Um jogo como ambientação
A história de Jogador Nº 1 (Ready Player One, no original) se passa cerca de 30 anos no futuro, quando a Terra já está com os problemas da humanidade em ponto de ebulição. Guerras, fome, pouca energia, desmatamento e todos os outros malefícios sociais, ambientais e culturais da humanidade tornaram o planeta uma distopia péssima para se viver para a maior parte da população. Isso pode até soar um tanto quanto clichê para filmes de ficção científica, mas o filme de Spielberg tem algo a mais.A questão aqui gira toda em volta do MMORPG batizado de OASIS. O game online fictício é acessado por plataformas que utilizam tecnologias já conhecidas por nós atualmente: óculos de realidade virtual, esteiras para simular movimento, luvas para a manipulação do ambiente, roupas para simular tato e vários outros recursos que nos fazem entrar de corpo e alma no mundo do jogo. A questão é que a sociedade acaba entrando totalmente no jogo, com o sistema educacional completamente vinculado ao OASIS, bem como notícias, trabalhos, eleições, compras e todo o resto. O próprio dinheiro do jogo passou a ser a moeda mais cara do mundo.
Um universo dentro de um jogo online
Só por aí já poderíamos parar, não é mesmo? Mas todo o universo online do OASIS é incrível para qualquer fã de jogos ou da cultura pop em geral apreciar. O jogo é ambientado em um verdadeiro universo repleto de planetas e setores com regras próprias. No livro é explicado que ao longo das expansões do OASIS todos os mundos de todos os tipos de jogos, séries, filmes, desenhos e livros passaram a ser planetas específicos dentro do game. Imaginem então um RPG online onde existe toda a galáxia de Star Wars ao lado de Azeroth, com um portal para o planeta do Reino do Cogumelo, que fica próximo ao mundo de God of War. Soa interessante, não?
Claro que não teremos as exatas referências presentes no livro na obra cinematográfica, mas a ambientação riquíssima do OASIS ainda está lá. Elementos próprios de jogos como pontuações, coleta de moedas, ação frenética com carros e diversos outros fatores que fazem dos games uma mídia surreal e, ao mesmo tempo, muito divertida, conseguiram ser passados para a história de uma forma quase única.
Vislumbre de um possível “futuro gamer”
Outro ponto interessante é a habilidade visionária que Ernest Cline teve em seu livro, que foi traduzida de forma excelente para o filme de Spielberg. A lógica por trás de toda a história do Jogador Nº 1 é crível e quase palpável para quem tem um mínimo de noção de para onde a indústria de games está caminhando atualmente. Ver uma história onde um jogo teve amplitude o suficiente para se transformar em uma rede social mais abrangente e rica do que a vida real não é algo tão surreal para quem já está vivenciando os games atualmente.
Deixando conspirações de lado, a visão de desenvolvimento dos games é muito bacana nas obras. Elementos tecnológicos como os aparatos que os personagens usam para entrar no OASIS, mecânicas do jogo como salas de bate papo, sessões privadas e teletransportes. Tudo remete a um futuro plausível do ramo de videogames, seja em mecânicas, seja na indústria ou, ainda mais, na cultura.
Cenas de ação dignas de games
Os trailers, bem como as primeiras impressões sobre o filme, já deixaram claro que ele veio para surpreender. Comentários como “assista na maior tela possível” foram feitos pela crítica ao redor do globo e isso já anima bastante. Para fazer um filme que fala de um videogame, é preciso pensar um pouco pela lógica dos videogames. Isso é um erro que várias adaptações cometeram ao longo dos anos, fazendo as histórias baseadas em games perderem a “alma” quando vão para o cinema.
Entretanto, só pelo trailer, podemos ver que a atenção com as cenas de ação foi redobrada na obra de Spielberg. A liberdade que a câmera transita entre os elementos de ação, bem como a junção de diversos elementos em movimento, nos fazem remeter na hora aos melhores videogames da atualidade. Por aí já vemos que o filme é um blockbuster, mas feito sob medida e com o devido respeito aos fãs de games, sejam eles de qual gênero for.
Blizzard, Capcom e Microsoft
Outro ponto que resume bem o respeito que o filme já tem pelos fãs de games foi o cuidado que ele teve em introduzir ambientações e personagens que remetem a jogos famosos da atualidade. Só nos trailers já foram identificados dezenas de easter-eggs de diversos gêneros, passando por vilões de filmes de terror como Freddy e Chucky, por personagens icônicos como Robocop e King Kong, até chegar em figuras inusitadas dos games, como Chun-Li e Tracer.
Para isso, logicamente, o filme contou com uma tonelada de contratos de direitos autorais do uso de imagem de diversas marcas. Mas conseguiu fazer tudo sob medida para a alegria dos fãs. Empresas famosas como Blizzard, Capcom e Microsoft permitiram a entrada de personagens famosos de suas franquias no filme como Tomb Raider, Street Fighter, Overwatch, Halo, Diablo e possivelmente várias outras que não apareceram nos trailers. Sem dúvidas um prato cheio para qualquer fã de games dar pulos na cadeira do cinema.
