Half-Life (Multi): o jogo que mudou um gênero

Projeto ambicioso de uma estreante que revolucionou o gênero FPS e a narrativa como um todo no mundo dos jogos eletrônicos.

em 11/06/2015
Em um gênero consolidado mecanicamente por jogos como Doom (Multi) e Quake (Multi), uma então pequena desenvolvedora conhecida como Valve surgiu com um projeto ousado que iria revolucionar os FPS narrativamente. Após ser rejeitado, como todo projeto inovador, e encontrar “aceitação” na Sierra, nascia um jogo que redefiniu o FPS. Seu nome era: Half-Life.


O nascimento de uma obra-prima 

Inicialmente, o lançamento do jogo foi marcado para novembro de 1997. No entanto, já era setembro e após muito trabalho o time percebeu que o jogo que fizeram era uma versão melhorada e “morta” de Quake.

O título possuía elementos dignos de um jogo de sucesso, como monstros interessantes, níveis legais e tecnologia bacana. Porém, por mais divertidas que fossem separadas, as peças desse quebra-cabeça não formavam um bom jogo quando eram unidas. Em vez de corrigir os erros do projeto que já tinham em mãos e entregar o produto final às prateleiras com alguns meses de atraso, eles optaram por refazê-lo completamente. O que o futuro lhes guardava era imprevisível, mas ao menos iriam produzir algo que agradasse a todos na equipe.
"O senhor pode me dizer onde é a junta militar?"
O primeiro passo tomado pela equipe foi formar um pequeno grupo de pessoas que pudesse resgatar as ideias “divertidas” do projeto original, para formar um só nível. Se algo fosse considerado chato, era cortado. O resultado final foi satisfatório e o pontapé inicial para o jogo que conhecemos hoje foi dado.

O segundo passo do processo foi analisar o que havia de diferente no que haviam feito, que seria um atrativo para o jogador. Três teorias foram formuladas pela equipe durante a análise: uma defendia que conteúdo deveria ser destravado pelo jogador na medida em que ele avançasse no jogo, assim, suas ações teriam uma consequências e não iriam fugir de seu controle; a segunda defendia que o mundo oferecido pelo jogo deveria interagir com o jogador e suas ações; a última, mas não menos importante, defendia que o jogo deveria alertar o jogador em caso de dano ou perigo, assim ele iria considerar a falha sua culpa e trabalhar para superá-la.

No entanto, o terceiro e um dos mais importantes passos dado pela equipe foi a criação da cabala, que é considerado um dos motivos do tamanho sucesso de Half-Life. Tratava-se de um grupo de pessoas formado pelos desenvolvedores para desenvolver um documento relatando todos os mínimos aspectos do jogo. Eles decidiam quando e onde um NPC, monstro ou arma seria introduzido no decorrer da obra. Muito do que fora introduzido meticulosamente nesses documentos fora decidido em reuniões de “brainstorm” voltadas para partes específicas do título. A tarefa era dividida entre os membros do grupo: um gravava e transcrevia as ideias no papel, outro trabalhava com as ilustrações explicando layout e detalhes do projeto.
Uma das artes conceituais feitas pela Cabala
Assim que as ideias eram geradas, todas eram reorganizadas em uma história de forma cronológica. Fechando tudo com uma descrição com todos os “eventos-chave” e aonde deveriam ser introduzidos.

Mecânicas recicladas

Não havia algo muito diferente em Half-Life quanto às mecânicas, porém, as mesmas foram reinseridas no jogo de uma forma meticulosa. Um exemplo são munições e armas: você as encontra em corpos, de soldados ou seguranças, espalhados pelo ambiente ou em um armário. Isso é proposital, pois dá uma certa lógica ao jogo e se encaixa ao enredo de alguma forma, faz você sentir que existe um “toque de realismo” enquanto joga.

