Análise: Dead Synchronicity: Tomorrow Comes Today (Multi), poder e sobrevivência

Com um mundo instigante e bom enredo, o adventure traz uma execução que agrada na maior parte do tempo.

em 03/11/2016
Dead Synchronicity segue o estilo dos adventures clássicos, o que coloca a solução de puzzles como um aspecto central do jogo. Além dessa questão mecânica, o título também tem como algo muito importante a construção de seu enredo, principalmente através do contato com os personagens e do desenho que vai se formando do mundo em que estamos. E tanto a história como os puzzles são desenvolvidos de forma agradável durante a maior parte da experiência.


A narrativa chama atenção desde o começo. Acordamos em um mundo desconhecido por nós e pelo protagonista, que está sofrendo de perda de memória. Nos primeiros minutos precisamos conversar com habitantes do acampamento para entender um pouco melhor o contexto. Um grande evento aconteceu, destruindo boa parte do mundo e trazendo enfermidades para as pessoas. Em pouco tempo as instituições foram se deteriorando, e os Estados, facções e empresas foram substituídos por outros focos de poder. Os recursos são escassos, assim como as informações.

É por conta desse evento que nosso personagem está com amnésia, e também o motivo pelo qual está em um acampamento para refugiados. Rapidamente entendemos que o lugar está muito mais para um campo de concentração do que para um foco de ajuda humanitária. E é vendo uma ação extremamente violenta por parte dos militares da cidade que entra um importante personagem que nos coloca algo que guia boa parte da experiência: “você tem que fazer o que tem que fazer”.

Dead Synchronicity possui um enredo interessante, que tem como norte a necessidade do Michael (o protagonista) de descobrir quem foi e o que está acontecendo, mas que se desdobra na construção de um mundo no qual as relações sociais estão mais diretamente ligadas à ideia do “faça o que tem que ser feito”. A primeira parte do episódio traz mais encontros no quais realmente acreditamos que podemos ajudar os outros.


Ajudar os outros, nesse mundo, vai te levar apenas até um certo ponto, e aí entra a segunda parte da história, aquela em que é necessário compreender que em um mundo sujo e violento, é necessário sujar as mãos e agir de forma violenta para fazer o que precisa ser feito. É interessante como os encontros e diálogos com os outros personagens permeiam e constroem esse processo.

Os primeiros objetivos do jogo são justamente centrados em ajudar alguém para poder prosseguir: consiga um passe para sair do campo e ir até a cidade para poder procurar um remédio para um garoto e então saber mais sobre seu passado. A coisa muda de figura mais para frente, com você ajudando pessoas imorais para conseguir seus objetivos, a despeito do resultado disso.

É claro que existem pontos chave na história que fazem com que essa diferença faça sentido, e é interessante ver como os diálogos, a relação com os personagens e os puzzles acontecem de maneiras um pouco distintas. Dead Synchronicity constrói esse mundo horroroso e opressivo através do desenvolvimento de sua história, e complementa essa criação com a utilização de um aspecto visual que casa bem com a temática.


Também é interessante como o jogo vai criando os diferentes tipos que habitam o mundo: os ratos são os que moram no acampamento de refugiados, pessoas que podem ter ou não a doença dos dissolvidos (que te faz explodir em algumas semanas); as toupeiras são aqueles que deduram os dissolvidos para o grupo militar, ganhando assim alguns privilégios como ir para a cidade; e os porcos são os militares, que detém o poder das armas e agem de maneira violenta.

Eles vão sendo apresentados por contato direto com personagens, mas também por situações que os situam como grupos sociais definidos ao longo do enredo. Michael, a princípio, não faz parte de nenhum desses três tipos, e nem do grupo de caçadores (pessoas ligadas ao mercado negro e com algum poderio militar).

Michael está sozinho, e possui apenas sua inteligência para ir seguindo em frente. E aí entram os atores mais odiados e amados dos adventures, os puzzles. Dead Synchronicity faz um bom trabalho ao conectar o desenvolvimento do enredo com criar uma clareza nos objetivos de Michael. Sempre é bem claro quais são os objetivos em curto e longo prazo, fazendo com que nunca nos sintamos perdidos ou realizando um quebra-cabeça apenas por sabermos que é o que vai nos fazer seguir adiante. Também não é necessário ficar caçando objetos de interação aqui, já que é possível alternar rapidamente entre eles de forma mais automática (o que é interessante para a adaptação aos consoles).