Referências a jogos antigos
Mas não é só de games novos que Jogador Nº 1 se faz. A história do filme gira em torno de três chaves (easter-eggs) que foram escondidas dentro do OASIS pelo seu falecido criador. Na “herança” do magnata apenas dizia que quem conseguir encontrar as três chaves primeiro seria oficialmente o dono das empresas por trás do OASIS, se tornando o maior bilionário do mundo. Como o criador do game cresceu nos anos 80, todo o conteúdo da cultura pop daquela época poderia ter pistas sobre como encontrar essas chaves.
Com isso o filme faz uma ponte muito interessante entre passado, presente e futuro. Menções honrosas aos anos dourados dos videogames são feitos aos montes. Jogos de fliperama clássicos como Joust e Pac-man fazem parte do enredo, bem como elementos como o placar de pontos dos games de arcade e as famosas moedinhas coletadas ao longo das fases. Pontos para deixar qualquer fã de retro-games arrepiado. Até os icônicos Battle Toads foram vistos em um dos trailers do filme!
Desafios dignos de videogames
Como já citado, a história do filme conta com três grandes desafios para encontrar as chaves que dão ao vencedor o controle total de todas as empresas por trás do OASIS. Cada um desses desafios já é um prato cheio para os fãs de videogames. Seja os desafios inseridos literalmente da obra original, ou mesmo adaptados para uma ótica melhor adaptável para filmes, como as cenas de corrida sensacionais que os trailers mostram.
Como este texto não possui spoilers da história principal da obra, basta citar aqui que elementos como labirintos, corridas malucas, invasões de castelos, duelos contra magos e outros desafios desses tipos podem aparecer durante o filme. O que torna a coisa muito interessante. Como se trata de um jogo, vemos claramente que os desafios são baseados igualmente em jogos, fazendo tudo correr de forma muito divertida e encantadora para os fãs do gênero.
Feito por fã para fãs
E por falar em fãs, é bom sempre lembrar que estamos falando de um filme de geeks, feito por geeks e para geeks. Os personagens principais da história são jogadores com perfis muito parecidos com o geral que temos atualmente por aí, de vários gêneros, idades e pontos de vista diferentes. Mas para além do filme, tanto Spielberg (o diretor) como Ernest Cline (consultor de roteiro e autor da obra original) são fãs de videogames e nerds de carteirinha.
Isso já é um ponto extra para acreditarmos que o filme tem o devido respeito com o fãs desses gêneros. Ernest Cline escreveu seu livro inicialmente como uma homenagem a tudo aquilo que fez sua juventude brilhar, de filmes a quadrinhos, mas principalmente os jogos. O autor é gamer de carteirinha e já participou de vários filmes e documentários sobre o tema, como por exemplo o documentário Video Games: The Movie.
Estética e temas interessantes
Combinando com as cenas de ação, temos claramente uma estética pensada por pessoas que jogam e gostam de videogames. O visual dos personagens, os efeitos especiais, a ambientação dos mundos, as armas, os veículos, as cores. Tudo remete a videogames praticamente o tempo todo dentro do OASIS, enquanto que um contraste pode ser visto quando os personagens estão fora de seus avatares, com tons cinzas e sem vida no mundo real.
Para além do visual, algumas histórias que acontecem na história de Jogador Nº1 remetem a discussões interessantes do mundo dos games. Questões referentes à imersão em mundos fictícios, a importância dos jogos na vida das pessoas, relações de gênero dentro do mundo dos games, companheirismo, vício, fuga da realidade… Tudo isso é citado de alguma forma na obra, fazendo com que a identificação seja ainda maior com o público formado por jogadores e jogadoras.
Respeito por jogos tradicionais
Por fim, não é só de jogos eletrônicos que Jogador Nº 1 sobrevive. Ao menos na obra original, são citados jogos de tabuleiro e RPG de mesa que fazem os mais velhos ficarem de olhos arregalados. Dungeon & Dragons é só um dos elementos que posso citar aqui. Mas o respeito por todo um universo de jogos sem os quais os jogos eletrônicos jamais existiriam é mantido de forma firme na obra de Cline. Não há motivos para pensar que a versão cinematográfica de Spielberg não mantém o mesmo respeito.
Are you ready?
Jogador Nº1 sem dúvidas é uma incrível obra feita para homenagear a cultura pop em todos os seus âmbitos. Com críticas leves sobre temas importantes e ação do começo ao fim, é uma ótima pedida para a maior parte do público. Entretanto, nós, fãs de videogames, precisamos dar a devida atenção a este filme, pois ele pega a alma da nossa mídia favorita e transforma em algo inteligível para todos os demais públicos apreciarem.
Se jogar videogame é tão importante para nós, assistir um filme que homenageia de forma muito ampla todo esse universo da nossa mídia é algo quase obrigatório. Tanto pela diversão que vai nos proporcionar, como também pela emoção de ver algo tão grandioso ser feito baseado em videogames. Jogador Nº 1 já está em cartaz a partir de hoje (29/03) em todo o Brasil.
Revisão: Diogo Mendes