Antes de começar esta análise, permitam-me contar um breve episódio da história da humanidade: na segunda metade do século 20, a humanidade começou a fazer testes com foguetes. Como era fácil conseguir combustível, aço e pessoas dispostas a montar em barris de combustível altamente volátil, em pouco tempo conseguimos lançar uma máquina na órbita da Terra. A máquina, uma esfera do tamanho da bola do Quico, voava a centenas de quilômetros do nosso planeta — foi o primeiro satélite artificial.
Mas antes disso, outras tentativas fracassaram. As pessoas que lançaram esta engenhoca — o Sputinik — haviam tentado lançar foguetes ao espaço diversas vezes, e todas essas falharam por algum problema: uma peça mais frouxa, um cabo mal posicionado e até mesmo uma fagulha chegando ao compartimento do combustível… todas essas tentativas acabaram em colisões violentas, ou virando fogos de artifício caríssimos.
Depois disso, a Corrida Espacial iniciada entre os EUA e a URSS acelerou de forma substancial o desenvolvimento tecnológico de todo o planeta, mas não sem grandes catástrofes, perdas de vidas e situações ridículas, como motins no espaço e naves girando sem controle em direção à Terra.
Em Kerbal Space Program, a coisa não é muito diferente: suas criações irão explodir. Seus
Boom!
KSP saiu da longa fase de testes no final de abril de 2015, depois de anos de desenvolvimento e testes realizados em conjunto com a comunidade. Desde lá, este simulador de programa espacial já fazia um sucesso estrondoso não somente entre os gamers, mas também com diversas entidades fora dos limites do entretenimento, com o pessoal da NASA sendo um dos maiores interessados pela engine, pelo sistema de física e por outros aspectos técnicos bem polidos pela equipe da Squad. Vislumbrar os belos planetas e luas do sistema Kerboliano, com suas cores vivas e proporções absurdas, é apenas uma das qualidades do jogo. Apenas a vontade de se chegar mais perto deles é um desafio que vale a experiência.O próprio surgimento do jogo possui uma história única: Felipe Falanghe, criador e diretor de Kerbal Space Program, é brasileiro. Trabalhando inicialmente em uma empresa de marketing no México, especializados em montar estruturas para grandes eventos, Felipe era o responsável por desenvolver as peças em um software de modelagem 3D para depois montá-las em tamanho real. Certo dia, cansado por trabalhar demais, ligou para o seu chefe para pedir demissão. Para a sua surpresa, Felipe não apenas ouviu um patrão desesperado no outro lado da linha, como também uma promessa bastante tentadora.
Felipe se ocuparia de terminar o projeto no qual estavam trabalhando no momento, e depois ele estaria livre e teria a ajuda da Squad para criar o seu projeto pessoal, de lançar homenzinhos verdes pelo espaço em foguetes absurdos. Não demorou muito para o projeto desenrolar para algo maior, com uma equipe própria e maciça quantidade de suporte dos fãs, que continuam surgindo até hoje.
O espaço é difícil
Quando se começa a jogar Kerbal Space Program, o jogador comum possui um único primeiro objetivo: viajar de seu planeta (Kerbal, uma versão 1/10 menor que a nossa Terra) à Mün, a primeira lua, que já pode ser vista de início. Os controles inicialmente confundem aqueles não acostumados a simuladores, há alguns botões com nomes estranhos na interface, e apertá-los durante um lançamento é brincar de roleta-russa espacial. Mas Mün é um prêmio precioso demais para não arriscar alguns malabarismos.Não existe um atrativo maior para um explorador do que ver aquela bola prateada no céu e desejar colocar os pés ali. Não é preciso estímulos, mas as limitações iniciais do jogo (tanto técnicas quanto estruturais) já dão o boost necessário para chegar ao menos até lá. A sensação do primeiro pouso bem sucedido fará o jogador sentir uma pontada de orgulho por ter conseguido chegar ali com a sua técnica, e com uma nave criada por ele.
Logo depois, há outro largo passo: a segunda lua, Minmus. Nesse estágio do jogo, os controles já não são problema, o desafio agora é escolher as melhores peças para levar a sua construção ainda mais longe; zelar pelo precioso combustível, rezar para pousar em um lugar plano e — o mais difícil — voltar seu kerbonauta para Kerbin.
