Sonic: hora de refletir e reconhecer sua importância

Analisamos o passado e o presente do personagem para entender a sua popularidade.

em 04/08/2016

Diferentemente do que muitos imaginam, a série Sonic é comercialmente uma das mais fortes do mundo dos games até hoje. Dificilmente um título da franquia não entra na casa das milhões de cópias vendidas e, até hoje, a série está no top 10 das mais bem sucedidas do universo gamer, com impressionantes 140 milhões de unidades vendidas. Para efeito de comparação, muitas séries clássicas contam com um número de vendagem desproporcionalmente menor. Resident Evil, por exemplo, possui 66 milhões de cópias vendidas, Mega Man conta com 30 milhões, Castlevania entra na casa dos 20 milhões, e assim por diante.

No entanto, devido a uma corrida pela popularidade que afeta jornalistas do mundo inteiro, em especial nos canais norte-americanos que buscam "cliques" para obterem uma maior audiência, estes acabam desenvolvendo textos que seguem a tendência do que o povo supostamente deseja ler, passando informações pela metade e induzindo o pensamento do leitor de forma errada. 

Por isso, muitos acreditam em coisas como "A SEGA está falindo" ,"A Nintendo está falindo", "A série Sonic é decadente", etc. Dizem que a casa do ouriço está falindo desde que ela parou de produzir hardwares em 2001, sendo que dificilmente uma empresa está em falência contínua por um período de 15 anos. 



A própria série Sonic ilustra bem este pensamento da "busca por cliques". Enquanto um jogo de inquestionável qualidade técnica como o Sonic Unleashed HD foi penalizado pelos canais do mundo inteiro, um título como Sonic 4 Episódio I que conta com baixo orçamento, poucas fases, músicas de qualidade duvidosa, pouca longevidade, gráficos medianos, pouca criatividade em relação aos cenários e chefes (além de uma física que deixa a desejar) foi mencionado pela mídia em frases como "finalmente a SEGA trouxe algo que preste", já que era o jogo que continuava a saga do Mega Drive. Não que este último não leve a diversão aos jogadores, mas, analisando a partir de uma visão mais técnica, o jogo poderia ter sido muito melhor. 

Com isso, podemos concluir que o problema da SEGA e da série Sonic não está no questionamento da qualidade de seus títulos, mas sim no seu prestígio. A imagem da empresa ficou manchada após a saída dela do ramo de consoles. Os jogadores mais fervorosos podem se sentir traídos até os dias de hoje ao verem a empresa, outrora tão presente na infância, lançando jogos para as antigas concorrentes como a Nintendo e a Sony. 

É evidente que a SEGA já lançou jogos ruins do mascote, isso é algo natural em uma franquia com 25 anos de existência. A série Mario também conta com jogos de qualidade questionável. Mas, tanto para o ouriço quanto para o encanador, esses jogos infelizes sempre foram uma minoria. 


Analisando os primórdios da série, Sonic é muito mais do que apenas velocidade

Resumir Sonic a "um personagem que corre" é, no mínimo, desconhecer a sua proposta.  A trilogia do Mega Drive possuia dois diferenciais no gameplay comparado a outros jogos da época: a velocidade e a física. Esta última pode ser considerada como, além de inovadora, fundamental para a indústria dos games, já que até então, não havia preocupação com esse aspecto. A física é facilmente perceptível nos jogos quando ganhamos velocidade descendo uma ladeira ou quando observamos o impulso necessário para passar por um looping.

Quanto ao level design, cada um dos jogos da trilogia original valoriza diferentes características: Sonic 1 foca nas sessões de plataforma com fases repletas de obstáculos e inimigos; Sonic 2 se baseia na velocidade apostando na linearidade, mas sem deixar de ter rotas alternativas; já Sonic 3&Knuckles procura um meio termo entre os dois anteriores, dando ao jogador a liberdade para escolher entre o caminho mais rápido possível ou a opção de explorar o cenário. O último game citado merece ainda um destaque, pois neste há três personagens selecionáveis, cada qual com habilidades individuais. Isso permite ao jogador acessar diferentes lugares dependendo do personagem escolhido, aumentando o fator replay e garantindo longevidade ao título. 

Apesar das características específicas, os três games possuem um sistema básico de level design que premia o jogador dependendo de suas escolhas: o caminho superior é o que conta com mais anéis e vidas, porém, também exige uma habilidade maior do jogador; o caminho do meio apresenta um nível de dificuldade médio, com obstáculos e anéis; já o caminho inferior (onde o jogador costuma cair acidentalmente) possui um número maior de obstáculos e inimigos.
Green Hill Zone ato 1: level design simples mas com caminhos que se dividem em diversos momentos.
O próprio Sonic 1 deixa claro que o mascote não é “apenas correria”, procurando valorizar os aspectos do gênero plataforma ao chegarmos na segunda fase: Marble Zone. Nesta, há diversos momentos em que você deve desacelerar, aproveitando o momento em que os espinhos estão retraídos para conseguir subir, pular em uma caixa e passar por uma sessão de lava, etc. Já Labyrinth Zone reforça ainda mais esta ideia, trazendo ainda uma fraqueza do personagem: não saber nadar. Ou seja, o desafio é dobrado, já que, além de perder a sua velocidade característica, ele ainda precisa das bolhas de ar para sobreviver. Isso traz uma certa variedade ao game e enriquece a experiência do jogador.

