Alguns dizem que nasci com um controle de videogame nas mãos. Ainda muito novo, aprendi a gostar da companhia do encanador bigodudo da Nintendo e daquela dupla de macacos que usam boné e gravata para quebrar barris em jacarés bípedes ladrões de bananas. Havia uma simplicidade em meus primeiros anos de vida como jogador, possivelmente pelo fato de eu ainda ser muito novo e ingênuo. Não me lembro de chegar a terminar os meus amados games quando criança, mas eu adorava perder horas tentando — e, às vezes, sem nem tentar, jogando apenas porque era divertido estar ali —. Havia uma dificuldade mascarada, dependendo do jogo, e outras mais escancaradas. Nada “Contra” um jogo rir da cara do jogador por ele perder todas as vidas nos primeiros 20% da primeira fase, mas eu sempre evitava me aproximar de jogos assim quando ia à locadora.
Ainda muito novo, migrei para o console de outra empresa japonesa. Hoje eu a apelido carinhosamente de Sonya, e todos os seus consoles PlayStation passaram pelo meu quarto, inclusive o portátil de menor sucesso que curiosamente possui um nome que referencia à vida — mas que está praticamente morto. Havia uma diferença de idade considerável entre eu e meu irmão, então nossos gostos na hora de escolher o que adquirir para jogar eram muito particulares. Ele já experimentava coisas mais maduras, como se aventurar como um espião em Metal Gear Solid e experimentar carros de luxo em Gran Turismo. Eu, por outro lado, ficava feliz em jogar qualquer jogo que fosse baseado em animações da Disney. Um abraço para Toy Story 2: Buzz Lightyear to the Rescue (N64/PS).
Se, por um lado, eu fui apresentado ao mascote da Nintendo ainda novinho, não posso dizer o mesmo do mascote da Sony naquela época. É claro que eu não passei minha época de PlayStation 1 sem nunca ter jogado algo relacionado a Crash Bandicoot. Experimentei as fases Orient Express e Makin' Waves, de Crash Bandicoot 3: Warped (PS/PS4) em uma locadora perto de casa, mas meu foco era apenas aproveitar algo que eu achava diferente, e aquelas fases me passavam uma boa sensação apesar de eu nunca as ter concluído. Também gastei uma parcela grande de tempo com Crash Team Racing (PS), principalmente perdendo para meu irmão, além de meu primo e prima.
Conforme eu fui crescendo e minhas prioridades de escolha do que jogar se modificando, Crash Bandicoot ficou para trás. Seus jogos não me chamavam atenção, a não ser que fossem de corrida e com karts, então era tranquilo para mim optar por God of War (PS2/PS3) e Black (Multi), já com um PlayStation 2 na estante. Eis que, em pleno ano de 2017, com um PlayStation 4 todo “modernoso” ao meu dispor, Crash Bandicoot resolve chamar minha atenção com o lançamento de Crash Bandicoot: N’Sane Trilogy (PS4). “Meu Deus do Céu, vou comprar sem dúvidas. Olha esses gráficos!” — decidi em pensamento. E assim o fiz.
N. Sane Trilogy é uma compilação dos três primeiros jogos da série lançados para PlayStation 1 (Crash Bandicoot, Crash Bandicoot 2: Cortex Strikes Back e Crash Bandicoot 3: Warped), com gráficos totalmente refeitos para aproveitar ao máximo o poder gráfico da geração atual de console. Tenho muito apreço por primor gráfico, e isso foi o que me conquistou em N. Sane Trilogy. Era como jogar uma animação Pixar de primeira qualidade. Até mesmo os pelos de Crash são bonitos.
Tudo viria a se tornar frustração: Crash Bandicoot ligado, e, já na primeira fase, N. Sanity Beach, minha primeira morte. Segui em frente, pensando que era apenas um erro de cálculo na hora de pular. Então morro para um caranguejinho, e então em outro abismo, para enfim completar a fase. Defini o jogo como desafiador em um primeiro momento. Segui jogando, e o game parecia ficar cada vez mais difícil a ponto de me fazer desgostar do que eu estava fazendo. Seja montando um javali em Hog Wild ou tentando não cair junto com os pedaços da ponte de Road to Nowhere, eu já estava me sentindo cansado, amargurado, triste e com vontade de chorar, principalmente por eu ser uma pessoa relativamente “mão de vaca” e ter desembolsado uma bela quantia em algo que me deprimia. Pensei em diversas divindades ao longo das minhas sessões de jogo, apesar de só ter chamado em voz alta o nome de Jesus. Minha conclusão foi: esse jogo não é de Deus!
Eu não fui criado para jogos masoquistas ou com uma curva de dificuldade muito elevada, eu admito. Terminei jogos recentes em dificuldades elevadas, mas tais dificuldades são “artificiais”, pois não são as dificuldades originais propostas ao jogador. Crash Bandicoot é difícil em sua natureza. Estranhamente, a sensação mais frequente ao terminar uma fase era de alívio. Não havia sensação de recompensa. Para mim, o game acaba sendo difícil apenas por ser. Eu prefiro mil vezes ter de encarar Dark Souls 3 (Multi) ou Bloodborne (PS4) novamente e sem bons equipamentos do que jogar Crash mais uma vez
Não cheguei a ter tantos problemas com as duas sequências. Pareceram um pouco mais fáceis do que o primogênito da franquia, ajudando assim a amenizar minha frustração. Meu foco após a experiência com Crash Bandicoot foi apenas terminar os outros dois games. Eu abandonei o primeiro em sua penúltima fase e não me orgulho disso, mas hoje estou mentalmente saudável. Parcialmente, pelo menos.
Se eu disser que Crash Bandicoot é um jogo ruim eu estaria mentindo. Mesmo com um ódio profundo em meu coração direcionado à dificuldade do game, é inegável que o game tem suas qualidades como um jogo de plataforma. Mas o fato é que não é um jogo voltado para mim. Fui influenciado pelo infame hype e atraído pela beleza gráfica, ficando com um olhar atordoado e desatento, deixando de lado outros elementos que poderiam ter me ajudado a decidir evitar o game e, consequentemente, prevenir todo o estresse que me foi causado de forma não-intencional. Talvez eu seja mesmo de uma geração “leite com pêra”, ou qualquer expressão que você queira usar para definir meu desgosto com jogos extremamente difíceis. Não irei rejeitar rótulos.
Por tudo que passei, e toda a diversão que não tive, eu deveria ter deixado Crash Bandicoot apenas em minhas memórias de locadora. Ao menos não teria criado em mim a gratidão pelo marsupial não ser mais o mascote da Sony.
Revisão: João Paulo Benevides