espero que minha jornada lhe ajude a entrar no mundo mobile com segurança e sabendo qual o tipo de jogo que você vai preferir se aventurar. Todos os games citados tem minha aprovação pessoal e a garantia de que serão ótimas experiências para os amantes de cada gênero (exceto Harry Potter e Yu-Gi-Oh! Que são praticamente crimes).

Já jogou algum deles? Como foi sua experiência? Não deixe de participar nos comentários!

Revisão: Diogo Mendes

Mestre Pokémon de longa data, salvador de Hyrule em todas as encarnações do herói e ocasionalmente um encanador de bigode grosso.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


Disqus
Facebook
Google