Um papo com Marcos Lima: sonoplastia para jogos e Orquestra Multiplayer

Falamos sobre seu último trabalho de game music, Magenta Arcade, e sobre como é fazer parte de uma orquestra totalmente voltada aos jogos.

em 04/07/2015
A música e os jogos têm uma relação tão próxima quanto arroz e feijão: por mais que muita gente ache que só um deles separado valha a pena, os dois juntos são uma das melhores combinações que existem. Quem não tem, na cabeça, aquelas cenas memoráveis por causa da trilha sonora? Ou quem, no mundo inteiro, não conhece o famoso tema de Super Mario World?


Marcos Lima não só sabe a importância da sonoplastia para os videogames, mas é um daqueles que decidiram seguir esse caminho profissionalmente. Graduado em Composição e Regência pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ele é compositor de trilhas para jogo e foi o responsável por todas as músicas de Magenta Arcade, inovador shooter mobile brasileiro, além de fazer parte da equipe por trás da Orquestra Multiplayer, que faz sucesso no YouTube. O GameBlast conversou com ele sobre seus projetos e o mercado de jogos e trilhas no Brasil.

GameBlast: Para começar, diga um pouco mais sobre você… Em quais projetos já trabalhou e qual é a sua formação?
Marcos Lima: Eu jogo videogame desde os quatro anos, quando eu ganhei um Super Nintendo, sempre fui fascinado por games. Só que, quando eu fui jogar Donkey Kong Country pela primeira vez, com uns 12 anos, eu fiquei fascinado com a trilha sonora que eu ouvi. Eu disse: “gente, eu tenho que conseguir fazer um negócio desse, preciso aprender a fazer isso aí”. Na época, eu já tocava violão e pensava se podia fazer algo assim. Tentava, mas não saía nada…

Foi aí que pensei no que eu podia fazer pra melhorar. Comecei a estudar, descobri que existiam graduações para virar compositor (e até uma faculdade de música!). Meu sonho, então, sempre foi fazer algo parecido com DK; se eu conseguisse isso, já estava ótimo.

A minha cidade era muito pequena, então fui pra outra, que tinha uma escola de música. Comecei a estudar e, depois, decidi que iria fazer faculdade de Música. Aí minha mãe pirou, hahaha. Me preparei para o vestibular, que não é igual aos outros — você tem que fazer provas [práticas] mostrando que você já sabe muito de música —, e entrei para a faculdade de Composição e Regência na UFMG.

Olha o Marcos aí falando um pouco sobre a sua paixão por jogos!

Quando eu entrei, aprendi mais sobre trilha sonora, música eletrônica, como usar programas de computador para fazer música e, inclusive, meio que levei os meus professores para essa área [de game music]. Agora a faculdade tem até um ramo específico para estudar trilhas sonoras de jogos.

Como a gente tem aula individual na faculdade de Música, eu pude traçar um caminho para estudar melhor a composição para jogos. Treinei tudo isso e comecei a trabalhar no ramo. O último jogo que peguei pra fazer trilha foi o Magenta Arcade (para iOS e Android), aliás. Eu fiz outros projetos além de games, como trilhas para teatro, mas eu gostei mais dos jogos, pelo fato de tudo isso que eu já te contei [do Donkey Kong]. Foi com Mario Galaxy e Zelda que me fizeram pensar até em querer aprender mais sobre composição para orquestras, coisa com que trabalho hoje na Multiplayer.

GB: Fazer uma trilha sonora para um jogo é diferente de compor outro tipo de música?
ML: É diferente sim, mas existem diferenças grandes entre os gêneros. Por exemplo, na trilha sonora de teatro, nós trabalhamos com temas (como o aparecimento do personagem). Isso acontece no videogame também? Sim, quando ele é mais focado na narrativa. Você faz uma trilha sonora para tocar toda hora que o protagonista aparecer, são temas que englobam um personagem em si.

Só que tudo é relativo… No Magenta Arcade, que não pedia muita imersão, eu tive que fazer temas mais simples, com sons mais voltados ao chiptune (porque o jogo era no estilo pixel art). Aliás, outra coisa que acontece, principalmente em jogo de fase, é que os temas têm que funcionar em looping.

Mas, sinceramente, a diferença é pouca. Atualmente, os videogames são uma coisa bem diferente do que eram 20 anos atrás. Naquela época, se você fosse fazer uma trilha sonora para um jogo, ela seria completamente diferente da de um filme. Hoje, isso não acontece: se for ver, são as mesmas pessoas que fazem ambas as trilhas; tudo por causa da evolução técnica dos consoles. Halo, por exemplo, tem uma pegada bem cinematográfica; se fizessem um filme da série, eu acharia plausível usar as mesmas músicas. Só que alguns ainda se destacam, como a do DKC, que eu gosto tanto, que dá pra ver que é uma trilha sonora de jogo.

Resumindo, em vez de dividi-las por teatro, cinema e games, por exemplo, é melhor separar por estilo: trilha para uma história imersiva, trilha para um game casual, trilha para jogo de luta… Uma trilha sonora toda orquestrada não ia ficar legal para um jogo casual de boliche, entende? haha.

GB: Quais foram as suas inspirações para a trilha de Magenta Arcade e de outros trabalhos?
ML: Eles me mostraram o jogo ainda na fase beta, achei a ideia genial, vi como eram os personagens. E aí eles [da Long Hat House, desenvolvedora de Magenta] disseram que eles não queriam clichê no jogo, “não queremos igual a todo mundo”. Música clichê, nesse gênero, são aquelas músicas de Super Nintendo, com navinhas explodindo; é como se todos os jogos assim [shoot’em ups] necessitassem de canções assim. Eles queriam algo sarcástico, que o jogador começasse a rir, assim como o jogo, que também é bem cômico. Por isso, eu escolhi vários estilos e misturei todos.

