Esse é Little Nightmares (Multi), a história de uma criança que se vê perdida em um de seus pesadelos e precisa fugir dali. Aqui você verá terror psicológico, agonia, euforia e vários outros sentimentos traduzidos em algumas poucas horas de jogatina, que por sinal, é bastante cativante.
Six e a jornada por The Maw
O enredo da história nos coloca no corpo de Six, uma garota que acorda em uma espécie de navio onde todas as almas são corrompidas e os seres que o habitam, em sua maioria, buscam crianças para se alimentar. Exatamente, as monstruosidades grotescas que habitam o grandioso The Maw buscam crianças para saciar sua incontrolável fome. Six então precisa fugir do local e evitar que seja comida viva.Aqui temos uma narrativa muito interessante pois, em uma sensação que lembra bastante o início de The Legend of Zelda - Breath of the Wild (Switch/Wii U), encarnamos a pequena garota faminta de nove anos e assim começa o jogo. Não tem uma introdução significativa e nem um tutorial extenso acerca do que precisamos fazer. Acordamos em um quarto sujo e escuro, com um isqueiro e a nossa capa de chuva e é isso.
Daí a narrativa do jogo já cativa pois exploramos o local bem como a própria Six o faz, estamos perdidos e, ao mesmo tempo, explorando tudo que conseguimos. O visual macabro construído através da Unreal Engine 4 complementa o tom dramático e agoniante da aventura. Mas a cereja do bolo é, sem dúvidas, a excelente trilha sonora que nos momentos certíssimos nos dá picos de tensão e mistério.
Ótimas interações com o ambiente
Um fator que agrada muito na jogabilidade aventuresca de Little Nightmares é a interação constante de Six com o ambiente ao seu redor. Pequenos detalhes como latas em um canto ou cacos de vidro no chão influenciam a movimentação da personagem, geram sons que interferem no jogo e são passíveis de serem usados para facilitar ou dificultar a aventura de várias formas.Essas interações são exploradas também em puzzles de buscar chaves, girar manivelas, encontrar partes perdidas de travessias e até ao pular plataformas ou abrir portas. Esses elementos traduzem outro fator interessante da visão infantil, a qual é bastante explorada pela narrativa do jogo. Six raramente alcança maçanetas de portas ou interruptores em paredes sem o auxílio de objetos ao seu redor; isso faz uma ponte entre o jogador e sua memória, remetendo à época em que todos usavam cadeiras e caixas (ou até gavetas) para alcançar pontos inalcançáveis de um determinado cômodo.
O game explora exatamente essa inteligência criativa e observadora do jogador, usando jogos de luz e sombra para deixar soluções em destaque no ambiente sem que estas sejam óbvias demais. O título, assim, é passível de ser jogado por qualquer um sem problemas muito sérios, mesmo que o enredo tenha algumas cenas mais pesadas, principalmente em cenários como o da cozinha ou o do restaurante.
Terror psicológico de primeira
Antes de mais nada, vamos deixar bem claro o que é um terror ou horror psicológico e qual a diferença dele para outros gêneros de terror tanto em games como em livros ou filmes. O horror psicológico é um gênero de criação de histórias que se diferencia de outros tipos de terror principalmente pelo seu foco na vulnerabilidade da mente humana. Esse gênero não é focado exatamente em sustos, sangue ou nojo. Mas sim em induzir o medo e a agonia no espectador.Little Nightmares, nesse sentido, demonstra com maestria como fazer um terror psicológico de primeira. Usando recursos excelentes de som e imagem, o jogo de traços simples expressa um ar de horror constante e sutil, que ao caminhar da aventura incomoda cada vez mais o jogador. O jogo usa artifícios sempre vinculados ao terror infantil como camas com locais escuros próximos, sombras nas paredes, movimentações estranhas, canções cantadas ao longe, membros compridos, expressões exageradas e falta de sentido em alguns momento.