Ele é bastante linear, no sentido em que não nos dá múltiplos objetivos ao mesmo tempo, o que pode ser um problema quando se empaca em algo, e pelo fato de haver apenas uma solução para cada problema.  E ele costuma fazer um bom trabalho em dar pistas e sinais, o que também acontece de mãos dadas com a criação da atmosfera e dos personagens. Infelizmente em alguns momentos ele falha em sinalizar algumas coisas, quebrando alguns puzzles e frustrando a experiência, o que aconteceu duas vezes durante a jornada.

Dead Synchronicity é competente em responder ao jogador, dar feedback. Isso é importante para que o puzzle, de certa forma, ajuda a se resolver. Isso acontece quando a tentativa de usar um item de traz um retorno do motivo pelo qual aquilo não vai dar certo, e não apenas uma resposta como “não quero fazer isso” ou “qual o sentido disso?”.

Isso tudo para dizer que o jogo traz alguns puzzles interessantes e até mesmo memoráveis, sempre aliados à construção do enredo e dos personagens, mas que também traz outros chatos, irritantes e sem inspiração. Isso também se relaciona um pouco ao desenvolvimento do enredo, que é absolutamente bem conduzido de forma geral, mas que tropeça em alguns desses problemas da jogatina e também em algumas opções de áudio que não casam bem com a ação que está acontecendo.


Mas o jogo também traz personagens e situações impactantes. Do pragmático Caçador ao pastor iludido, do soldado irritado com gatos ao pai de família que parece ser bom demais para sobreviver nesse mundo. Dentre tipos tão interessantes e críveis no contexto de DS, o destaque fica para Rose, uma delirante garota que é prostituída por dois homens patifes e que está no centro de alguns dos puzzles mais memoráveis do jogo, e também para Michael, o protagonista que ocupa um lugar bem peculiar nesse mosaico de indivíduos.

Todos aprendem, de uma forma ou outra, que é preciso fazer o que se tem que fazer. Que sobreviver e atingir seus objetivos em um mundo como esse é a única forma de viver. O mais importante é que Dead Synchronicity não mostra uma sociedade tão diferente da nossa, e os próprios caminhos do enredo nos mostram isso. O contexto pode não ser o mesmo, mas ele ainda é um contexto violento, individualista e covarde.


O jogo acaba em um momento de clímax na história, e seu final é tão aparentemente abrupto que só então descobri que o jogo foi dividido em dois. Parece muito mais uma decisão que teve que ser feita do que algo que tenha muito sentido com o que está sendo apresentado no jogo, o que acaba chateando um pouco, mesmo que o final do episódio consiga fechar bem algumas narrativas, apresentar novas situações e preparar para o próximo episódio.

Com execução boa de seus pontos principais (enredo e puzzles), Dead Synchronicity em vezes flerta com momentos memoráveis, em outras com situações problemáticas e frustrantes. Desenvolve, sobretudo, sua narrativa em direta relação com seus puzzles e personagens, trazendo uma interessante reflexão sobre os temas do poder, da moralidade e da sobrevivência.

Prós

  • Identidade visual bem definida e condizente com a temática;
  • Atmosfera e mundo bem construídos;
  • Personagens e interações interessantes;
  • A maioria dos puzzles agrada, sendo alguns destes empolgantes;
  • Boa adaptação para consoles, facilitando a transição entre objetos e pontos de interesse na tela;
  • Discussão de temas importantes através do desenvolvimento do jogo e seu enredo.

Contras

  • Alguns puzzles são frustrantes e mal construídos;
  • Efeitos sonoros e alguns momentos da dublagem parecem não casar com o resto do jogo;
  • Por ter sido dividido em dois, o final acontece em um momento de clímax.
Dead Synchronicity  —PS4/PC — Nota: 8.0

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