Análise: Dark Souls III (Multi) é um desfecho fantástico para a série

Hidetaka Miyazaki cria mais uma obra-prima falha — dessa vez ainda mais primorosa e com menos falhas.

em 17/05/2016
Imagine que você é imortal. Logo após fazer algo que, normalmente, iria lhe matar, seu corpo ressuscita. O que você faria diante dessa possibilidade? Você se tornaria uma pessoa mais imprudente? Por exemplo, você pularia de um penhasco só para ver como é? Ou entraria em uma briga sem medo, seguro na certeza de que se regeneraria depois? Que tipo de riscos você estaria disposto a correr se a sua vida não estivesse em risco?


Videogames lhe permitem responder justamente essas questões. Com exceção do eventual Roguelike, você sempre controla um personagem que é imortal através de ressurreições. Você morreu no meio do cumprimento de um objetivo? Sem problemas. Seu avatar virtual terá seu corpo restaurado, pronto para uma nova tentativa. A morte é um empecilho pequeno, uma ínfima pausa em sua aventura.

Agora imagine esse mesmo cenário de “imortalidade através de ressurreições”, mas com uma pequena diferença: morrer dói. Não estou falando de uma dor facilmente ignorável ou que seja possível se acostumar. Você ainda é imortal e seu corpo se recuperar de qualquer coisa, mas cada trauma marca a sua alma de forma indelével. Você se jogaria de um penhasco nessas condições? Tomaria riscos mortais? Provavelmente, não. A dor lhe faria ser cauteloso. Tanto faz se você vai ressuscitar logo depois, você não quer morrer.

Dark Souls III é um jogo justamente sobre essa dor. Essa aversão à morte que ele é capaz de induzir no jogador, a despeito de sua imortalidade, é um dos motivos dele ser tão especial. A ameaça de perder todas as suas almas e ter todos os inimigos da área que acabou de passar restaurados pode tornar a experiência incrivelmente frustrante quando se concretiza. Pior ainda é quando você morre para um chefe quando ele estava com apenas 1% da vida, obrigando-lhe a enfrentá-lo de novo (e de novo, e de novo…) desde o início.

Entretanto, Dark Souls não é difícil apenas para ser difícil. A dificuldade é um meio para um fim. Hidetaka Miyazaki, diretor da série, já declarou que seu objetivo era fazer com que o jogador se sentisse realizado, como se tivesse conquistado algo, e não simplesmente desafiado. O desafio é o que faz com que cada momento de progresso valha a pena.

O jogador está em um eterno ciclo de desafio e superação que começa assim que ele entra em uma nova área e termina com a derrota do chefe. Quando o chefe finalmente é derrotado a sensação de empoderamento toma conta da experiência —  empoderamento esse causado não pelos artifícios do game, mas sim por causa de suas próprias ações, por ter superado aquilo que, a princípio parecia, impossível. Seu personagem continua basicamente o mesmo no meio desse círculo. Quem realmente evoluiu foi você, o jogador. Então, abre-se uma nova área, com um novo chefe, e o ciclo recomeça.

Essa fórmula, iniciada em Demon's Souls e perpetuada pelo primeiro Dark Souls, atinge seu máximo potencial em DSIII. Muito disso, obviamente, se deve a aperfeiçoamentos técnicos. Mecanicamente falando, este é o título mais sólido da franquia. Para compensar o mundo muito mais hostil, seu personagem está mais ágil e com novas cartas na manga. Há uma gigantesca liberdade para se criar builds, uma ótima variedade de armas e um sistema de magia ao mesmo tempo menos apelão e mais potencial para causar dano. Até mesmo estratégias de stealth são viáveis agora, tanto no single quanto no multiplayer (que continua fazendo uma singular e divertida mistura de cooperação e competição).

O level design, outro fator tão elogiado na franquia, também atinge aqui seu ponto máximo. O game aproveita bastante do espaço horizontal que é permitido pela nova geração, criando níveis muito mais largos. Porém, ele não esquece da verticalidade. Imagine um mapa dobrado em si mesmo várias vezes; estes são os mapas de Dark Souls 3, com vários caminhos entrelaçados, atalhos e segredos. Apesar de as áreas não estão mais tão interconectados como se via no Dark Souls original, isso foi compensado pela forma como cada área é individualmente mais intricada e expansiva.

Não obstante, a mudança mais importante trazida pelo terceiro jogo da franquia é mais subliminar. Ele altera pontualmente o ciclo de desafio e superação que caracteriza toda série, subdvidindo-o em ciclos menores. Cada atalho, inimigo difícil derrotado, mini-chefe ou segredo conquistado é o fim de um pequeno ciclo. Até mesmo os chefões são divididos em ciclos menores, agora alterando suas formas quando ficam com metade do HP. Tirar metade da vida daquele chefe difícil e ver sua segunda forma é uma pequena conquista em si — e a realização de que se está chegando mais perto de sua derrota.

Enquanto os outros títulos da série também tinham pontos de conquista espalhados em vários lugares, aqui eles são mais numerosos, claros e fáceis de sentir. A experiência ainda é difícil e imperdoável, mas intercalada por pequenos momentos de prazer e superação, dando um ritmo perfeito à aventura. Quando finalmente se consegue uma “grande” conquista e o chefe de uma área é, enfim, derrotado, a sensação passada ao jogador já não é mais de simples prazer: é de catarse. Uma forte descarga emocional e alívio, como se sua alma estivesse sendo lavada com o sangue do inimigo. Posso estar parecendo exagerado, mas somente quem já jogou um Dark Souls pode entender essa sensação — que, aqui, é intensificada pelo mundo mais hostil do que nunca e chefes de cair o queixo mecânica, estética e narrativamente.

Infelizmente, todo ciclo chega ao fim. Dark Souls III pode não ser o último jogo da franquia, mas é certamente um ponto de virada, o fim de uma era. Aqueles que se aventura na lore e fazem teorias para tentar entender a história (afinal, a trama também está dentro do ciclo de desafio e superação, e compreendê-la é uma conquista a parte) vão perceber que, de fato, este é o tema da obra: o fim de um longo ciclo e o começo de uma coisa nova. Ao mesmo tempo, esta é também a “verdadeira sequência” do primeiro Dark Souls. É como se Hidetaka Miyazaki tivesse olhado para Dark Souls II e dito: “Eu vou fazer meu próprio Dark Souls II, com jogos de azar e prostitutas.”

Dark Souls III cumpre seu papel como sequência e desfecho. Ele é melhor e maior que seus antecessores e dá um fim digno ao legado da série mais importante a surgir na geração anterior.

Prós

  • As mecânicas de combate mais sólidas e variadas da série;
  • Fantástica estética visual;
  • Música épica;
  • Chefes bem construídos e divertidos;
  • Level design intricado e expansivo;
  • Justo e desafiador;
  • Várias referências aos outros games da série;
  • Modo online divertido e com ótima comunidade.

Contras

  • A dor.
Dark Souls III — PC, PS4 e Xbox One — Nota: 9,5
Plataforma utilizada para análise: PC

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