Tudo, é claro, muito bem encaixado e proposital para incomodar no ponto certo. Não tendo nenhuma cena apelativa ou focada em violência excessivamente explícita, o jogo consegue causar agonia em quem o joga sem cenas horripilantes no exato sentido do termo. Uma cena específica traduz bem a aura que o jogo passa: em um corredor repleto de portas, todas elas possuem um visor de vidro no topo, que ilumina o corredor à frente. A resposta mais comum dos jogadores é passarem com extrema cautela pelas portas, aparecendo objetos do outro lado ou não.
Esse comportamento expressa muito bem o efeito do terror psicológico nas pessoas. A aura do enredo e, nesse caso, da jogabilidade, causa uma sensação de pavor tão sutil que o jogador age com extrema cautela, tendo um perigo à frente ou não, pois a sensação que se tem é que o perigo espreita a qualquer momento em qualquer ponto da exploração. E é muito bacana ser afetado assim por um jogo.
Ótimos desafios, mas nada é perfeito
Outro ponto muito positivo do game é a sua curva de aprendizado vinculada ao nível de desafio que ele proporciona. Como dito anteriormente, com pouquíssimas instruções, o jogador prova suas habilidades jogando, e esse é o principal carisma do jogo. Além disso, o nível de desafio é adequado e nem um pouco punitivo. Aqui, não é a perda de níveis ou itens que faz o jogador não querer morrer, mas sim a aura de terror que o jogo carrega do início ao fim, a qual funciona muito bem.
Entretanto, como nem tudo são flores, a versão para PC de Little Nightmares possui problemas no quesito controles. Se o jogador optar por utilizar o tradicional teclado e mouse para controlar Six em suas aventuras, enfrentará alguns problemas principalmente relacionados aos comandos de correr, deslizar e agarrar objetos. Isso se dá pois em alguns momentos é preciso carregar objetos, correr, subir e deslizar de forma muito rápida. Entretanto, com comandos muito separados, fica complicado juntar todas essas ações em uma sequência rápida e eficiente. Acredita-se que esse problema não se repete nas versões para consoles, uma vez que os comandos estão todos distribuídos no controle.
Além disso, outro fator pode ser visto como um defeito para o game: sua duração. Assim como Limbo, Little Nightmares é bem curto, sendo passível de ser completado de primeira em pouco mais de duas horas. Mas não pensem que o jogo é preguiçoso ou incompleto por conta disso. Na verdade, enquanto joga, você acompanha as aventuras de Six e encontra no final uma resolução bem interessante para a história, mesmo que esta tenha sido muito breve.
Mesmo que breve, uma ótima experiência
A brevidade de Little Nightmares serve não para frustrar o jogador, mas sim para dar um gostinho de quero mais. Se a Tarsier Studios pretende fazer uma continuação, talvez dependa dos sucesso do game, mas isso não estraga a sua experiência em momento algum. Outras experiências breves também são brilhantes e podem ser citadas aqui, como o caso do já falado Limbo e do brasileiro Toren (PC/PS4).
Little Nightmares entra para esse grupo seleto de games independentes que conseguem em algumas horas afetar o jogador de tal forma que outros jogos com 20 ou 30 horas de duração não conseguem. Os pesadelos infantis nos afetam e remetem inclusive aos nossos comportamentos de criança, como a curiosidade e até a coragem, mas também o desespero e o desamparo. Cuidado, pois a agonia constante pode cativar de uma forma quase que inexplicável.
Prós
- Ambientação macabra muito bem construída;
- Trilha sonora excelente aumenta a aura de terror;
- Comandos instintivos e bem sintonizados;
- Interações com o ambiente estimulam a criatividade;
- Nível de dificuldade acentuado gera boa sensação de desafio;
- Curva de aprendizado adequada e bem estruturada;
- Narrativa de terror psicológico bem construída;
- Visual interessante que abusa das impressões infantis;
- Puzzles inteligentes que cobram percepção e inventividade.
Contras
- Curta duração do jogo pode desagradar alguns;
- Usar os controles no computador não é tão confortável às vezes.
Little Nightmares — PC, PS4, XBO — Nota: 9,5
Plataforma utilizada para análise: PC
Revisão: Luigi Santana