Análise: Blood Bowl 2: Legendary Edition (Multi) vicia até quem não liga para futebol americano

Desenvolvido pelo estúdio francês Cyanide, o título licenciado de um jogo de tabuleiro é uma grata surpresa para quem tiver a paciência em relação à sua aleatoriedade e extensão das partidas.

em 17/09/2017

Antes de tudo, acho que seria honestidade ressaltar que eu não estou nem aí para futebol americano. Eu entendo pouquíssimo disso (só o suficiente para saber como funciona) e, não julgando ninguém, acho uma palhaçada todo fevereiro que, do nada, uma quantidade esmagadora de conhecidos meus se torna, repentinamente, especialista no assunto por conta da final do Super Bowl, como se eles tivessem acompanhado o campeonato todo.



Também pouco me importo com Warhammer. Apesar de jogar RPG de mesa e ser fascinado por elementos de fantasia clássicos, como orcs, goblins e elfos, eu nunca joguei qualquer game que carregue tal marca, especificamente. Em tempo, também não joguei a primeira versão de Blood Bowl, lançado originalmente para PC (e, posteriormente, para DS, X360 e PSP), muito menos a versão standard do Blood Bowl 2.

O motivo de eu ter pegado Blood Bowl 2: Legacy Edition para jogar e analisar, porém, é o fato de eu achar que a fusão de elementos de fantasia com futebol americano é um conceito extremamente bobão. Digo bobão de uma maneira positiva, aquela ideia boçal demais para ser verdade, mas que com certeza é engraçada. Também fiquei muito interessado pelo fato de não ser um jogo de esporte propriamente dito, mas um jogo de estratégia em turnos, tal qual Fire Emblem ou Disgaea, gênero que me agrada bastante e com o qual já tenho certa rodagem e intimidade.

É importante lembrar também que estamos analisando uma adaptação digital de um jogo originalmente de tabuleiro que existe desde 1986. Aqui, por incrível que pareça, eu já demonstro alguma familiaridade porque tenho um board game parecido, chamado BattleBall, no qual os jogadores, em vez de criaturas fantásticas, são ciborgues e robôs. Ter boas lembranças do BattleBall foi também algo que chamou a minha atenção em Blood Bowl.



O fato de avisar que Blood Bowl é um jogo de tabuleiro é de vital consideração porque todo o gameplay do título é uma reprodução do mesmo. Dessa forma, a jogabilidade toda se baseia praticamente na rolagem de dados, além de regras complexas e específicas que, assim como vários desses board games, precisam de uma revisada pontual nas regras de tempos em tempos dentro de uma mesma partida.

Contextualizando a campanha principal, o jogador é um técnico de um time de humanos, chamado Reikland Reavers, que passou por maus bocados e precisa voltar à sua antiga glória. O que pode parecer simples e batido, na verdade, envolve todo um plano pernicioso do patrocinador do time. Além disso, algo realmente agradável são as figuras do Jim e do Bob, os narradores responsáveis pelas partidas e que costumam fazer pequenas introduções a respeito do time adversário e do contexto de cada jogo. Jim é um eloquente vampiro responsável por fazer as narrações de forma propriamente dita. Bob, por sua vez, é um ogro ex-jogador cujos principais comentários são a respeito do quão violentas as partidas devem ser. Dois personagens que tinham tudo para ser irritantes com seus comentários frequentes, mas, para mim, foram a cereja do bolo que impediram que o game se tornasse genérico e ganhasse personalidade.

Como já constatado, o gameplay prático repete a jogabilidade dos Blood Bowl de mesa. O estádio é um tabuleiro e os jogadores são os peões, cada um com sua determinada característica. Assim como um zagueiro no futebol é responsável por solidificar o sistema defensivo ou o centroavante é o principal responsável por enfiar a bola na caixa, os jogadores do futebol americano e, consequentemente, do Blood Bowl, têm cada um suas funções.

Os jogadores humanos em Blood Bowl 2 dividem-se entre os catchers e throwers (responsáveis por agarrar e arremessar a bola, respectivamente), os blitzers, jogadores de velocidade que conseguem percorrer mais espaços no tabuleiro, os ogres, responsáveis pela porradaria e os linemen, jogadores equilibrados que auxiliam a tática de forma diversificada. Válido ressaltar que cada raça vai ter seus variantes próprios dessas funções básicas.



Dado o apito inicial, cabe a um dos lados arremessar a bola para o lado oponente, que irá pegá-la e seguir em direção à end zone. Esse lado, sem a bola, tem como função roubá-la e fazer o próprio touchdown. São dezesseis turnos divididos em dois tempos. A cada turno, o jogador pode correr um determinado número de casas, atacar um oponente que esteja em um espaço vizinho, pegar a bola que esteja no chão e passá-la a alguém em uma casa próxima. Uma vez por turno, um único jogador pode avançar contra outro que esteja mais longe e atacá-lo no intuito de derrubá-lo. Além disso, caso esteja com a bola, pode arremessá-la para alguém longe. No começo do segundo tempo, o lado que deu o chute inicial no primeiro recebe a bola e o jogo começa mais uma vez.

