Provavelmente você pensará que este amigo não entendeu muito bem sua pergunta. Afinal, “prosa” não é a primeira coisa que vem na cabeça da maioria das pessoas quando pensam em gêneros literários. Tal descrição pode até ser precisa, mas não é muito útil e engloba um número gigantesco de trabalhos literários — muitos sem relação alguma um com o outro. Ao perguntar sobre o gênero do livro, você esperava saber mais sobre seu conteúdo, não sua estrutura ou o modo como ele se organizava.
É uma prosa com elementos de poesia! |
Mundo mecânico
Que a classificação dos jogos segue uma abordagem puramente mecanicista não é segredo algum. Na verdade, o próprio nome de alguns gêneros já deixa isso mais do que evidente: certas nomenclaturas são descrições explícitas de uma mecânica. Por exemplo, jogos em primeira pessoa em que o jogador atira em coisas são chamados de First Person Shooters; point-and-click adventures agrupa games em que é necessário apontar e clicar para interagir com os cenários; e assim por diante.MOBA significa "xadrez com uma peça só na floresta". |
Quando as mecânicas são novas e usadas apenas em determinados contextos, muitas vezes copiando algum jogo influente, essa abordagem faz mais sentido. Nesse cenário primitivo, o gênero acaba englobando experiências semelhantes, mesmo que usando apenas critérios mecânicos. Era assim que ocorria com os FPS no início dos anos 1990: a maioria apenas tentava copiar Doom (PC), tanto é que muitos os chamavam de “Doom-clones”.
Por muito tempo, era mais comum pesquisar por "doom clones" que por "first person shooter". |
Mecânicas para todos os lados
Por que, então, em vez de descrever apenas a mecânica majoritária de um jogo, não descrever todas? Tal especificidade pode, a princípio, parecer uma boa ideia e é defendida por algumas pessoas. Porém, ela acaba gerando muito mais problemas sem de fato tocar no cerne da questão.O primeiro e mais óbvio empecilho é que teríamos nomes de gêneros absurdamente grandes. Coisas como "FPS action-adventure roguelike com elementos de RPG e Plataforma" seriam comuns.
Quebras de limites de caracteres à parte, tal abordagem não contorna os principais problemas causado pelo viés puramente mecanicista — não serve nem mesmo como um paliativo. Jogos com experiências completamente diferentes ainda acabam ficando na mesma categoria.
Fico imaginando como alguém descreveria Evoland seguindo essa abordagem...
Um bom exemplo pode ser visto ao se comparar Assassin's Creed Unity (Multi) com Metal Gear Solid V: Ground Zeroes (Multi). Ambos podem ser descritos como “open-world stealth action-adventures” em terceira pessoa. Mas qualquer pessoa familiar com as duas obras sabe que suas semelhanças terminam aí. Muito provavelmente um fã de MGSV gostaria muito mais do FPS No One Lives Forever 2 (PC) do que de outros jogos da popular franquia da Ubisoft — mesmo com as diferenças mecânicas. Por mais específicas que sejam, mecânicas não são o suficiente para descrever um jogo.
Vânias e Likes
Talvez, em vez de olhar para as mecânicas em si, a solução seja olhar para a experiência proporcionada por elas. Em verdade, há dois gêneros que tentam fazer isso: os Metroidvanias e Roguelikes. Mais uma vez, o que à primeira vista pode parecer uma abordagem melhor acaba causando apenas mais problemas.A própria nomenclatura já é problemática. O nome desses gêneros é uma referência direta aos seus jogos seminais ou mais significativos — Metroid (NES) e Castlevania: Symphony of the Night (PS); e Rogue (PC), respectivamente. Assim, ao enquadrar um jogo nessas categorias, ele acaba invariavelmente sendo comparado com essas. Esse tipo de comparação direta é enganosa, senão injusta. Um game pode ter todas as características particulares de um metroidvania sem que seu objetivo seja, de forma alguma, criar uma experiência similar a Metroid e Castlevania.
Diga-se de passagem, se estão procurando por um bom metroidvania, recomendo Metroid e Castlevania! |
Olhando além das mecânicas
Há um gênero de videogames que é exceção e não olha para mecânica específica ou conjunto de mecânicas. Na verdade, não olha para mecânica alguma: os survival horrors.Calças úmidas são uma mecânica? |
Esta não é, claro, uma abordagem perfeita e está sujeita a muita arbitrariedade. Como qualquer filósofo pode te dizer, gêneros e categorias possuem problemas inerentes, praticamente impossíveis de se contornar. Mas, no dia a dia, são ferramentas linguísticas úteis, e uma abordagem mais holística, que olhe para o conteúdo da obra (e não somente sua estrutura) certamente ajuda. A abordagem usada pelos survival horrors é boa e interessante, e poderia ser usada para categorizar outros jogos também. Em vez de dizermos que gêneros são coisas do passado, deveríamos procurar novas abordagens para descrever e classificar games.
Felizmente, os problemas causados pela abordagem mecanicista já são sentidos em alguns gêneros, que começam a olhar para outros elementos para descrever as obras que englobam. A dualidade entre jRPGs e wRPGs ilustra o caso muito bem. Mecanicamente, os dois gêneros são idênticos. Então, por que há essa separação entre os trabalhos feitos no ocidente e os oriundos do Japão? Porque as diferenças estéticas, narrativas, culturais e regionais são tão grandes que é impossível enquadrá-los numa mesma categoria.
Simplesmente reduzir um jogo somente às suas mecânicas é, por si só, uma má ideia. Elas não são o único elemento de um jogo. Elas não são sequer o elemento mais aparente — a estética é que assume esse papel.
O Extra Credits faz uma dissertação mais aprofundada sobre as diferenças entre jRPGs e wRPGs, mostrando que até a origem deles é diferente.
O propósito de gêneros e categorias é agrupar obras semelhantes. A abordagem puramente mecanicista consegue apenas separar os jogos por suas mecânicas, a despeito de suas diferenças.
Revisão: Vitor Tibério
Capa: Victor Pereira