Seria possível citar diversos outros exemplos de boas mecânicas espalhados pelos três jogos, mas o fundamental é entender que cada cenário traz uma proposta: há fases de correria, outras de exploração, as que são pura plataforma, e por aí vai. Outro ponto a ser destacado é o posicionamento intuitivo dos inimigos e obstáculos. Assim, mesmo em alta velocidade você dificilmente será atingido de forma injusta, sendo possível prever a aproximação do perigo. 

É claro que não é só devido a riqueza da jogabilidade que os jogos são atemporais e lembrados até hoje. Sonic era destaque no Mega Drive também pelos gráficos, pela trilha sonora, pela criatividade aplicada nos temas das fases e nas engenhocas do Dr.Eggman e pelo alto fator replay com a coleta de Esmeraldas do Caos. Além de tudo isso, o desafio estava sempre na medida certa. 

Sonic apenas como jogada de marketing?

Sonic nasceu, de fato, visando o sucesso. O presidente da SEGA na época, Hayao Nakayama, queria criar um mascote para a empresa e um game que vendesse pelo menos um milhão de cópias. Uma competição interna entre os funcionários da SEGA foi realizada e o vencedor foi o ouriço azul desenhado por Naoto Ohshima. Após apresentar o conceito de como ele imaginava um jogo com aquele personagem, Nakayama convidou Yuji Naka para iniciar o desenvolvimento junto de uma equipe, acreditando em seu potencial como programador.

No entanto, é importante lembrar que Sonic não foi a primeira tentativa da empresa de possuir um personagem que a representasse. Flickie, Psycho Fox e Alex Kidd também foram candidatos, sendo este último o mais bem sucedido dos três. Mas, mesmo sendo bons jogos, nenhum deles conseguiu ter a mesma força da série Sonic. As razões para isso são debatíveis, mas dificilmente seria apenas pelo carisma do ouriço azul com seu rosto marrento. Podemos apostar que isso tem a ver com a qualidade da trilogia do Mega Drive. 


Cada personagem da série Sonic conta com legiões de fãs que pedem insistentemente a presença deles, não apenas do ouriço azul.
Vale dizer que a própria série Sonic provou que uma campanha de marketing e a força do personagem não são suficientes para salvar um jogo ruim de seu fracasso comercial. O Sonic 2006, inquestionavelmente o pior jogo da saga principal em termos técnicos, vendeu 1,5 milhão de cópias, considerado fraco para os padrões do azulão. O jogo anterior, Sonic Heroes, vendeu 6,11 milhões de cópias, enquanto Sonic Unleashed, mesmo criticado massivamente pela mídia,conquistou 4,95 milhões de cópias.

O argumento é reforçado por ambos os jogos de Sonic Boom, desenvolvidos pela SEGA Americana em parceria com empresas terceirizadas (Big Red Button e Sanzaru Games) com a proposta de ser uma sub-série. A empresa caprichou no marketing: o mascote ganhou uma série em gibi com a saga Boom, um novo desenho animado para a TV, pelúcias, brinquedos. A versão de pernas compridas do azulão estava em todas as partes. 

Mesmo assim, devido a baixa qualidade de ambos os jogos, o Boom: Rise of Lyric lançado para Wii U vendeu apenas 330 mil cópias, enquanto o Sonic Boom: Shattered Crystal para o 3DS vendeu 280 mil cópias. Além de serem pífios perto da força comercial da série Sonic, são mais fracassados ainda se observarmos o alto investimento da SEGA na campanha de marketing. Apenas a série de animação para a TV está sendo bem sucedida e alcançando ótimos índices de audiência nos Estados Unidos, mas isso ainda não foi o suficiente para fortalecer a venda dos jogos.

Sonic Boom recebeu um massivo investimento da SEGA e mesmo assim os jogos não foram um sucesso comercial.

Série decadente "nos últimos tempos"?

É muito comum vermos frases como "Sonic não é mais o mesmo dos anos 90", ou "a SEGA só tem lançado jogos ruins do mascote", ou "A safra de jogos ruins do Sonic". Porém, dificilmente vemos alguém citar estes jogos específicos. Mais raro ainda é essas pessoas explicarem ou detalharem o motivo para essa insatisfação.

A saga principal do Sonic conta com 11 jogos. São títulos desenvolvidos pela Sonic Team desde o Mega Drive: Sonic 1, Sonic 2, Sonic 3&Knuckles, Adventure 1, Adventure 2, Heroes, 2006, Unleashed HD (a versão SD de Wii e PS2 foi feita pela Dimps), Colors, Generations e Lost World. Todos eles foram bem recebidos em seus respectivos lançamentos, exceto dois deles: o 2006, que de fato é um jogo ruim do ponto de vista técnico; e o Unleashed HD, considerado pela maioria dos fãs e jogadores como um dos mais injustiçados da série.

