Análise: Life is Strange Episode 2: Out of Time (Multi) — Poderes e responsabilidades

Poder voltar no tempo pode parecer divertido, mas as coisas podem se complicar quando há efeitos colaterais. E eles sempre existem, de um jeito ou de outro.

em 15/04/2015

Life is Strange (Multi) é um jogo que me transporta para outro universo. Talvez seja a fantástica trilha sonora ou os ambientes que confortam o olhar de alguém que cresceu em enormes cidades que nunca dormem. Seja qual for o motivo, esperar pela existência de um de seus novos episódios é uma enorme tortura. Felizmente, o segundo chegou e começou a mostrar que o seu roteiro não somente tinha potencial: ele está utilizando-o totalmente.

Novela adolescente de qualidade

Para quem vive tão longe da realidade estudantil americana, poder acordar em um dormitório tão próximo ao de seus colegas parece coisa de outro planeta. Mas é ali que o jogo começa, e já nos encontramos envoltos de tarefas do cotidiano: regar plantas, apreciar fotos, tomar banho e ir para as aulas. Max já se sente totalmente confortável com seus poderes, assim como o jogador: há pouca preocupação em responder algo errado ou realizar ações fora de ordem — com um toque no botão, tudo se desfaz. Desta vez, entretanto, o foco parece ser outro.
O clima mudou bastante em relação ao primeiro episódio: as brincadeiras e discussões começam a ficar pesados.

O tema deste episódio circula em Kate, uma das colegas de Max. Aparentemente, um vídeo circula por toda a escola, tendo ela como protagonista de danças sensuais. Isso parece destruir a garota, que sempre foi extremamente comportada e religiosa e não se lembra de ter feito aquilo. Está nas mãos do jogador decidir como prosseguir em torno do bullying, já que outros antigos personagens e disputas parecem se conectar ao caso.
As pequenas brigas sem sentido e as vinganças fazem parte da história. Então é comum receber mensagens anônimas de ameaças e, ao mesmo tempo, invadir quartos e deixar imagens de dedos do meio enormes nas paredes.
Infelizmente, os diálogos continuam com o mesmo problema de sempre: eles parecem sair de uma novela adolescente, com reações exageradas e expressões extremamente robóticas. O fato de não haver qualquer sincronia labial também cria situações de incômodo, fazendo-nos sentir que estamos em gerações antigas de videogames. Entretanto, nada disso parece incomodar, já que a ligação com Max continua firme e forte, e passamos a nos acostumar com seus pensamentos apontando tudo o que há pela frente.
Os momentos em que acompanhamos Max com seus fones de ouvido são extremamente íntimos. A sensação é a de que estamos no mesmo ambiente que ela.

Ao mesmo tempo em que temos que lidar com os problemas alheios, os nossos parecem continuar aumentando: as tensões que antes existiam ainda não se resolveram, e precisam de dedicação. É a primeira vez na série que as prioridades começam a surgir, trazendo a impressão de que talvez estejamos estragando tudo com as nossas escolhas. Mas, afinal de contas, não é isso que pensamos durante quase toda a adolescência? Está, no brilho do jogo, o fato de que ver as coisas tendo um desfecho ruim pode se tornar algo bom.

Cultivando amizades

A amizade de Max e Chloe ficou muito mais forte depois que elas compartilharam o segredo sobre os poderes de Max. Grande parte do episódio foca em desenvolver essa ligação, trazendo atividades sem compromisso e que parecem não ter grande impacto no futuro da personagem. E é exatamente isso que o jogo quer que você pense.
Muitos puzzles do jogo são feitos a partir da coleta de objetos e da exploração de cenário: e é em um terreno abandonado onde muitos estão localizados.

Ao mesmo tempo em que nos divertimos com o nosso poder atirando em objetos e voltando ao passado para não desperdiçar balas, são as pequenas ações que têm grande papel, sem que saibamos. É aquele pequeno gesto de se abaixar para pegar o lápis que caiu no chão que será colocado em questão e fará o jogador se questionar perante suas atitudes. É preciso lembrar que não controlamos as ações dos outros personagens, e é por isso que muitas vezes ter poderes não traz vantagem alguma.
Em um dos momentos do jogo, Max e Chloe estão em um terreno abandonado, brincando com uma arma de fogo. Por curiosidade, resolvi atirar em diversos lugares e ver o efeito que isso teria, antes de rebobinar e evitar que o tiro fosse desperdiçado. Em um dos possíveis futuros, Chloe é atingida com um tiro e mesmo evitando que isso ocorra, é impossível apagar a imagem da nossa mente.
Neste momento da história, sejam quais foram as escolhas feitas pelo jogador no episódio anterior, já é clara a distinção de quem são os vilões da história, mesmo que não saibamos exatamente o que tenham feito. É dada a opção de descobrir mais sobre suas histórias e começar a ver os motivos que os levaram a fazer o que fizeram. Paralelamente, outras tramas continuaram sem nenhuma mudança: quem é Rachel, a adolescente que sumiu, e onde ela foi parar? A única conclusão que podemos ter é a de que tudo se conectará em algum momento, e isso é extremamente assustador.

