Jenkins mostra ao longo de seis capítulos, com um belo modo de conversa e uma ótima escrita, vários casos que ilustram tudo que ele diz através de todo o livro sobre a nova cultura nascida aos poucos a partir da década de 1990. Vários desses exemplos são velhos conhecidos da maioria de nós: Star Wars: Galaxies, Enter the Matrix, The Sims Online, Pokémon, Harry Potter, Senhor dos Anéis e mais uma tonelada de menções menores que enriquecem o conteúdo do livro e o deixa mais atual, mais inserido na cultura da qual ele tanto fala.
Então preparem-se para pensar de um modo diferente pois, ao ler Cultura da Convergência, você passa a ver tudo que você assiste, joga, lê e ouve de uma forma que não havia pensado antes. Mas, claro, não deixa de ser divertido também entender como tudo está interligado.
Uma rápida passada por Reality Shows
Nos dois primeiros capítulos do livro Jenkins traz dois Reality Shows bem famosos como estudo de caso. Um deles, Survivor, ficou conhecido aqui no país como No Limite, enquanto o outro, existe até hoje e já recebeu jogos não muito bons: American Idol (o nosso Ídolos).Não pretendo estragar as surpresas do livro nesta resenha, então vou me ater a comentar como é incrível descobrir a ligação entre o surgimento dos primeiros spoilers com as primeiras temporadas de Survivor. Assim como a prática dos stalkers tem ligação com fãs da série também. Elementos tão corriqueiros em nossas vidas atualmente que muitos não param pra pensar “de onde isso veio afinal?”. Pois bem, agora já dá pra saber.
Além dos spoilers e stalkers, esses capítulos também trazem relatos incríveis de como fãs, a partir do momento que começaram a se organizar em fóruns na internet, começaram a exercer influência em grandes programas de televisão. Também compartilhando conhecimentos de uma forma nunca antes vista, o que o autor chama de “Inteligência Coletiva”. E isso é apenas o começo.
Survivor também teve um jogo, que não deu muito certo... |
Matrix e a transmídia
Matrix é, sem dúvidas, um dos clássicos do cinema moderno. Se você ainda não viu, por favor, vá ver assim que terminar de ler este texto. Sério. Agora, se você faz parte da parcela da população que assistiu aos filmes e não conseguiu entendê-los, pois bem, pode ser que esta resenha o ajude um pouco. Não a entender o filme, mas a entender o porquê de você não entendê-lo. Vou explicar.
No terceiro capítulo de Cultura da Convergência, Jenkins mostra o quão complexo o mundo de Matrix é. O motivo de tamanha complexidade? A história não é contada através de uma única mídia. São três filmes, o especial Animatrix, vários quadrinhos e, é claro, Enter the Matrix (Multi), jogo que ficou famoso na época por contar a história de Niobi e Ghost, entre os acontecimentos dos filmes.
Matrix iniciou dessa forma um estilo novo de narrativa que começaria a surgir em várias outras franquias. Atualmente, diversos games mostram cenas e acontecimentos que são complementados por mangás, quadrinhos, filmes e livros. Um exemplo famosíssimo é o nosso bom e velho Pokémon.
Os mais aficcionados pela franquia podem buscar informações extras de personagens dos jogos, por exemplo, vendo determinados episódios do anime ou lendo os mangás da série (o que, sem dúvidas, é mais indicado no caso). Um elemento que está muito presente também em Warcraft e em outra franquia que se tornou mestre em contar esse tipo de história “extra”: Star Wars. Com games como Old Republic (PC), Battlefront I e II (Multi) e The Force Unleashed (Multi), a mitologia da série se expandiu drasticamente, nos mostrando eventos entre os episódios do cinema e até alguns de milhares de anos antes de Anakin ou Luke nascerem.
Conhece todos? Talvez com os livros fique mais fácil de reconhecê-los em WoW. |
A força de Star Wars está com os fãs
E por falar em Star Wars, o quarto capítulo do livro é inteiramente sobre essa franquia, que atualmente é uma das maiores da indústria do entretenimento com uma coletânea infindável de livros, filmes, séries, quadrinhos, games, mangás, brinquedos e várias outras coisas. Mas o foco desse capítulo são nos fãs da série, e como eles começaram a mudar o significado de fãs para a indústria.
Até pouco tempo atrás, o entretenimento funcionava da seguinte forma: as grandes indústrias (como a Lucas Arts) produziam seu conteúdo e disseminavam pelo mundo. Assim, os fãs (nós) poderiam consumir seus produtos como belos cordeirinhos amansados e garantir o lucro dessas gigantes. O problema é que agora os fãs têm contato, têm vontades mais claras, têm opiniões mais organizadas em grandes números, tudo por grande influência da internet, é claro. Grande problema para as empresas, grande sorte para nós.
