Skyrim me motivou a procurar os outros títulos da série. O primeiro que tentei foi The Elder Scrolls: Morrowind. Foi bem traumático, para dizer o mínimo. Por mais que Morrowind tenha sido revolucionário em 2002, ele envelheceu muito mal em diversos aspectos. Fui obrigado a instalar uma variedade de mods gráficos e mecânicos para tornar minha experiência mais palatável. Mesmo assim, estava me divertindo bem menos que em Skyrim.
Mas eu persisti. Aprendi a lidar com as mecânicas pouco familiares e os NPCs com rostos horrendos e continuei a jogar. Esta foi a melhor decisão que eu poderia ter feito. Apesar de todas as suas falhas, em um quesito Morowind era muito melhor do que seus sucessores: a jornada.
Não há como negar que Skyrim tem uma boa narrativa. Seu mundo é bem desenvolvido, as várias facções têm suas particularidades e o passado de Tamriel é extenso e detalhado. Entretanto, todas essas coisas parecem ter sido colocadas no jogo de forma aleatória. A aventura principal, sua jornada como o Dovahkiin, não afeta o mundo de maneira significativa. Salve toda a existência da destruição iminente e nem mesmo os guardas das cidades lembrarão seus feitos, literalmente mandando você deixar de vagabundagem sempre que cruzam seu caminho.
"No lollygagging!" |
Em Morrowind, por outro lado, há relações muito mais intricadas entre as várias missões opcionais disponíveis. A própria quest principal parece estar lá apenas para costurar as várias missões secundárias e atividades do mundo. Você não está meramente cumprindo “questlines”; você está em uma jornada para se tornar o Nerevarine, aquele que unirá todas as casas dos Dunmer e derrotará Dagoth Ur. Para trilhar esse caminho, é preciso resolver conflitos de facções, lidar com problemas políticos, ganhar aliados e fazer escolhas que alterarão profundamente a geopolítica da região. Cada missão é mais um passo em direção ao cumprimento de seu destino.
"Venha, Nerevar. Seja como amigo ou traidor, venha." |
No clássico de Richard Garriot, seu objetivo é se tornar o Avatar. Você não faz isso através de uma missão específica ou destruição de um grande vilão. Para se tornar o Avatar, é necessário interagir com o mundo e os personagens. Cada uma de suas ações tem alguma consequência e afeta seu alinhamento dentro das Oito Virtudes: Honestidade, Compaixão, Valor, Justiça, Sacrifício, Honra, Espiritualidade e Humildade. O dinheiro dado àquele mendigo aleatório aumenta o seu nível de Compaixão; aquela pequena mentira no diálogo com um NPC reduz seus pontos de Honestidade; e assim por diante. Somente o Avatar domina todas as Oito Virtudes. Ser digno do título é o intuito de sua jornada e as quests do game são o meio, não o fim em si.
Claro, não é possível comparar a não-linearidade e escopo de Ultima com jogos modernos. Entretanto, essa abordagem é tão válida para RPGs novos quanto para os antigos. The Witcher 3: Wild Hunt é um dos poucos exemplos recentes de que isso é possível. No game da CD Projekt RED, ser um bruxeiro está na natureza do protagonista, Geralt. Ele é uma figura política que tem influência naquele mundo. Em sua jornada para tentar parar a Wild Hunt e encontrar Ciri, Geralt deve também cumprir com suas obrigações como caçador de monstros. As sidequests levam o histórico do personagem, vivência e experiência em consideração. Em certos momentos, a jornada pessoal de Geralt se une à jornada particular de Ciri, sua filha, herdeira e aprendiz.
Ao fim do jogo, você está lidando com a conclusão de dois caminhos que se entrecruzaram inúmeras vezes com várias outras histórias daquele mundo. Não há, aqui, um abismo que divide a campanha principal das missões secundárias; as duas são partes essenciais de sua jornada.
São poucos os RPGs de mundo aberto que prezam por essa abordagem narrativa. Parece que, quanto mais aberto o mundo, mais desconexas as sidequests se tornam. Há uma razão para isso: garantir ao jogador liberdade para ir aonde quiser, interagir com qualquer facção e presenciar todas as facetas do jogo. Conectar tudo isso através de uma campanha principal nem sempre é desejável ou faz sentido. Dragon Age: Inquisition, por exemplo, acabou sendo criticado justamente por exagerar um pouco na forma como tentava relacionar qualquer missão secundária, por mais insignificante que fosse, ao seu papel de Inquisitor.
Ainda assim, fazer com que o jogador sinta que está realmente em uma jornada, e não meramente fazendo uma coleção de quests, pode fazer o game se tornar muito mais memorável. Qualquer pessoa que zerou Morrowind tem uma história para contar sobre como viajou por aquele mundo e se tornou o Nerevarine. Já se você perguntar os detalhes da história de Skyrim para alguém, receberá detalhes escassos e pouco entusiasmados. Morrowind até hoje é um bom RPG, apesar de toda sua defasagem visual e mecânica. Já Skyrim, pouco a pouco, está se tornando um brinquedo de moders, ao ponto que o “jogo base” é praticamente irrelevante. É muito provável que, no futuro, muita gente só reinstale o game para poder jogar Skywind.
Revisão: Gabriel Verbena