Apenas para os mais fortes

Curiosamente, o jogo muda a partir da metade do episódio e toma rumos inesperados. Pela primeira vez vemos um efeito colateral dos poderes de Max, mesmo que ainda não saibamos o que isso poderá fazer à personagem no futuro — mas não será nada bom. Com isso, há sempre o receio de que seremos pegos de surpresa por algo desagradável, e é exatamente isso o que começa a acontecer.
O retorno à cidade onde Max cresceu parece guardar muitos segredos. É interessante que possamos visitar tais lugares e conhecer outras pessoas de fora da universidade.

Há duas situações extremamente tensas e aflitivas, que colocam o jogador no controle do descontrole. O que antes parecia apenas brincadeira, sendo usado seriamente apenas para melhorar relações, terá o seu uso para salvar vidas. É curioso o quão difícil é lidar com a morte, mesmo sabendo que ela pode ser evitada, e tudo isso em um jogo de videogame. Life is Strange merece muitos méritos por ousar e conseguir trazer o desespero de um uma personagem para as mãos que seguram o controle.

Já um pouco assustado, não pude acreditar no final do episódio. Poucas palavras conseguem expressar a situação em que somos colocados, sem a opção de voltar no tempo e com tanto a perder. Um dos temas mais difíceis da atualidade, que ainda é tabu em muitos lugares, é colocado em discussão e nos faz ver o quão cuidadosos devemos ser com as relações que temos com os outros: os maiores poderes estão nas palavras.
Antes de encerrar a história, o jogo nos mostra as estatísticas mundiais, com porcentagens indicando as escolhas dos jogadores. Curiosamente, muitos não conseguiram suportar o final que tiveram e refizeram tudo, apenas para que não convivessem com o peso na consciência. E há quem diga que os jogos são apenas brinquedos. 
Terminei o jogo extremamente insatisfeito com o resultado, sentindo-me extremamente culpado. Ainda assim, é da natureza do jogo que nos deixemos levar pelos resultados de nossas ações, e fazer o possível para que vivamos uma história única, que possamos dizer ser somente nossa. Se Life is Strange parecia ser leve e divertido, é melhor que pensemos algumas vezes antes de indicá-lo aos mais fracos: ainda há muito a ser descoberto e que possa mudar. A vida é assim mesmo.

As incertezas do futuro

Enquanto Max pode voltar no tempo, nós nos preocupamos com o futuro. Se os próximos episódios mantiverem essa qualidade e profundidade de roteiro, teremos um enorme amadurecimento da personagem e momentos cada vez mais complexos e sentimentais. Ao mesmo tempo em que isso é bom, espero que a sensação de proximidade e calmaria dos ambientes se mantenham — esse ainda é o maior ponto forte do jogo.
A história termina com outro pôr do Sol, e ainda mais mistérios são apresentados. Além de deixarem aquele gosto de "quero mais", mostram que ainda há muito a ser explorado.

Apesar de ansioso, temo por um destino no qual os quesitos sobrenaturais recebam explicações sem sentido ou simples demais. Em um universo em que as pessoas e as situações são tão rotineiras seria triste ver um desfecho no qual não haja preocupação com a maneira como tudo acaba: a série de TV Lost já fez isso, e não queremos nos desapontar novamente.

Seja como for, Life is Strange só melhora. Uma pena não ser possível voltar no tempo para jogar tudo novamente, como se fosse a primeira vez.

PRÓS

  • Trilha sonora continua fantástica;
  • Ambientes acolhedores;
  • Personagens ganhando profundidade;
  • Temas sérios com destaque;
  • Final abrindo novas possibilidades;
  • Pequenas decisões com grandes resultados.

CONTRAS

  • Animações simples demais em diversos momentos;
  • Falas continuam forçadas;
  • Pequenos travamentos entre algumas cenas.
Life is Strange Episode 2: Out of Time — Multi — Nota: 9,0
Versão utilizada para análise: PS4
Revisão: Vitor Tibério
Capa: Angelo Gustavo

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