Se eu fizesse um jogo totalmente feliz, ficaria ruim, porque o jogo tem tiro, morte e tal, mas um estilo parecido com Contra também não funcionaria, pois perderia a ideia do cômico. Acabei misturando a ideia dele com a do Donkey Kong (em um estilo parecido com o que o David Wise pensou, sempre com ritmos e timbres bem peculiares). Fiquei escutando, sem parar, a trilha de DKC: Tropical Freeze (Wii U), na qual eu acho que Wise se superou.

GB: Como você vê o mercado de jogos e, principalmente, game music no Brasil?
ML: Eu dei uma palestra na Semana de Jogos Digitais, aqui em Belo Horizonte, promovido pela PUC-MG, porque disseram que o pessoal do curso estava meio perdido quanto ao assunto da game music. Quando eu fui fazer a palestra, me encontrei com outros palestrantes, todos da Sony, da EA e de outras empresas grandes. Todos diziam que o mercado de jogos está crescendo muito e que faltam profissionais devidamente qualificados e dispostos a entrar no ramo, mesmo na América do Norte. Jogos como o Magenta Arcade tendo tanto destaque mostram que não precisa ser “uma EA da vida” para dar certo no mercado.

Uma coisa que acontece em vários projetos, principalmente no mercado brasileiro, é que, por causa do orçamento baixo, na hora que chega na parte da trilha sonora, o pessoal acha que não é importante e faz qualquer coisa, o que, por exemplo, a Long Hat House não fez. Para o jogo realmente dar certo, acho que ele deve estar, pelo menos, bom em todos os aspectos. Mas, se ele tiver uma ideia boa e bom trabalho, ele não precisa de muito investimento.

Quanto ao mercado de trilha sonora, ele dá certo sim, também graças a esse crescimento do mercado de jogos; há 10 anos, eu jamais falaria isso pra você. O mesmo pensamento de “ter uma boa ideia” serve também pra música: com uma melodia legal, que fique na cabeça do jogador, você não vai precisar de equipamentos supercaros e um investimento altíssimo, usando certos softwares modernos. Você não precisa mais, por exemplo, de uma orquestra inteira para fazer uma música com uma orquestra inteira, já que ela pode ser simulada por certos programas.

GB: De onde veio a ideia da Orquestra Multiplayer e qual foi a recepção do público? Quais são os planos que vocês têm para o futuro?
ML: O conceito que a gente tem é ser uma orquestra que trabalhe profissionalmente como orquestra tocando arranjos de trilhas de jogos. Muitos eventos e grupos não dão destaque à orquestra e, sim, à apresentação: ela fica escondida enquanto um telão com as cenas dos games são o foco do show. A ideia da Multiplayer é a orquestra como principal, mostrando para o público como determinada música é feita, qual instrumento toca o quê e como cada um faz parte do todo.
A maioria de nós somos músicos profissionais, fizemos faculdade de música e somos gamers; todos temos aquela coisa de mostrar a orquestra em si e como ficariam as canções que todos conhecem de uma outra forma. Tanto que, no nosso canal no YouTube, temos vários programas, como o Multiplayer For Noobs [explicando como funcionam instrumentos e aspectos musicais], para que eles entrem no universo da música por meio do videogame.

Sobre o meu trabalho na equipe, estou desde o início como arranjador e compositor: meu trabalho é, especificamente, fazer os arranjos, criar uma versão orquestrada e encaixar os instrumentos que serão usados dentro das melodias e harmonias. É como se as frases musicais fossem peças de um quebra-cabeça e eu fosse montando elas dentro do corpo da orquestra. Até as músicas que já são orquestradas são repensadas por nós para tentar fazer algo diferente e inovador.

Recentemente, fizemos uma apresentação no Minas Games, um evento de jogos aqui de Belo Horizonte; um dos planos que temos é fazer mais shows desses. Como evento nosso, estamos pensando em um evento online; não posso falar muito ainda, mas posso dizer que vai acontecer e os arranjos para ele já estão até prontos. Futuramente, estamos pensando ainda em composições inéditas para orquestra, feitas pelo trabalho dos nossos arranjadores.

GB: Que mensagem você deixa para os que tentam entrar hoje no ramo da game music?
ML: O meu conselho é que o mercado de game music está crescendo ainda mais, daqui a uns 20 anos estará maior ainda e precisando de mais gente. Aqui no Brasil, está crescendo por intermédio de pequenas produtoras e desenvolvedoras, que precisam de compositores e pagariam uma quantia pelo trabalho ou entrariam em um esquema de divisão de lucros (o que é bem vantajoso se o jogo for legal e promissor). O pessoal, na verdade, tem medo, falando que “compositor não ganha dinheiro”. Antigamente, era verdade: para viver disso, precisava ser patrocinado ou famoso. Hoje, é possível ter seu estúdio em casa por preços bem mais acessíveis, aumentando a qualidade do trabalho dos pequenos produtores.

Mas, além de tudo, estude. Não adianta só ter visto dois ou três jogos, achar legal, ter um violão, saber tocar cifras e entrar pro ramo. Não é uma coisa simples, mas, se você estudar, por si mesmo, não precisa de muita coisa para fazer algo com uma qualidade superior a outras que se vê por aí. Não precisa nem fazer uma faculdade de música. Se estudar bastante em casa, com disciplina, também é possível.

Revisão: Vitor Tibério
Capa: Diego Migueis

sempre com projetos criativos, estranhos ou os dois ao mesmo tempo. desenvolvedor de software, game designer e escritor sobre as coisas que eu gosto.
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