Rotular jogos por gêneros: uma tarefa que deve ficar no passado

Com tantos jogos bons e elementos de vários estilos em cada um, será que ainda precisamos definir o que jogamos com apenas algumas palavras?

em 18/04/2015

Quem nunca participou de uma discussão por conta de um jogo, levante a mão. Seja por conta de visões diferentes, gostos e até mesmo falta de conhecimento, os jogadores costumam ser extremamente apaixonados por suas franquias favoritas, defendendo-as de qualquer crítica negativa que as envolva. Enquanto cada vez mais o ato de jogar esteja se tornando subjetivo, ainda há quem goste de criar rótulos e desvalorizar um título com base em algumas de suas características.



Há alguns anos, acabei me envolvendo em uma conversa sobre GTA V (Multi). Enquanto falava sobre os meus jogos favoritos, o que inclui todo o universo de Kingdom Hearts (PS2) e outros JRPGs, surpreendentemente ouço: “GTA também é RPG”. Fui obrigado a explicar o que era o gênero, e caí na armadilha de perceber que muitos deles estavam presentes no famoso jogo de mundo aberto.
Em GTA V é possível utilizar o dinheiro para melhorar diferentes quesitos dos carros, assim como fazemos com pontos de experiência e personagens em jogos de RPG.
Já faz algum tempo que os jogos mesclam elementos entre si. O ato de evoluir um personagem por pontos ganhos em batalhas já não está presente apenas em jogos de RPG, assim como os elementos de ação começam a fazer parte de franquias que antes eram extremamente baseadas em longas estratégias, como Final Fantasy. Será que ainda é necessário caracterizar um jogo como de um gênero único?

Uma verdadeira salada mista

Nos anos 1990, os games começavam a ganhar enorme visibilidade. Com a chegada dos gráficos em três dimensões, acrescentando a profundidade aos cenários, a possibilidade de criar universos ainda maiores começava a existir, trazendo-nos grandes títulos e momentos inesquecíveis.
Apesar de Mario ter estrelado em jogos de aventura, outros jogos o trouxeram em diferentes gêneros, como corrida, esporte e até mesmo simuladores de dança. Mas é nos clássicos que seu charme conquista a todos.

Até então, tudo parecia ser muito bem definido, e era de extrema importância que assim fossem: Gran Turismo era um simulador de corridas, Mario 64 (N64) era aventura, Tomb Raider (Multi) era ação — mesmo que pequenos elementos de outros gêneros já existissem, ninguém parecia se importar com isso. Este momento era o de dúvida em torno de um mercado muito recente, ainda considerado infantil e com a preocupação de que jogar em excesso pudesse trazer consequências físicas e psicológicas. Deste modo, era necessário que os pais pudessem comprar algo com base na sua classificação.
Os preconceitos com os jogos podem ter diminuído, mas ainda existem. Desde a época de 1980, jogar é visto como algo para crianças, voltado para meninos e como causa de atos violentos. Há estudos que mostram o quão errôneo é pensar isso, como o excelente livro “Brincando de Matar Monstros", de Gerard Jones.
Conforme os anos foram passando e os games foram ganhando visibilidade, o número de gêneros começou a aumentar, acompanhando a evolução gráfica e técnica dos consoles, assim como a necessidade que a sociedade começava a ter de encontrar conteúdos exclusivos aos seus gostos. GTA é um ótimo exemplo de algo que consegue agradar a todos, desde o jogador casual que apenas dirige pela cidade causando destruições até o que finaliza o modo história com todos os objetivos completos. Surgiam termos como sand-box (jogos que dão liberdade ao jogador de interferir no espaço digital com grande liberdade), JRPG e WRPG (que são diferentes por conta da região em que foram feitos, no mundo) e muitos outros.
Há tantos termos utilizados para designar games que muitos jogadores sequer os conhecem. League of Legends (PC), por exemplo, é um MOBA: Multiplayer Online Battle Arena.

A Internet também trouxe uma enorme mudança de cenário. Diversos termos começaram a ser usados, confundindo a mente de muitas pessoas. MMORPG e MOBA parecem coisa de outro planeta, mas conseguem distinguir muito bem os games que tantas pessoas passam horas de seus dias jogando. Ainda assim, se os analisarmos, veremos que eles são a junção de outros gêneros, que vão cada vez mais se tornando algo único.

Jogos e filmes não se misturam

Um jogo pode ser inspirado em um filme e vice-versa, como tanto acontece atualmente. Ainda assim, são dois conteúdos totalmente diferentes, que exigirão maneiras de interagir distintas. Mas não era assim que a sociedade via no início: a ideia era a de que os games, um dia, substituíssem os filmes — então, por que não utilizar os mesmos gêneros que os classificam?

007 Goldeneye é um filme de ação, então os jogos que lembrarem o filme terão o mesmo gênero. Esta fórmula invadiu os jogos de maneira tão íntima que até hoje muitos ainda comparam os mercados e tentam colocá-los em disputa de todas as maneiras possíveis. Mas, basta um pouco de conhecimento de ambos para saber que as coisas já mudaram. E faz tempo.
O filme de Tomb Raider foi feito com base nos antigos jogos, com Angelina Jolie no papel de Lara Croft. Além de ter um roteiro fraco, os fãs dos videogames não aprovaram o resultado final.