O fato de Blood Bowl 2 simular um jogo de tabuleiro envolve a utilização dos dados e probabilidade para realizar as ações. Precisa passar por um espaço cercado com os jogadores adversários? Há uma porcentagem que indica a chance de tal ação ser um sucesso ou não. Vai arremessar a bola em direção a um companheiro de equipe? Outra porcentagem. O outro jogador vai agarrar o arremesso? Mais uma probabilidade numérica a ser levada em consideração. Pegar a bola do chão e correr um pouco mais do que a quantidade padrão de casas permitidas para o jogador também exigem esse tipo de teste de sorte.

A rolagem de dados se faz presente na disputa direta entre os peões. Quando o conflito é iniciado, um dado aparece rolando na tela e indica a ação sorteada, que pode ser um empurrão simples para uma casa subjacente, derrubar o inimigo, ser derrubado por ele ou ter os dois jogadores envolvidos no lance (quem ataca e quem defende) levados ao chão. Cada vez que alguém é derrubado de alguma forma, ele tem uma chance de ficar atordoado, o que significa ficar um turno extra estirado no campo, ou ainda se contundir, quando ele é literalmente removido do jogo.

O que, num primeiro momento, chega a ser interessante, num segundo passa a incomodar, visto que Blood Bowl 2, então, é um título completamente dependente do RNG (random number generator), deixando a estratégia do técnico-jogador para escanteio, já que depende muito da sorte conseguir tirar resultados válidos nos dados. Acredito que muitas dessas ações poderiam depender de atributos dos peões em vez da rolagem de dados.



Sabendo disso, o as partidas perdem fluidez. O que poderia ser, perdão pelo trocadilho, uma bacia de sangue, vira um jogo de paciência, já que logo percebe-se que a melhor forma de vencê-lo é justamente retrancar para evitar um deslize fatal por conta da aleatoriedade. É claro que é possível fugir dessa disputa de nervos ao escolher um time completamente bruto e capaz de contundir absolutamente todos os jogadores do oponente no intuito de fazê-los ficar fora da partida e, assim facilitar os touchdowns, mas qual seria a estratégia aí? O ideal seria balancear esses dois lados.

O título começa a ficar ainda mais maçante quando cada partida leva meia hora ou mais. O jogo, então, poderia ser um pouco mais enxugado nas mecânicas a fim de tornar a jogatina mais curta, mas também mais dinâmica. Uma boa solução, talvez, seria até mesmo deixá-lo durar os mesmos dezesseis turnos em duas etapas, mas encerrá-lo caso algum dos jogadores marque duas ou três vezes antes desse tempo terminar. Uma jogabilidade mais rápida estimula o indivíduo a jogar mais e o gameplay deixa de ser inchado a ponto de cansar já na segunda partida.

É válido ressaltar que, além do modo campanha com os humanos do Reikland Reavers, é possível criar seu próprio time, escolhendo os jogadores dentre uma infinidade de raças disponíveis, emblema, estádio e cor do uniforme. Tal equipe pode ser usada em partidas amigáveis, ligas personalizadas e jogatinas online, que é provavelmente o modo mais difícil de jogo, visto que aqueles que decidem dedicar seu tempo ao Blood Bowl são justamente aqueles jogadores técnicos de alto nível. Minhas partidas online foram, tranquilamente, comparáveis às de um jogador novato de DotA em seu primeiro jogo contra um oponente veterano aleatório. Por mais que eu já conhecesse apropriadamente as mecânicas, é nítido que meu adversário já tinha anos de prática, provavelmente vindos tanto da versão regular do Blood Bowl 2 (lançada em 2015) quanto do jogo de tabuleiro.



A versão regular, aliás, acredito que não seja tão interessante quanto essa Legacy Edition, porque, pelo que li, ela não conta com o modo campanha individual e era bem mais escassa na questão da personalização dos times, além de dispor de bem menos raças na hora de montar a sua equipe.

Ainda assim, vejo o título como uma surpresa interessante. Por ser um título licenciado, eu acreditava que ia me deparar com um produto de gameplay porco e feito às pressas, desses que são mais um caça-níquel para tirar dinheiro dos fãs da marca do que, de fato, se propor como um game independente. Consigo até dizer que fiquei um pouco mais interessado pelo futebol americano propriamente dito. Se bem que sem a sanguinolência dos orcs, trolls, elfos negros e outras criaturas mágicas não vai ter graça nenhuma.

Prós

  • Conceito brilhante;
  • Adaptação competente de um produto licenciado;
  • Jogo com carisma próprio.

Contras

  • Muito dependente do RNG;
  • Partidas muito extensas;
  • As raças são desequilibradas entre si.
Blood Bowl 2: Legendary Edition — XBO/PC/PS4 — Nota Final: 8.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Ana Krishna Peixoto

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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