O pulo duplo e a sua (im)possibilidade científica

No videogame, um pulo duplo são dois toques de um botão. Na vida real, esse truque pode ser mais complexo do que você imagina.

em 23/05/2015
Eu até imagino a reunião de quando criaram esse tal de “pulo duplo”: o designer decidiu colocar um abismo muito grande em uma das fases, no qual um pulo só não bastava. Então, que mal faria apertar o botão mais uma vez para chegar ao outro lado, não é? Claro que não foi assim, mas essa mecânica marcou os jogos de plataforma e todos os games, de forma geral.

Mas será que isso é realmente possível no nosso universo? Talvez, dentro de certas condições, seja possível dar um segundo pulo. É hora de usar a física para tentar encontrar essas respostas!

Sem pular nenhuma definição

Não somos as primeiras pessoas a achar que um pulo duplo não faz nenhum sentido. Na verdade, os desenvolvedores de jogos já perceberam isso há algum tempo, tanto que começaram a achar desculpas para isto dentro do gameplay, como Alucard em Castlevania: Symphony of the Night, que usa sua capa como asas para o segundo pulo, por exemplo. Ainda temos os casos no qual algum explosivo é quem causa o impulso, como na série Team Fortress (dando origem ao chamado “rocket jump”).

O início do movimento
A ideia de se ter um par de pulos em vez de um único surgiu em 1984, com Dragon Buster. Desenvolvido pela Namco e lançado para arcades, NES e MSX apenas no Japão, o jogo foi o primeiro a trazer essa mecânica, permitindo ao protagonista Clovis chegar a lugares mais altos. O game também foi o responsável por inovar com outros conceitos, como uma barra gráfica de vida e um hub world ligando os vários calabouços da trama.
Logo, vamos nos deter a tentar provar a (in)existência daqueles pulos duplos que acontecem no ar, sem nenhum tipo de corda puxando, magia agindo ou qualquer outra gambiarra fictícia que já criaram até hoje nos jogos. Mas antes de falar do segundo pulo, precisamos saber como funciona o primeiro.

O primeiro de muitos

O ato de pular pode ser explicado, dentro da física, pela Terceira Lei de Newton, também conhecida como o famoso Princípio da Ação e Reação: “a toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade”; em outras palavras, toda vez que um corpo A aplica uma força em um corpo B, esse corpo B aplica uma força de mesma intensidade e direção, mas de sentido oposto, no corpo A.

É exatamente isso que acontece quando nós pulamos. O seu corpo — ou melhor, os seus músculos — aplicam uma força no chão e, consequentemente, o chão aplica uma força de mesma intensidade e direção, mas de sentido oposto ao seu corpo. Isso faz com que ele ganhe velocidade e, portanto, ganhe energia cinética, a famosa energia responsável pelo movimento.


Você começa a subir graças a esta velocidade: enquanto uma parte de sua energia inicial é perdida pela resistência do ar, a outra é transformada em energia potencial gravitacional (uma energia que todos os corpos armazenam por estarem em uma determinada altura). Ao chegar no ponto mais alto, toda a energia restante está nessa forma de potencial gravitacional e, por causa da força gravitacional do planeta (o seu peso), se transforma em cinética novamente, causando o movimento de volta ao chão.

Temos duas conclusões: precisamos aplicar uma força em uma determinada superfície para que ocorra o primeiro pulo e é a força gravitacional a responsável pela queda do corpo. Mas, quando pensamos no segundo, também temos dois problemas: a gravidade da Terra é rápida o suficiente ao trazer nosso corpo para o chão sem que possamos esboçar alguma reação e, principalmente, o ar terrestre não pode ser usada como superfície para que façamos o segundo pulo.

Logo, sem esses pontos, é fácil concluir que o pulo duplo é fisicamente impossível, não é? A verdade é que ele é realmente impossível de ser feito aqui no nosso planeta. Sim, especificamente na Terra.