Jogos e filmes são experiências distintas que se complementam. Em filmes, o usuário é mais passivo, utilizando o que vê para se identificar e receber conteúdo que o faça compreender e indagar questões que envolvem o nosso universo. Com os jogos, ele é colocado no controle de um personagem, onde o foco deixa de ser a história e passa a ser a vivência e a experiência individual dentro de situações quase sempre impossíveis em um universo real. Com isso: há conteúdos que só funcionam em jogos e outros que só funcionam em filmes — tanto é que são pouquíssimos os jogos que viraram filmes e que tiveram boa qualidade.
O maior erro dos filmes que viraram jogos, e vice-versa, é o de esquecer o público alvo. Um dos poucos que conseguiram algum prestígio foi o filme Silent Hill, que conseguiu trazer elementos dos jogos para agradar aos fãs além de criar um roteiro que envolvesse os espectadores que não conheciam a franquia.
Outra coisa muito importante de levar em consideração é a de que o mercado de jogos continua em expansão e ainda não está definida. Levando em consideração os filmes feitos em Hollywood, sentimo-nos parados no tempo: a qualidade visual já está em um patamar em que não nos impressionamos tanto com os efeitos especiais, e os enormes orçamentos trazem a sensação de que estamos vendo sempre o mesmo filme. A tecnologia já está perto de seus limites, sendo muito difícil prever o que poderia revolucionar a maneira como assistimos algo. Os jogos vivem algo muito diferente.
Jogar videogame nos anos 1970 era assim: pertinho da TV, segurando enormes e desajeitados controles, enquanto pontos brancos se mexiam na tela. Como as coisas mudaram!
Desde a década de 1970, já passamos por muitas gerações de consoles, e com elas vimos jogos extremamente diferentes. Seja pela parte gráfica, pelas tecnologias utilizadas ou pelo modo em que moveram a sociedade, cada novo ciclo se inicia com novidades que mostram o quão criativa é a indústria. Neste exato momento, os novos consoles colocam o jogador perante máquinas de entretenimento, mesclando todas as mídias em apenas uma e conectando pessoas do mundo todo. E já temos possibilidades de mudança: em alguns anos, talvez usemos óculos de realidade virtual para jogar.

É com tanta mudança que fica impossível saber como serão os jogos em 2030, ao contrário do mercado de filmes. Não há nada de errado ou ruim nisso, já que ambas se tornarão completamente independentes e trarão experiências únicas. E é por isso que os gêneros devem ser completamente distintos.

Abra sua mente

Em The Walking Dead suas escolhas quase sempre são feitas ao pressionar um botão, e influenciam o decorrer da história. Como há uma barra de tempo, é preciso ser rápido e impulsivo.

Assim como os gêneros não param de se mesclar e os jogos ficam cada vez mais difíceis de classificar, mais ideias começam a surgir. Jogos como The Walking Dead (Multi), da desenvolvedora Telltale, não exigem o mesmo tipo de exploração e customização de outros, parecendo ser “um filme interativo”. É esse o argumento que muitas pessoas usam para justificar o fato de não jogarem ou gostarem dele, de maneira totalmente equivocada e amadora.

Todos têm o direito de não gostar de algo. Mais importante ainda é que, após perceber isso, o jogador tente entender o motivo disso, sem colocar a culpa no conteúdo tão rapidamente. Eu, como jogador, não gosto de jogos de esporte, mas não é por isso que os considero ruins — eles apenas não me divertem. Nenhuma mídia foi feita para agradar a todos, e é preciso entendê-la para que a crítica faça sentido.
Curiosamente, os jogos da Telltale conseguiram trazer imersão diferente da já tradicional em outros jogos, colocando o jogador no controle de respostas que influenciam o futuro da narrativa. Apesar de parecer revolucionador, antigos jogos de point and click já faziam algo semelhante, sendo um enorme sucesso nos anos 1980 e 1990.
Se pararmos para analisar o mercado atual de videogames, encontraremos conteúdos que não existiam ou que, simplesmente, eram muito fechados no passado: as criações feitas para que experimentemos sensações. Há pouco, falei de um jogo chamado The Static Speaks My Name (PC), criado por desenvolvedores indie, em que o único objetivo é que vivenciemos um suicídio. Não há muita interação, sendo completamente linear e, curiosamente, sem trazer diversão. Seria isso um jogo, de fato?
Proteus (Multi) é um jogo feito para proporcionar sensações diferentes ao jogador, criando ilhas aleatórias que podem ser exploradas. Não há outro objetivo senão olhar ao redor.

Pouco importa. O que importa é que a mídia dos games é capaz de proporcionar interações e relações que são impossíveis por outros meios, e a tendência é a de que cada vez mais seja usada para fazer a sociedade vivenciar coisas que seriam impossíveis. Se isso trouxer algum tipo de satisfação ou compreensão, o objetivo terá sido alcançado e o papel do desenvolvedor bem sucedido. É bem simples: se você gostou, tudo deu certo.


Ao infinito e além

Se há alguma certeza perante o futuro dos jogos é a de que eles ficarão cada vez maiores, e que trarão possibilidades de universos mais profundos e realistas (no sentido de esquecermos totalmente da realidade). Isso fará com que os gêneros se mesclem cada vez mais, e que fique extremamente difícil utilizar apenas uma palavra para classificá-los.

Em uma sociedade que vive em constante expansão de gêneros para o ser humano, precisamos cada vez menos nos preocupar com o que algo, de fato, é. Ao menos eu, quando ligo o videogame ou assisto um filme, quero apenas me divertir e terminar a experiência me sentindo melhor do que quando não a tinha vivido. Enquanto se preocupam se algo é ou não um game, estarei jogando. E acho que você deveria fazer o mesmo.

Revisão: Jaime Ninice
Capa; Felipe Fabrício

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