Para tal, é preciso passar por todo processo de construção e experiência, parte permanentemente presente no jogo. É preciso montar sua espaçonave desde os estágios de propulsão e manobra, colocar experimentos científicos nos locais certos e sempre pesar estrategicamente a quantidade de combustíveis e outros apetrechos indispensáveis para se chegar a algum lugar (e, de preferência, voltar para casa).
Este desafio criativo aumenta o senso de responsabilidade do jogador, que precisa julgar o que deve e o que não deve colocar a bordo, pensando na estabilidade, peso e outras necessidades que os kerbals irão encontrar longe de casa. Se isso for pouco para o sentimento realista, há inúmeros mods que incluem mais dificuldade aos seus projetos: manutenção de vida (comida, oxigênio, água), uma física mais rígida e alguns outros detalhes que aumentam a experiência. Há até mods para transformar o universo em nosso próprio Sistema Solar, com as dimensões reais dos planetas e luas do nosso cantinho na Via Láctea. O sistema do planeta Kerbal consiste de uma versão menor e mais acessível dos nossos planetas, mas ainda assim o desafio é constante.
Para o iniciante, é um campo desconhecido, mas existem tutoriais e o modo Career para guiá-lo nos princípios básicos da física, aerodinâmica, construção e lançamento de espaçonaves. Depois de algumas horas praticando (e explodindo suas obras), a lua já se torna algo mais palpável. Existem outros dois modos, que se encaixam nas preferências de jogo de cada jogador. Há um para não se preocupar com as limitações financeiras, e outro completamente livre, com todas as peças desbloqueadas desde o início.
Agora na versão 1.0+, KSP corrigiu boa parte dos problemas e incluiu novidades que justificam a saída da versão beta em seu nome. Além de agora termos kerbalianas (com Valentina Kerman sendo a heroína ao lado de Jebediah Kerman), as missões ganharam uma lustrada e ajudam o jogador a evoluir no gameplay, com objetivos iniciais simples, que estimulam a criatividade e as estratégias de construção e lançamento a trabalharem.
Caindo na lua
Um dos maiores “empecilhos” encontrados atualmente no jogo, mas que é presença constante desde os primeiros protótipos, é a quantidade de bugs, glitches e outros soluços de programação que surgem do nada durante a experiência. Depois de um tempo jogando, você se sentirá confortável com eles, e pode até prever quando eles irão surgir em determinados momentos. Os mais comuns são naves agindo de maneira bizarra, peças se desprendendo subitamente e explosões-surpresa em momentos críticos, que não chegam a ser uma grande encrenca graças aos quicksaves e à opção de se voltar o lançamento, sem nenhuma perda.
KSP — modo "zuão".
A interface do jogo é algo que vem evoluindo ao longo das versões e patches, mas que ainda precisa de muito polimento para ser ideal. O jogo apresenta o básico de números e dados para o jogador não se sentir flutuando sem direção ao infinito: em voo, há mostradores para a velocidade, altitude, pressão atmosférica, aceleração e empuxo da gravidade.
No modo construção, apenas recentemente temos dados para peso, altura, largura e comprimento. Caso precise de mais informações enquanto constrói e pilota, é necessário a instalação de mods, que são indispensáveis para quem quiser chegar mais longe no sistema solar sem perder muito tempo calculando ou recuperando saves. Coisas como previsão de tempo para a queima de todo o combustível, delta-v necessário para um determinado objetivo e alguns outros detalhes que fazem falta num momento de dúvida diminui razoavelmente a frustração e medo de não conseguir chegar em determinado lugar.
KSP — modo sério.
Mas para o jogador tipo “zuão”, aquela criança destruidora que todos somos em alguma fase de nossos gameplays, isso é só um detalhe. A simples emoção de se fazer um foguete e arremessá-lo grotescamente em direção a outro planeta já é uma satisfação enorme para quem já sonhou em ser astronauta. Certas pessoas possuem um pequeno Neil Armstrong escondido em algum canto de nossa alma, e muitos querem colocar o pequeno Mythbuster em ação. Esse jogo fornece as ferramentas para os dois tipos.
Prós
- Para um jogo de astrofísica prática, é fácil de se aprender, com tutoriais e missões que respeitam os limites do jogador;- Física simples, mas dinâmica e profunda;
- Diversos planetas e peças para se montar as naves criam um leque infinito de possibilidades;
Contras
- Bugs podem frustrar quem tem pouca paciência;- Algumas funções mais completas devem ser obtidas por mods.
Kerbal Space Program — PC — Nota: 9.0
Revisão: Alberto Canen