Análise: Alone with You (Multi) te entrega uma maçante luta pela sobrevivência

Jogo confirma como uma bela arte e temática sci-fi não podem garantir, sozinhos, uma boa história e engajamento do jogador.

em 06/03/2017

Olhar para Alone with You pela primeira vez dá uma sensação de que o jogo é bonito (de fato), interessante e envolvente. A atual alta por indies não deixa o game passar reto sem ser admirado. Jogar Alone with You é outra experiência que demonstra como as sensações são passageiras. Ele é bonito, talvez interessante (até as primeiras quatro horas), e no final você entende que esse "envolvente" depende muito de sua natureza como gamer. Desculpe-nos, desenvolvedores, mas arte, referências a Star Trek e história misteriosa diante de monólogos de personagens não fazem de seu jogo menos maçante.

Eu, a patroa e os hologramas

A história de Alone with You não beira ao irreal. Na verdade, ela pode ser bem contemporânea: com a Terra em decadência, os humanos estão tentando tornar os planetas habitáveis para sua própria espécie. Levando em conta que hoje sempre há notícias sobre a NASA encontrando um novo planeta de características semelhantes ao nosso, realmente, pode faltar só uns anos para Alone with You torna-se real. Mas é bom esperar que não.

Alone with You conta a história de um grupo de humanos que foram enviados a um planeta, para instalarem setores importantes, como de mineração, agronomia, comunicação e engenharia. Porém, tudo saiu do controle a partir de uma catástrofe. Uma imensa fenda foi aberta dentro do perímetro humano, causando um terremoto imenso. O setor de agronomia foi invadido por uma praga, as minas ficaram ultra radioativas, a central de comunicação recebeu diversas falhas e isso fez com que a Inteligência Artificial perdesse o contato com as pessoa da engenharia, abandonadas. Com um desastre desses, as estruturas físicas não foram as únicas a serem atingidas, mas também as humanas, e o jogo foca em mostrar a reação das pessoas em meio ao caos.

Você é um astronauta enviado da Terra para esse planeta, mas percebe que está tudo destruído. Ao chegar na Colônia, é recebido pela IA, um sistema desenvolvido para servir de companhia aos humanos e, ao mesmo, tempo ajudar no gerenciamento do projeto, garantindo-lhe acesso a tudo. Ela te conta um pouco sobre o evento da fenda e anuncia que o planeta tem, no máximo, três semanas até sua destruição. Porém, existe ainda uma nave de fuga, que sozinha não basta para te levar novamente à Terra, e você não tem conhecimento necessário para se virar. Assim, a IA decide recriar fielmente os diretores das áreas de agronomia, comunicação, mineração e engenharia em forma de hologramas, e é graças a isso que você terá a ajuda deles sempre que necessário.

É interessante como, na verdade, os hologramas são uma espécie de backup, a versão mais recente que a IA teve acesso, e eles não sabem o que exatamente aconteceu, não sendo suas memórias suficientes para se lembrarem do momento de suas mortes. Conversar com essas personagens é, de certa forma, envolvente. Há muito o que se descobrir sobre a catástrofe e no meio de tudo você acaba sabendo um pouco sobre cada um deles, como a Leslie Bharadwaj, diretora do setor agrônomo. Esta desabafa sobre sua dificuldade em ter que liderar pessoas tão complexas, que, com os problemas internos causados pela fenda, só foi confirmado como ela prefere lidar com plantas do que com pessoas. Porém, todo o seu interesse pelos hologramas começa a desandar ao longo do jogo.

Déjà vu? Sim, aconteceu ontem mesmo

Como diz a música Duas Cidades de Baiana System: Todo dia acorda cedo pro trabalho / Bota seu cordão de alho / E segue firme pra batalha. A vida do astronauta é uma rotina dura e o que se esperar de uma? Com o passar do tempo, ela fica tediosa e você quer mudar, mas em Alone with You não pode! A linha do jogo é fixa e clara: acordar às 6 da manhã, ir visitar a IA — ela diz que você deve ir a uma das 4 áreas disponíveis. Indo lá a tarefa é praticamente sempre a mesma: procurar itens pelo ambiente, quando achar o que quer pode voltar para casa, sincronizar os dados com a IA, ir cochilar, ser acordado no meio da noite pela IA para conversar com o respectivo holograma-diretor da área e depois voltar para a cama.

Quando já se visitou todas as 4 áreas e falou com todos os 4 personagens, o jogador tem uma esperança de que a rotina já extasiada mude e um novo desafio apareça para mudar o rumo do game. Pena que não. Na realidade, esse exato cotidiano se repete três vezes, com somente uma visita a uma área diferente e que não agrega muita diferença ao plano linear e sem mudanças da narrativa.