A verdade é que a Lucas Arts sempre teve uma relação tensa com os fãs de Star Wars. Fãs de Star Wars são, desde o início da franquia, nerds. E isso eu digo pegando o significado mais clássico do termo. Em geral, gostam de computadores, de internet, de mexer com programas de edição e, em sua maioria, fãs são criativos. Dessa forma começaram a surgir paródias e fanfics de diversas formas que passaram a ser uma dor de cabeça para os estúdios. E isso gerou uma “guerra” entre os fãs de Star Wars e a Lucas Arts.
Mas o jogo começou a virar com o lançamento de Star Wars: Galaxies (PC), o primeiro MMORPG de Star Wars, anos antes de Old Republic surgir no mercado. Nos seus primeiros anos de existência, SWG arrebatou milhares de fãs pelo mundo todo e as pessoas começavam a construir verdadeiras sociedades dentro do game. Porém, um pacote de atualização foi lançado em 2003 que modificava drásticamente algumas características do jogo. O resultado foi imediato: uma saída em massa dos servidores.
É aí que começamos a ver a participação dos fãs na criação das empresas se tornando cada vez mais significativa. A Lucas Arts juntou uma equipe para dialogar com os fãs através de fóruns para averiguar quais seriam as modificações mais importantes que eles gostariam de ver no jogo. E com isso, Galaxies sobreviveu por mais alguns anos. Outra reviravolta incrível da nossa cultura atual: não é a indústria que diz o que queremos, somos nós que mostramos pra ela o que fazer para nós.
De Harry Potter a The Sims: um movimento político
Os dois últimos capítulos do livro falam bastante da capacidade dos fãs e consumidores em geral de não mais apenas consumirem aquilo que gostam, mas também de criar e recriar histórias com base nesses produtos. No livro, Jenkins usa exemplos de blogs como The Daily Prophet que cria histórias baseadas no universo de Harry Potter. Mas nós podemos pegar vários casos de games também. Jogos como Super Meat Boy (Multi) e Unepic (Multi) que nasceram da inspiração de fãs em games mais antigos, e também alguns mods para jogos como GTA e Skyrim.
Por fim, o livro mostra uma reflexão de como nós estamos nos tornando cada vez mais políticos através dessas interações “novas”. Debates no Facebook, toneladas de vídeos no YouTube e milhares de fóruns internet a fora comprovam isso. Cada dia mais, usando a inteligência coletiva, a população se torna mais consciente do que está à sua volta, de uma forma nunca vista antes. É claro que também existe o risco da alienação e do isolamento, mas esse não é o foco do trabalho de Jenkins nesse livro, e é por isso que este é tão interessante.
Assim como os exemplos citados, Jenkins também usa um jogo da década passada para exemplificar como as pessoas estão ficando mais políticas com o desenvolvimento dessa nova cultura. The Sims Online (PC) foi um estouro, nos EUA principalmente, entre 2003 e 2006. O jogo funcionava basicamente como suas versões offline, entretanto com a diferença de ser jogado em uma comunidade compartilhada com milhares de pessoas.
Mesmo não tão popular no Brasil, The Sims Online fez grande sucesso nos EUA. |
A questão é que em 2004 uma eleição para presidente foi feita no jogo, para que um dos jogadores comandasse Alphaville, a cidade mais povoada de The Sims Online. As campanhas foram tão acirradas e a repercursão tão grande, que até jornais começaram a retratar o caso na época. Um rapaz de vinte e poucos anos contra uma garota de onze. Imaginem o quão sensacional isso foi aos olhos de uma sociedade que, até então, não dava muita bola para a política em geral. Mais uma vez, os jogos estão aí para mudar um pouquinho a história.
“Bem-vindos à Cultura da Convergência”
O livro é uma viagem através das duas últimas décadas que nos faz perceber como já estamos no futuro. Como essa geração mudou drásticamente sua forma de interagir, se formos compará-la com a famosa década de 1980. O interessante também é ver como elementos que fizeram e ainda fazem parte dos nossos leques de diversão são sinais de toda essa transformação.
Cultura da Convergência é um livro misto por isso. Serve tanto para fins acadêmicos por trazer uma teoria brilhante de um dos estudiosos de mídia mais respeitados dos Estados Unidos, quanto para crescimento pessoal. É divertido saber mais sobre casos como os citados em Enter the Matrix, Harry Potter e The Sims Online. Além de ser um ótimo guia para pesquisar mais sobre algumas franquias que nós pensávamos que sabíamos tudo sobre. Altamente recomendado!
Revisão: Alberto Canen
Capa: Peterson Barros