Teoria das cores no Game Design

Como o uso correto das cores e de seus significados podem ajudar o árduo trabalho de um Game Designer.

em 06/06/2015

Toda a ideia do Game Design gira em volta de fazer com que o designer seja capaz de transmitir suas ideias através do jogo, chegando de maneira adequada ao jogador. Existem várias formas e conceitos que podem ser usados para fazer com que essa comunicação exista e cumpra seu objetivo, e vários elementos devem ser compreendidos para que haja um sucesso no design de um jogo, e um dos mais cruciais deles é a cor.

Um uso consciente das cores e uma total ciência de como elas podem ser utilizadas dentro dos jogos com um elemento a favor do design é de extrema importância para que o jogador possa ter a experiência desejada pelo designer em seu jogo.


Vale mencionar, por mais que a ideia de Game Design seja muito recente, a preocupação com essa comunicação entre designer e jogador existe desde o princípio dos jogos eletrônicos, embora menos formal. Isso não surgiu por uma maturidade precoce na indústria, mas sim sendo forçada pelas grandes limitações tecnológicas que havia até pouco tempo.

Por exemplo, a escolha de cores do nosso famoso e querido Mega Man (NES) foi totalmente baseada nas limitações tecnológicas do console. Havia uma maior gama de tons azuis na paleta disponível, então essa foi a cor escolhida para ele, já que seria possível que ele se destacasse facilmente dos demais elementos do jogo, independente das cores escolhidas para eles, não se confundindo com o céu, por exemplo, por apresentar diferentes tons de azul.

Graças a uma impecável escolha de cores, nosso querido Mega Man conseguia se destacar mesmo em fundos de tons semelhantes.
Caso outra cor fosse escolhida, talvez o Mega Man se confundisse com o fundo ou com outros elementos do jogo, fazendo ele menos acessível para o jogador e talvez não tivesse o mesmo sucesso que teve. A ideia da cor para criar interesse visual, e do contraste entre elementos de diferentes funções se mostra tão útil no Game Design quanto em qualquer outra variação do Design.

O contraste e pontos de interesse

É importante também lembrar que quando se fala em cores, não estamos apenas falando de cores vivas e ultra-saturadas. O domínio da cor como ferramenta se demonstrou crucial também no Game Boy, que dispunha apenas de tons de cinza, utilizando-se do contraste como uma forma de distinguir elementos.

Em um dos grandes sucessos do portátil, Super Mario Land (GB), é possível notar como os elementos relativos a jogabilidade, geralmente em tons de cinza mais escuro, destacavam-se do fundo, sempre majoritariamente branco, com linhas em preto, ou elementos maiores em cinza claro, para que não tivessem um “peso” visual maior do que o que era realmente importante para o jogador.

Mario e outros elementos mais relevantes ao jogo destacam-se facilmente do fundo.
Por mais que atualmente as limitações tecnológicas sejam menores, o desafio de lidar bem com as cores se mantém. As vastas possibilidades oferecidas pela tecnologia atual muitas vezes podem gerar escolhas mal pensadas, que se refletem em resultados ruins. Quanto mais se ganha domínio sobre os elementos, mais bem pensados eles devem ser.

Em DotA 2 (PC), por exemplo, é observável que os heróis sempre se destacam do ambiente através das cores. O contraste serve tanto para identificar diferentes elementos quanto para definir um ponto de atenção. Nos heróis, é observável um maior contraste e tons mais saturados na parte superior do torso dos personagens. É essa parte do corpo que está mais diretamente envolvida com a ação do jogo, e ela deve ser o centro de atenção do jogador. O uso do contraste maior e de tons mais saturados fazem que o olhar do jogador vá diretamente para esta área, garantindo que ela seja mais importante como centro de atenção.

Maior contraste e saturação sempre na parte superior do corpo, para chamar a atenção do jogador para onde a ação se desenvolve.
Essa criação de pontos de interesse através do contraste ou saturação se mostra importante, por exemplo, quando um personagem brilha em outra cor quando sofre dano. Não apenas aquilo indica o resultado de uma ação, como vai chamar o olhar do jogador para que aquele feedback do jogo seja notado. Um outro exemplo é fazendo com que o personagem se destaque do fundo através da cor, como no próprio Super Mario Land ou no DotA 2, já citados, gerando um contraste e criando interesse no elemento que se deseja.

As cores como criadoras de significado

Não só é importante saber que o contraste pode diferenciar elementos e chamar a atenção do jogador, mas também é importante ter consciência das cores escolhidas para determinados elementos dentro do jogo. Por exemplo, o vermelho é uma cor energizante e que motiva a ação, sendo assim, amplamente utilizadas para avisos e alarmes. Essa cor logo acaba sendo uma cor recomendada para elementos do jogo que irão requerer uma maior atenção ou reação mais rápida do jogador. Indicadores em vermelho tendem a identificar inimigos ou fontes de perigo. Barras de HP também costumam vir em vermelho, por precisarem de constante atenção. Como esses elementos são recorrentes na cor vermelha, eles acabam se tornando cada vez mais frequentes, por serem mais facilmente associáveis pelo jogador. Uma barra vermelha sempre é identificada imediatamente como a vida da personagem, a menos que algo seja feita para diferenciá-la.

O significado das cores, no entanto, não serve apenas para identificação de elementos dentro de um jogo, mas também para que fortalecer a ideia e o conceito do game. O azul, por exemplo, é uma cor mais “introspectiva” que o vermelho, é ligado à intelectualidade e também a conteúdos mais “místicos”, não é à toa que é tão recorrente como uma cor primária nas capas dos jogos da série Final Fantasy, que tem a estratégia no lugar da ação como foco, e uma temática fantasiosa e mística. No entanto, jogos como Doom (Multi) ou Devil May Cry (Multi), que têm a constante ação como foco, costumam usar primariamente cores quentes na capa, por simbolizar maior energia, movimento e ação, obviamente.

As cores certas ajudam a traduzir o sentimento de um jogo em sua capa.
Vale lembrar que ao entrar em alguns aspectos mais subjetivos das cores, as regras são menos objetivas e mais suscetíveis ao contexto do jogo. Enquanto o uso de cores mais vivas pode atribuir um ar mais descontraído e um contexto artístico mais contemporâneo, como nos jogos da série Katamari, em um contexto diferente, o uso de tons mais saturados pode dar um ar mais “retrô”, e criar uma atmosfera mais pulsante, como em Hotline Miami (Multi). O mesmo acontece com tons pasteis, que podem tanto dar um ar mais tranquilo a um jogo, como em Recettear (PC), quanto criar uma ambientação de maior mistério ou tensão, como em Rule of Rose (PS2).

O contexto também será capaz de atribuir significado à cor.
É indispensável que um bom designer tenha domínio das cores. Conhecendo seu próprio jogo e fazendo uso delas não só como um “enfeite”, mas como uma ferramenta primordial na concepção do jogo, eliminam-se barreiras de comunicação e o jogador poderá ter a experiência desejada com o título. É importante ter consciência que, mesmo detalhes que inicialmente podem passar despercebidos pelo jogador, vão ter uma importância vital na forma como ele compreende e interage com o jogo, e podem ser tanto a chave do sucesso quanto o motivo do fracasso dele, e é função do designer ter total compreensão desses elementos.


Revisão: Alberto Canen
Capa: Nívia Costa

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