As missões são sempre as mesmas, recolher objetos, o que faz do jogo ser basicamente um point & click. Porém, alguns elementos são colocados para não deixar a experiência tão repetitiva, como portas com senhas que precisam descobertas e pistas sobre o que aconteceu naquele ambiente. Você poderá encontrar coisas como folhas de um pequeno livro escrito pela diretora de comunicações em que ela joga toda sua infelicidade e depressão nele através da história, ou também indícios de conturbadas relações internas, caso do diretor de engenharia que em meio ao desastre decidiu por abandonar sua equipe e há vários relatos nos cenários do descontentamento e a sensação de abandono vinda dos membros.

Apesar disso, a repetição é inevitável, são tantos objetos que precisam ser pegos, tantas coisas para ler e tudo num mesmo objetivo que nunca muda realmente, que acabam por anular qualquer impacto desejado que a narrativa queira causar, pois o jogador já está tão cansado que não consegue ser surpreendido. Essa sensação é terrível. Sempre que algo "grande" é revelado na história, você se sente péssimo por não poder ficar animado com aquilo, porque você está sempre sendo arrastado para a mesma direção.

Conversar com os hologramas perde seu brilho depois da primeira semana. Os diálogos não são exatamente dinâmicos, logo, dando para perceber que suas respostas mudam pouco o comportamento do personagem em questão. As conversas viram sabatinas sobre o que você viu na área que acabou de visitar, e até mesmo monólogos em que sua maior participação é falar frases como "eu acho que sim", "você está errado" ou até mesmo "...". Entristece ver como a desejada narrativa centrada em personagens profundos se perdeu justo em seu maior foco.

A graça de uma arte relaxante

Com certeza, a arte é uma parte que foi levada muito em consideração na produção de Alone with You. Os gráficos em 16-bits foram inspirados nos jogos do Sega CD, desde as cores até as cutscenes. Os cenários são bem trabalhados, com vários detalhes que chamam a atenção, nada está exatamente lá por acaso. A sensação de caos é passada com fidelidade. Há corpos espalhados por todos os ambientes, vítimas de desastres, e não somente amontoados por aí, pois eles passam a sincera impressão de dor ou paz da morte. O máximo de seus detalhes vem quando a tela mostra elementos de perto, como o rosto dos hologramas, dando para notar a sombra de seus contornos, a mudança de tons de cor do cabelo, a barba malfeita e o sentimento concreto das expressões. O trabalho é primoroso, ainda mais quando alinhado com a trilha sonora.

O soundtrack é muito agradável e ajustado à proposta visual. As músicas não mudam muito, mas esse quesito não é negativo, porque de tão bem-feitas e encaixadas nos ambientes ideais, elas ficam no fundo, de modo bem suave e natural que chega a ficar imperceptível sua repetição em vários momentos do jogo. A arte de Alone with You foi um belo acerto.

Porque não vou dar menos que seis

Apesar de todos os problemas que apontei de Alone with You, o jogo não merece uma nota menor que seis. A história é, de certo modo, cativante, se você resistir à toda repetição para conferir até o final. Os personagens podem chamar sua atenção por seus sentimentos únicos. A solidão que até o título do jogo dá a ideia é real e concreta; o próprio jogador se sente sozinho, só na companhia de ilusões tecnológicas tentando preencher um vazio humano. As missões, apesar de cansativas de tão semelhantes, são produzidas com um intuito sincero de dar mais do que puzzles ao jogador, que pode, em meio a tanta coisa para procurar e resolver, ter momentos de mais interesse sobre a história por trás da história.

A arte é primorosa em seu estilo, só restando críticas positivas a ela. Dá a mesma sensação que indies como uma mistura da empolgação de Hotline Miami com a calmaria de Minecraft, tão bem inserida que sua naturalidade se faz graciosamente sincronizada.

Mesmo assim, não dou ao jogo mais do que 6. Tenho consciência de que todo o que cansaço que o game causa é o bastante para não destacar seus pontos positivos, pois eles estão submersos em problemas de reprodução que exaustam bastante quem tenta ir adiante. É lastimável dar uma nota tão mediana a uma produção que deveria valer mais do que isso.


Prós

  • Arte envolvente;
  • História sci-fi "próxima" à atualidade;
  • Missões com diversos elementos narrativos;
  • Falsas interações sociais que comprovam a solidão;
  • Personagens profundamente construídos.

Contras

  • Jogo cria uma rotina cansativa;
  • Diálogos pouco dinâmicos;
  • Missões de objetivos semelhantes;
  • Narrativa longa demais e não consegue causar surpresas.



Alone with You — PC, PlayStation 4 e PlayStation Vita — Nota: 6


Revisão: Jaime Ninice

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.