Um problema de peso

Resumindo a seção anterior, precisamos resolver duas questões para possibilitar o nosso objeto de estudo: uma queda mais lenta no primeiro pulo e um jeito de impulsionar o ar para que o segundo pulo aconteça.

A primeira delas está fortemente ligada com a força gravitacional que os corpos exercem uns sobre os outros. Lembra da maçã de Newton? Diz a lenda que foi a partir da queda dela na cabeça do grande físico que fez com que ele concebesse a Lei da Gravitação Universal que, por mais que já tenha sido desbancada pela Teoria Geral da Relatividade de Einstein, ainda funciona em termos práticos, principalmente para entendermos onde procurar a resposta do nosso problema.

De acordo com Newton, todos os corpos do Universo se atraem e a intensidade dessa “atração” se relaciona com a distância em que os corpos estão e com a massa deles: a força gravitacional é diretamente proporcional ao produto das massas dos corpos que estão se atraindo; ou seja, quanto maiores as massas dos corpos, maior é a força de atração entre eles.

Já que sua massa não vai mudar (a não ser que você faça academia e uma dieta balanceada), precisamos mudar a do corpo celeste que te puxa. A Terra é muito grande, precisamos de um menor. Que tal uma lua? Sim, uma lua! Elas, por serem bem menores, acabam por ter um campo gravitacional também menor — é por isso que os astronautas da Apollo 11 caíam tão devagar em sua ida à Lua.

O verdadeiro “pulo” do gato

Agora só falta tentar entender como é possível impulsionar o ar para o segundo pulo que, convenhamos, é a parte mais impossível de todas. A atmosfera terrestre, composta principalmente por nitrogênio, oxigênio, argônio e vapor d’água, tem uma densidade relativamente baixa, assim como boa parte do resto dos corpos do Sistema Solar. Para usar a atmosfera como superfície para o pulo, é preciso que ela seja bem mais densa do que temos por aqui.

Titã, a densa lua de Saturno.
A solução está a uma distância média de 1,4 bilhão de quilômetros do Sol, na órbita do planeta Saturno. A lua Titã é o único satélite natural que apresenta uma atmosfera densa, aproximadamente 1,45 vezes maior que a da Terra, composta majoritariamente por nitrogênio e isenta de vapor d’água. Além disso, seguindo a ideia de que uma lua teria uma menor massa e, consequentemente, menor força gravitacional, Titã corresponde a 0,0225 Terra em massa.

Então, teoricamente, seria possível pular, cair mais devagar e usar o ar como superfície para impulsionar na segunda vez — ou seja, fazer o nosso pulo duplo — desde que você esteja na superfície de Titã, uma das luas de Saturno.

O porém

Sim, sempre tem um porém quando o assunto é ciência. Afinal, por mais que, na teoria, o pulo duplo seja possível, a pressão atmosférica em Titã é 60% maior que a da Terra e a temperatura média lá é de -179 ºC: qualquer um precisaria de um traje muito bem equipado para conseguir se manter vivo. Na verdade, você ia precisar de uma boa nave e muita paciência; afinal, o caminho é realmente longo. Para ter uma noção, a luz do Sol (que anda, em média, 300.000 quilômetros por segundo e é a coisa mais rápida que conhecemos) demoraria cerca de 4667 segundos para chegar no planeta, o que corresponde a uns 78 minutos (ou 1h18min). Agora imagina uma nave espacial...

Enquanto não dá para dar uma de Mochileiro das Galáxias e testar um dos ícones dos jogos de plataforma em outro corpo celeste, o jeito é ficar usando os videogames mesmo... Só não podemos pular a esperança, não é mesmo?
Revisão: Luigi Santana
Capa: Felipe Fabricio

sempre com projetos criativos, estranhos ou os dois ao mesmo tempo. desenvolvedor de software, game designer e escritor sobre as coisas que eu gosto.
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