Ou seja, dos 11 jogos apenas um é inquestionavelmente ruim. E, como podemos ver no tópico acima, foi o que vendeu abaixo do esperado e não caiu "nas graças" nem do público e nem da mídia. Já o Unleashed HD é um dos games mais populares da série, não só pelo número de vendas alcançado, mas também pela expressividade observada na comunidade de fãs e no público gamer, que deu uma chance ao título sem preconceitos. 
Sonic All Star Racing Transformed é um dos spin-offs mais bem sucedidos do mascote. Mesmo inspirado em Mario Kart, o título possui brilho próprio.
Contando com os títulos spin-offs ‒ que fazem o número de jogos ruins crescer ‒ e considerando que "os últimos tempos" se refere à úlima geração e a atual, podemos listar lançamentos:
  • Nos portáteis: Sonic Rush, Rush Adventure, Colors DS, Generations 3DS, Chronicles, Mario & Sonic (x2), All Stars Racing, Boom:Shattered Crystal.
  • Nos consoles: Secret Rings*Black Knight*Riders: Zero Gravity, Mario & Sonic (x5), All Star Racing, All Stars Racing Transformed, Free Riders,Boom: Rise of Lyric.
  • Mídias Digitais: Sonic 4 Episódio I** e Episódio II**
Foram 24 jogos lançados até então para a geração atual e a anterior. Os títulos marcados em verde são os jogos bem recebidos pela mídia e pelo público, em amarelo são os que receberam avaliações mistas (seja por divergências entre os próprios jornalistas de games, ou por divergência entre a mídia e o público), e os que estão em vermelho são os jogos considerados ruins universalmente. 

Podemos ver desta lista que 16 jogos foram um sucesso de público e crítica ‒ e podemos contar o Mario & Sonic, pois estes são desenvolvidos pela SEGA ‒, enquanto seis são considerados medianos ou possuem opiniões divididas e apenas dois são considerados ruins. 
Sonic and the Secret Rings foi um dos jogos mais bem recebidos durante a “primeira leva” de jogos para o Nintendo Wii. 
*Sonic and the Secret Rings foi muito bem recebido pelo público e pela crítica em seu lançamento, rendendo 2 milhões e 770 mil cópias, mesmo sendo exclusivo para o Wii, e também um spin-off. No entanto, com o passar do tempo os retro-reviewers e os fãs do mascote começaram a questionar a qualidade do título. Já a sua sequência, Sonic and the Black Knight, seguiu o caminho inverso, alcançando uma popularidade considerável entre os fãs a longo prazo. Mas, foi penalizado pela mídia e acabou dividindo opiniões.

** Sonic 4 Episódio I foi bem recebido pela mídia, mas despertou opiniões opostas entre os fãs. No entanto, o episódio II é universalmente conhecido pelos jogadores como superior ao primeiro, apesar da mídia ter dado notas menores argumentando que o mesmo "perdeu a magia". 

"Mas na era clássica não lançavam jogos medianos e ruins" — Era assim?

Avaliando as análises dos principais canais do mundo e também ouvindo a opinião dos próprios gamers, podemos chegar a conclusões interessantes sobre a qualidade dos jogos desta época. Desconsiderando a trilogia principal, os spin-offs da série são:
  • Master System / Game Gear: Sonic 1, Sonic 2, Sonic Chaos, Sonic Triple TroubleBlast, Robotnik Mean Bean Machine, Drift 1 e 2SpinballTails Skypatrol, Tails Adventure, Sonic Labyrinth. 
  • Mega Drive e Addons: Sonic CD, Chaotix, Spinball, 3D Blast
  • Sega Saturno: Sonic R.
Dos 16 spin-offs, sete jogos são considerados universalmente bons ou ótimos, sete são medianos e possuem opiniões divididas, e três são universalmente ruins. Ou seja, na época do Sonic “de olhos escuros” também havia jogos medianos e ruins.


Sonic Spinball foi o primeiro spin-off da série, e já naquela época era um game que dividia opiniões. 

No fim das contas, Sonic continua sendo um sucesso

Uma série não se mantém forte comercialmente e com uma gigantesca legião de fãs das mais variadas idades durante tantos anos se ela não possuir valores que vão muito além do puro marketing. O carisma do protagonista e dos seus amigos é inquestionável, mas este é apenas uma das qualidades da franquia. O talento da SEGA em desenvolver jogos de qualidade, que se refletem em seu sucesso comercial, é ainda mais louvável quando notamos que meios externos acabam tentando denigrir a imagem do ouriço na busca por atenção. 

Como podemos ver, a qualidade da série Sonic sempre se manteve constante e os jogos possuem boa jogabilidade, gráficos de ponta, uma trilha sonora marcante, um enredo mais elaborado em alguns casos, e por aí vai. Jogos bons e ruins estão presentes em todas as gerações, e o mesmo acontece com séries como Mario, Mega Man, Crash Bandicoot, etc.

Ninguém é obrigado a gostar dos games do Sonic, mas reconhecer os seus valores e aprender a respeitá-lo como uma série importante na indústria dos games é fundamental.

Revisão: Érika Honda

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