Observação: o texto contém spoilers, inclusive na primeira linha do próximo parágrafo.
Empatia através do enredo
“A Aerith morreu!”, foi algo pensado, falado ou até mesmo gritado por muitos jogadores quando viram a cena pela primeira vez na vida. Eu, como tantos, me espantei e falei tal frase, claro que acompanhada de palavrões. Das primeiras horas do jogo ao momento em que Sephiroth atravessa a última dos Cetra com sua espada, Final Fantasy VII (PS) constrói cada momento de sua história de forma a nos afeiçoarmos por Aerith. No momento em que Cloud se separa do grupo Avalanche, e consequentemente dos outros dois personagens jogáveis até então, conhecemos Aerith, que nos é apresentada possuindo sempre uma personalidade positiva através das cenas e diálogos. Sendo inclusive mais "relacionável" que o frio e antipático protagonista.Deu ruim... |
Eu gostava da Aerith, mas confesso que não a usava nas batalhas. Seu Limit Break até era útil, mas eu preferia compor a equipe com outros personagens. Nesse sentido, do ponto de vista da história que se desdobrava, fiquei triste com o assassinato da Aerith, mas isso não refletiu no meu time de batalha, já que eu raramente a incluía no grupo.
Empatia através do ato de jogar
Já em Final Fantasy X (PS2), se a Yuna morresse eu teria algo próximo a um ataque cardíaco. Além de gostar da personagem pelos desdobramentos do enredo, ela era a peça fundamental da minha equipe de batalha com as suas magias e buffs e principalmente as invocações dos Aeons (cujo valor dos atributos dependiam dos atributos da própria summoner).Mais Cloud para galera! |
Sinergia entre narrar e jogar
Um game possibilita que nos conectemos aos personagens não apenas observando a sua história, mas também vivenciando-a. Nós assistimos ao que acontece com o personagem, mas também jogamos e controlamos. Temos de um lado a empatia narrativa: nos preocupamos com Aerith porque o enredo tenta nos fazer gostar dela; e do outro temos a empatia mecânica: sem o fictício guerreiro de FFT ou a Yuna, muitas batalhas seriam dificultadas já que, no caso dela, ela é a única que pode invocar os Aeons. Esta divisão não é tão extrema assim, claro, mas é uma separação interessante para podermos refletir sobre as diferenças entre as empatias. Bom mesmo é quando os dois “tipos” entram em sinergia. Yuna é um bom exemplo, mas existe também outro caso excelente: Final Fantasy IX (PS).Se em alguns jogos da série contamos com personagens que podem ser moldados com bastante liberdade (ainda que isso varie em intensidade e momento do jogo), em outros encontramos um grupo de heróis com definições mais claras de função ou job. É o caso de Final Fantasy IV (SNES) e FF IX. Essa definição faz com que o personagem não seja apenas único do ponto de vista do enredo, mas também único do ponto de vista tático para o grupo quando pensamos nas batalhas.
Em Final Fantasy VI (SNES) e Final Fantasy XII (PS2), por exemplo, mesmo com muitas restrições (que vão desde o caminho do grid em FF XII até as armas e técnicas especiais do FF VI) os personagens podem ficar parecidos entre si, se essa for a vontade do jogador. A princípio, você pode fazer com que qualquer personagem seja o curandeiro do grupo, sendo possível ignorar quem possui um atributo maior de magia. Em FF IX este não é o caso.
Cada herói possui uma definição muito clara não só de personalidade, mas também no que diz respeito às suas habilidades e funções na batalha. Dagger e Eiko são exclusivamente summoners (e cada uma delas tem uma lista exclusiva de invocações), só Zidane pode roubar, apenas Vivi utiliza magias negras, Quina é quem aprende técnicas dos inimigos, e por aí vai. O papel de cada um na batalha é muito bem definido. Isso acaba complementando muito bem a personalidade única de cada um deles trazendo uma sinergia bacana entre empatia mecânica e empatia narrativa. Não são apenas as cenas e os diálogos que contam a história dos jogos, mecânicas e sistemas também podem fazer isso e muitas vezes com uma influência grande do jogador.
Não estou aqui para dizer qual jeito é “melhor ou pior”, isso quem irá decidir serão os desenvolvedores, tendo em vista que tipo de experiência eles estão buscando, e também cada jogador que experimentar o game. Minha contribuição aqui é mostrar a vocês as diferentes formas de se criar empatia por um personagem, e como é bacana vermos essas diferentes maneiras como os personagens são apresentados em uma mesma série.
A turma reunida. |
Em Final Fantasy VIII (PS), todos os personagens, com exceção de Rinoa, fazem parte de um grupo militar no qual Guardian Forces, os famosos GFs, são usados para o aprimoramento da batalha e para possibilitar o uso de magia. Em FFVIII você pode literalmente ligar cada GF a qualquer personagem. Dessa maneira, todos podem utilizar as habilidades que o GF proporciona. Temos aí um exemplo do primeiro grupo (liberdade maior para construir o grupo) no qual o enredo justifica essa possibilidade. Quem jogou sabe, inclusive, que essa relação com os GFs trazem outras consequências à história.
Em Final Fantasy IX é a própria história e a personalidade dos personagens que definem as suas habilidades e como melhor se portar nas batalhas. Ao meu ver, em FF X e FF XII somos colocados na pele de um personagem justamente para presenciar, como um jogador-espectador, as ações de outro membro do grupo, ou mesmo para vivenciar o mundo do jogo sem muitas influências. Controlamos Tidus para acompanhar a história de Yuna (ainda que ele insista em falar que é a história dele) e entramos na pele de Vaan para fazer parte de uma história na qual o mais importante é o mundo e como ele funciona (ainda que muita gente diga que é para ver como o Balthier é legal).
Com um mundo belo e interessante desse para explorar, eu nem iria ligar de trocar o Vaan por um cone. |
Personagens da fantasia
É claro que jogamos também para conhecer as histórias e os personagens, e os games possuem diferentes maneiras de nos fazer ter empatia pelas pessoas que vivem aquela aventura em um mundo distante. Seja qual for a forma escolhida pelo jogo, quando todos os aspectos são bem amarrados, formando uma narrativa viva e coerente, o resultado costuma ser melhor. Nesse sentido, a série Final Fantasy é um ótimo objeto de estudo e, sobretudo, uma grande fonte de histórias e personagens pelos quais nos apaixonamos.Este foi o primeiro artigo da nossa coluna semanal RPG Blast, na qual falaremos apenas desse gênero que conquistou, e conquista, tantos jogadores. Não deixe de comentar e dar sugestões. Até a semana que vem!
Revisão: Érika Honda