Sobrevivi: Sete dias sem games

Um relato pessoal sobre a angustiante espera por mais uma sessão de jogatina.

em 13/12/2015

Imagino que eu não seja a primeira nem a última pessoa, voluntaria ou involuntariamente, que já ficou ou ficará afastada de seu console por uns dias, principalmente nessa época do ano cheia de feriados e datas comemorativas, além do momento no qual conseguimos tirar uns dias para viajar. De qualquer maneira, não importa o motivo; o fato é que somos meio que obrigados a nos afastar dos jogos por um tempo.



Diferentemente do que acontecia antes do final dos anos 70, quando não havia games portáteis, hoje em dia, mesmo longe de nossos consoles de mesa e computadores, temos a nossa disposição inúmeros gadgets como celulares, tablets, notebooks e até mesmo videogames em formato reduzido, os portáteis, como o Nintendo 3DS e o Playstation Vita. Ou seja: atualmente está cada vez mais difícil ficar longe dos jogos, que estão sempre a um clique (ou tap) de nós mesmo que não os procuremos, há vários dispositivos que já vêm com jogos pré-instalados.

Existe outro mundo lá fora... Sério?

Sendo assim, sempre que saio com os amigos para ir a um pub, para uma comemoração ou mesmo jantar na casa de alguém, tento olhar o mínimo possível para o celular. só o utilizando de fato para atender ligações urgentes. Este tipo de situação raramente acontece, no entanto. O fato é que a todo momento estarão ocorrendo coisas minimamente interessantes internet afora, mas, quando você está rodeado de amigos, isso também está acontecendo no “mundo real”; em outras palavras, você terá de fazer uma escolha. Dica: A internet e tudo que há nela, na maioria das vezes, está acessível 24 horas por dia. Seus amigos, por outro lado, na maioria das vezes, não.

Pode ser difícil acreditar, mas para alguns o console e PC são considerados quase uma espécie de amigo: é com ele que você partilha suas novas descobertas, suas maiores alegrias e tristezas dentro de um mundo a parte, o universo da internet e dos games.

No século XXI, mais do nunca, com a ajuda do computador, é possível mudar completamente a própria vida. Lembro-me até hoje de que foi assim (através dele) que eu conheci a primeira garota com a qual eu tive um relacionamento sério: em um grupo de e-mail sobre Senhor dos Anéis, que eu descobri que haviam criado no curso de graduação filosofia na UFSCar no qual eu me formei e conheci alguns dos meus melhores amigos. Enfim é difícil não humanizar uma máquina que fez tanto por mim.



Mas há uma situação ainda pior do que ficar afastado de seu console, que é quando o mesmo “dá defeito” ou quebra de vez. A partir daí, a perda só se torna ainda pior se o dano sofrido incluir não só o aparelho como o dispositivo de armazenamento — seu HD ou cartão de memória; aí, sim, a perda se torna irreparável não só para o dispositivo como também para o proprietário. Os jogos podem ser todos baixados novamente e seus dados (conquistas, troféus, amigos, etc) ficam guardados na nuvem, mas esta é limitada e nem tudo é salvo lá. Em outras palavras, não há como sair ileso.

Para tudo há uma solução, até para  a "morte". 

Tudo que resta então é amargura, ansiedade e espera. No caso de PCs, pelo menos, se você possui certo conhecimento técnico e as peças necessárias, a recuperação do “paciente” é quase imediata, e, diferentemente do procedimento em seres vivos, a rejeição ao órgão transplantado é rara. O problema é que nem sempre você tem todas as peças necessárias para testar e identificar o que há de errado.

Quando este tipo de coisa acontece, seus amigos geeks sempre lhe encaram com um olhar de obviedade e lhe dizem a famosa e dolorosa frase: “Nem pense duas vezes, mande logo para assistência técnica. Não vale a pena todo esforço e trabalho de fazer isso você mesmo”. Mal sabem eles que levar seu gadget na loja para conversar com um técnico é o mesmo que suplicar pela vida de um paciente a um cirurgião; o problema é que esse não é um médico qualquer. Por mais que você tenha diplomas e experiência, os atendentes da assistência técnica sempre agirão como uma espécie de Dr. House, tratando-lhe como um leigo ou mentiroso.

E depois de toda a energia gasta nesta negociação, tudo o que resta novamente é aguardar. A espera é sempre dolorosa, não importa o que aconteça nesse meio tempo. Mesmo que você tenha acesso a outro aparelho, não é a mesma coisa; o seu é sempre cheio de suas particularidades.

Isso me lembrou de uma breve história que pode ilustrar bem o que eu estou tentando dizer, aliás. Há vários anos, uma amiga, por algum motivo do qual  não me recordo, deixou em minha casa um livro, Dungeons & Dragons 3ª edição. Acontece que, sem querer, outro amigo acabou danificando a capa enquanto o lia, mas, por sorte, eu também possuía um exemplar desta mesma obra, idêntico. Quando relatei o fato à minha amiga, ela ficou com tanta raiva, que recusou o meu exemplar, que ofereci como reparação ao que tinha acontecido com o dela.  Ela simplesmente disse: “Este não é o meu D&D 3ª. Eu quero o meu livro!” E após devolver o exemplar que originalmente pertencia a ela, a situação foi resolvida.


Agora, se até entre dois objetos que são idênticos há uma diferença, nem que seja uma mera relação emocional que você desenvolveu por um deles, imagine o que não é isso para um PC ou um console pessoal.

Alguns dirão que isso é “falta de louça para lavar” (argumento desesperado daqueles que não possuem argumento algum), mas o fato é que, falando de modo grosso e objetivo, a limpeza de uma casa, entre outros afazeres domésticos, geralmente, não demanda mais do que um ou dois períodos do dia, ou mesmo, no caso de quem tem apartamento, algumas horas para ser realizado.



Nesta altura do meu relato, você deve estar pensando: “Este rapaz é um viciado, eu não. Ao contrário dele, posso parar quando eu quiser”, o que é no mínimo irônico, por se tratar de uma frase clichê, dita por quase todos aqueles que são dependentes de algo, mas não conseguem admitir isso a si próprios. E quanto a vocês, meus caros leitores: vocês são capazes de ficar mais de uma semana sem ter qualquer contato direto com games, internet ou aparelhos eletrônicos? Aguardo seus comentários.

Revisão: Bruno Alves
Capa: Daniel Serezane

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.