Do chocolate à internet, é enorme a lista de invenções baseadas em experimentos militares que foram adaptados para uso no nosso dia-a-dia. Quase todos os materiais de nosso cotidiano empregam alguma tecnologia bélica, inclusive o tão querido material de lazer e relaxamento: o videogame.
O primeiro envolvimento militar com os jogos eletrônicos surgiu por um acaso. No final da década de 1950, o Laboratório Nacional de Brookhaven recebeu alguns computadores para estudar a trajetória balística de mísseis. Foi quando o desenvolvedor William Higinbotham resolveu conectar um dos computadores a um osciloscópio e desenvolver algo para entreter os visitantes. Nascia ali o primeiro jogo eletrônico: o Tennis for Two.
Tennis for two em exposição no Laboratório Nacional de Brookhaven |
Treinamento através da simulação
No início, o que chamou a atenção das forças armadas americanas foi a capacidade de simulação dos jogos. Executar treinamentos em ambientes virtuais era muito mais seguro, assim como treinar o controle de tanques e aeronaves era infinitamente mais barato e possibilitava o treinamento de diversos soldados simultaneamente.
O primeiro jogo de videogame a chamar a atenção do exército americano foi o Battlezone da Atari. Neste título, o jogador controlava um tanque de guerra num ambiente em 3D com o objetivo de destruir os outros tanques. O exército americano achou interessante a física aplicada no game e solicitou algumas alterações para utilizá-lo como simulador do seu veículo mais recente, o M2 Bradley.
Battlezone |
Outro game que atraiu a atenção dos militares americanos na década de 1980 foi o Microsoft Flight Simulator, desenvolvido pela Microsoft para consoles da Atari e PC. Diferente do Battlezone, o que tornou esse jogo atraente foi a fidelidade dos controles das aeronaves e as situações de voo simuladas que seriam impossíveis de serem treinadas no mundo real.
A polêmica do Recrutamento
Durante a década de 1990 os militares americanos observaram atentos o surgimento dos jogos de tiro em primeira pessoa: os FPS(first person shooter), como são conhecidos pelo mundo. A febre criada por Doom no PC logo tomou conta dos consoles com 007 Goldeneye( N64 ) e Medal of Honor( PS ). Os FPS atraíram um novo público para os videogames, com eles jovens e adultos passaram a jogar mais videogames. Enquanto isso, o exército americano tinha muitas dificuldades para atingir suas metas de recrutamento.Esses fatores levaram o exército americano a perceber que os games poderiam funcionar não só como ferramenta de treinamento, mas também como um grande aliado no recrutamento e entendimento das forças armadas. Sendo assim, o exercito resolveu criar o jogo America's Army (PC) para fornecer aos jogadores uma experiência virtual de um soldado de forma envolvente e informativa. O jogo era tecnicamente muito bom e contou com um anúncio grandioso na E3 2002, como mostra o vídeo abaixo:
O lançamento de America’s Army gerou muita polêmica, afinal, o governo, que há pouco tempo tinha atacado a industria dos videogames, agora estava utilizando um jogo para atrair adolescentes. Além disso, muitos jogadores se sentiam incomodados achando que o jogo servia como uma ferramenta de lavagem cerebral para o recrutamento de adolescentes e para mostrar o ponto de vista americano das guerras.
Para o exército americano, o jogo tinha como premissa estreitar as relações com crianças e jovens. Eles acreditavam que deixando o ambiente militar mais familiarizado, conseguiriam recrutar novos integrantes com mais facilidade no futuro.
A Interação nos jogos formando novos militares
Após o sucesso do America’s Army, a participação de militares de diversos países na indústria de videogames ficou bem mais intensa. Foi assim que surgiu o jogo Full Spectrum Warrior (Multi). Com financiamento e consultoria do exército americano, a Pandemic Studios desenvolveu mais um jogo que serviria para o treinamento militar. Embora o jogo fosse um simulador de tática de esquadrão de guerra, dessa vez o interesse militar não estaria na simulação.
Full Spectrum Warrior foi o primeiro jogo feito por uma empresa privada para o exército americano, mas que seria comercializado como um jogo normal. O jogo era em em terceira pessoa, mas o jogador não controlava nenhum personagem, e sim a ação como num jogo de estratégia em tempo real. Com Full Spectrum Warrior, o exército americano queria preparar a parte tática dos soldados. Através da interação no ambiente de batalha, o soldado seria capaz de entender o combate como um todo e não apenas o funcionamento de seus equipamentos.
“O soldado do século XXI precisa conhecer muito mais do que a sua arma. Ele tem que conhecer os sistemas aos quais ele está integrado, saber se comunicar com aviões teleguiados. Hoje em dia ele faz parte de um sistema muito mais complexo.” Corey Mead, autor do livro War Play: Video Games and the Future of Armed Conflict
O futuro
Atualmente, essas tecnologias não são exclusividade dos EUA, pois países da Europa, Austrália e sul da Asia também investem em simuladores de guerras. A tecnologia permite uma interação tão grande entre as forças militares que já é comum ocorrerem treinamentos de simulação de guerra entre um país e outro, como se fosse uma partida de videogame.Exército norueguês testando Oculus Rift em tanques de guerra (Fonte: Info) |