Análise: Full Metal Furies (PC/XBO): uma carta de amor aos beat’em ups clássicos da década de 90

Longe de ser o que se vende, é um exemplo de como primeiras impressões podem não corresponder ao que um jogo realmente é, mas de maneira positiva.

em 17/01/2018
Quando se é gamer, é comum que desde moleque já exista uma atração inexplicável por essa forma de entretenimento interativa que, no século XXI, se tornou um dos principais produtos da indústria cultural. Dessa maneira, muitas crianças da década de 90 guardarão na memória aquela lembrança curiosa dos arcades de ficha infinita de bufê infantil que muitas vezes eram monopolizados pelos garotos (e, por que não, garotas) um pouco mais velhos.



No momento em que tal “estação” desocupava, era comum nos juntarmos com outras crianças que nem sequer conhecíamos para jogar aqueles games que, anos mais tarde, entenderíamos pertencer ao gênero Beat’em Up, como Teenage Mutant Ninja Turtles: Turtles in Time (Arcade/SNES), Final Fight (Multi), Cadillacs and Dinosaurs (Arcade) ou qualquer outro que ainda permeia nossas memórias, principalmente alguns de SNES ou Mega Drive, visto que esses fliperamas esquisitos também emulavam alguns consoles.

Full Metal Furies (PC/XBO), por sua vez, conseguiu captar a essência desse gênero em progressão lateral — sobrepujado por novos títulos em ambiente tridimensional ou ainda por outros gêneros mais populares, como os shooters, em primeira ou terceira pessoa — e o atualizou para o novo milênio, mesmo que o jogo seja vendido pela Cellar Door Games (a responsável pelo desenvolvimento e distribuição) como um game de “ação RPG ‘cooperativo de verdade’” na página do Steam. O problema central é que junto vieram algumas das adversidades recorrentes das narrativas multiformes da nossa presente era.

A grosso modo, temos quatro personagens diferentes que podemos escolher e usar para enfrentar os mais diversos inimigos em uma variedade de fases temáticas, como a clássica floresta de early game, um deserto e até mesmo o inferno, sempre regido superficialmente por uma temática de mitologia grega, mas sem cair naquela pieguice de densidade forçada da série God of War, por exemplo. As quatro Fúrias têm cada uma sua classe de jogabilidade única que vão exigir o desenvolvimento de táticas específicas do jogador que quiser dominá-las.

Triss é a lutadora mais simples, que assume a função de tanker e carrega atributos equilibrados em ataque e defesa, além de ser indiscutivelmente a mais simples de se manejar. Alex, por sua vez, é a porradeira do time, que carrega um martelo e consegue infringir danos e combar com facilidade por conta de sua força bruta. Meg e Erin são personagens mais complexas: a primeira é uma sniper capaz de arrancar nacos consideráveis da barra de vida dos inimigos à longa distância, o que exige boa pontaria e técnica por parte de quem a estiver controlando; a segunda conta com o auxílio de drones para complementar seus próprios ataques à média distância.

As fases podem ser enfrentadas em multijogador on-line, com até quatro personagens em tela ou individualmente, mudando completamente a dinâmica das partidas e permitindo ao jogador alternar entre duas Fúrias diferentes de maneira estratégica. Ao longo do jogo, podemos acumular dinheiro e novas armas que podem ser equipadas em um acampamento que funciona como um hub, onde trocamos nossas suadas moedas por melhorias, como ataques que duram mais, mais vida, ou maior poder de ataque a partir de uma precária árvore de habilidades, de onde supostamente vem a tal ideia de que o título é um RPG.



Para qualquer jogador, o que importa, a rigor, é isso. Existe uma história que eu julgo como qualquer coisa, mas a quantidade de piadas sem-graça e referências tontas a outros produtos midiáticos acabaram me desinteressando. Pelo que eu entendi, parece que uma guerra entre os Titãs — os chefões do jogo, que oferecem cada um, aliás, uma luta mais divertida do que outra, salvo uma exceção decepcionante perto do fim da campanha — ocorreu ou vai ocorrer, levando a humanidade a encontrar seu fim, cabendo ao quarteto protagonista impedir que isso aconteça.

É aí que entramos nos problemas atrelados a concepções inerentes à indústria de videogame moderna. Acho bacana e realmente importante que são protagonistas femininas e fortes, mas suas personalidades e diálogos não são lá grande coisa, visto que ela se aproxima de um estilo de escrita próximo a de fanfics estilo slash, considerando que o relacionamento entre as Fúrias é muito mal desenvolvido, parecendo que só está lá para dizer que isso existe no jogo e que ele levanta a bandeira da inclusão. Considerando que fanfic, por si só, é um gênero literário amador, chega a ser decepcionante que um produto com essa qualidade final esteja à venda. Sabe, essa onda de trabalhar o protagonismo feminino de diferentes maneiras além da princesa indefesa é algo maravilhoso porque traz um novo frescor às narrativas modernas e fortalece as histórias como um todo, por isso lamento mesmo que Full Metal Furies tenha namorado a ideia de forma correta, mas não a trabalhado de maneira apropriada.

Não que isso estrague a experiência, mas é algo que se torna cansativo por conta de sua qualidade a desejar. Se as personagens fossem mais bem-escritas, talvez eu pudesse me interessar mais pela história e o jogo se tornaria apreciável de uma forma mais completa. Outro ponto é que, apesar de muito bonito em tela, mesclando pixel art com cenários mais trabalhados, as ilustrações são de um estilo muito feio e pouco carismático, seguindo a cartilha de arte genérica tumblresca do século XXI e lembrando-me um pouco da abominável história em quadrinhos da Marvel, Unbeatable Squirrel Girl.

Talvez se Full Metal Furies tivesse mais carisma na própria temática que carrega, poderia se tornar um fenômeno com facilidade, como Cuphead (PC/XBO). No entanto, algumas decisões erradas no design da produção como um todo, a exemplo da história e personagens sem-graça, mais a direção de arte genérica, ambos trabalhados de maneira burocrática a fim de tentar se adaptar nas tendências de mercado vigentes, impedem que o jogo desenvolva uma personalidade memorável.

Ainda bem que o que importa em qualquer título é gameplay, e nisso Full Metal Furies dá uma aula. A jogabilidade intensa e empolgante é capaz de fazer com que o jogador que planejava jogar apenas alguns minutos ficar imerso por horas a fio ao enfrentar uma gama considerável de inimigos únicos e batalhas de chefe memoráveis espalhados por uma variedade de fases ambientadas com os mais diversos cenários. É um jogo que merece ser jogado pelo que ele é, não pelo que ele aparenta à primeira vista. Interessante notar como os defeitos dele são justamente consequência de exigências referentes a formas modernas de game design. Na brutalidade da década de noventa, uma época em que a questão narrativa dificilmente importava, Full Metal Furies certamente se tornaria um clássico imediato.

Prós

  • Jogabilidade envolvente;
  • Desafio regulável e bem-adaptado ao mercado moderno;
  • Uma homenagem não-intencional aos Beat’em Up dos Arcades;
  • Qualidade técnica exemplar;
  • Diversidade no gameplay;
  • Um jogo cooperativo em que o single player consegue ser tão bom quanto o multi;
  • Absurdamente viciante;
  • Potencial de aprimoramento técnico àqueles que quiserem se especializar no título.

Contras

  • História qualquer coisa;
  • Personagens chatos e sem carisma;
  • Direção de arte genérica;
  • Multiplayer só entre os contatos da Steam.
Full Metal Furies — PC / XBO  — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisor: Bruno Alves

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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