Outro exemplo é a sua armadura: H.E.V suit Mark IV, que fora desenvolvida para a proteção em ambientes e de materiais perigosos. Isso explica por que você sofre apenas dano ao invés de morrer instantaneamente com radiação, eletricidade ou gases nocivos. Isso torna ainda mais lógico o motivo pelo qual a energia do traje deve ser constantemente carregada. Em outras palavras, nada de salas vazias com itens, e uma dúvida à sua espera: “de onde foi que eles vieram?”.
Um dos momentos mais épicos do jogo.
Se a campanha singleplayer já era incrível graças ao remanejamento de poucas mecânicas, o multiplayer não era tão diferente: um “mata-mata” com armas espalhadas pelo chão, munição e explosivos somados a mapas e skins variados. No entanto, isso não impediu que fossem criadas várias modificações a partir desse modo, o que deu origem a outros títulos de sucesso da Valve, como Team Fortress e Counter Strike.

O molho secreto 

Na experiência proporcionada por Half-Life, a melhor parte foi a narrativa. Ela era simples e complexa ao mesmo tempo, mas também o coração da obra. Tudo gira em torno da história, mas, diferentemente de outros jogos, nenhuma cutscene atrapalha sua aventura.

Inicialmente, a única informação que o jogo te passa é simplória: você é um cientista. Claro que algumas informações básicas como o nome do protagonista são reveladas, mas nada além disso. Elementos do cenário, NPCs, monstros e diálogos revelavam a trama na medida em que você avança no jogo.
Corrigindo: você é só o estagiário e eles os chefes,
 por falar nisso, cadê meu café?
Exemplo dos primeiros momentos de jogatina, em que você tem acesso ao armário de Gordon Freeman (protagonista do jogo). É possível notar elementos curiosos, como os romances The 37th Mandala e The Orchid Eater de Marc Laidlaw (escritor norte americano que também trabalhou na Valve), e uma foto, sugerindo que Gordon tem um filho ou quem sabe um irmão caçula.

Outro exemplo dos diálogos de personagens, cuja existência é um mistério e a importância na trama é imensa: G-man e Nihilanth. Alguns dos elementos que envolvem o enredo só ganham sentido ou são revelados em outros jogos da série, como Opposing force (PC), Blue Shift (PC), Decay (PS2, PC) ou até mesmo Half-Life 2 (Multi). Outros jogos da Valve, como Portal (Multi), sugerem que a história por trás de Half-Life possui uma ligação, o que implicaria dizer que todos os títulos da companhia coexistem em um único universo.
"Gordon Freeman in the flesh."
Como nada é uma certeza ou foi confirmado (Half-Life 3 mandou lembranças…), tudo permanece um grande mistério recheado de teorias feitas por fãs.

Um presente para nova geração

Half-Life influenciou em muito alguns jogos da nova geração. Exemplo de Far Cry 4 (Multi), lançado recentemente pela Ubisoft, no qual um mundo foi concebido para que o jogador pudesse explorá-lo. Certamente Kyrat e a Black Mesa (um dos ambientes onde HL se passa) são bem diferentes, mas isso não muda o fato que foi deixado à disposição do jogador um ambiente que revela traços do enredo na medida em que ele avança.

Outro ótimo exemplo é o ultimo título lançado da franquia Call Of Duty, Advanced Warfare. Em algumas das missões do jogo, é possível escolher a abordagem que quer utilizar, o que antes só era possível de uma forma mais “pobre” no modo multiplayer. Em Half-Life era possível partir para a ignorância e atirar para todos os lados, ou simplesmente agir com mais cautela, esconder-se e até escutar os diálogos de NPCs.
Tão convidativa quanto a Black Mesa.
Bioshock (multi) também é um exemplo formidável. Vide a voz de Atlas que te auxilia no jogo, ou todos os cartazes que denunciam um pouco da história de Rapture, ou o sentimento de perseguição proporcionado pelo título, o que supera aquilo que foi visto em Half-Life, mas a experiência em ambos é bem próxima tendo em vista que o jogo da Valve tem uma pitada de Horror.

Half-Life é muito mais do que grande marco na história do jogos, ele é uma obra-prima revolucionária, que moldou gerações que vieram depois dele e ainda tem muito a ensinar para a oitava geração de consoles. Esse jogo definitivamente merece a importância que carrega e deve ser devidamente apreciado.

Revisão: Alberto Canen 
Capa: Diego Migueis

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