As influências dos grandes títulos e seus problemas

Jogos conseguem vender milhões e passam a influenciar futuros lançamentos. Seria isso bom ou prejudicial ao mercado?

em 04/03/2015

Uma das discussões mais fervorosas entre os jogadores de videogame corre em torno dos primeiros criadores de algo que fez sucesso. Aparentemente, a única maneira de validar a qualidade de algo neste mercado é verificando se o conteúdo foi feito antes de todo o restante: quem liga para o PlayStation Move quando a Nintendo criou os Wiimotes?


Entretanto, em qualquer área de criação, sabe-se que há duas opções de atuação. É possível criar algo totalmente novo — o que normalmente é mais difícil — ou melhorar uma ideia já utilizada. Basta olhar ao redor, não há somente uma opção de refrigerantes, e sempre há quem prefira Pepsi à Coca-Cola. Tendo isso em vista, não há nada mais comum do que ver uma companhia de games lançando aparelhos que virem tendência entre as outras, e isso apenas abre novos caminhos para o surgimento de novas tecnologias.

Um passado de cópias

Ao se tratar de jogos, as coisas parecem ser um pouco mais delicadas. No início, quando as grandes tendências giravam em torno de telas escuras e poucos pixels em movimento, o surgimento de um herói chamado “Jumpman” (que se tornou o famoso Mario, pouco depois) em um jogo da Nintendo mudou todo o cenário, fazendo com que diversos lançamentos futuros envolvessem a busca por uma donzela em perigo. Logo, os jogos começaram a expandir suas temáticas e ganhar muito dinheiro — tudo por conta de um jogo, que teve sua ideia reutilizada em tantos outros depois.
O controle do Nintendo 64 mostrou-se muito diferente do seu antecessor: havia um "enorme botão cinza" no centro, que revolucionaria toda a indústria.
Com o Nintendo 64, o botão analógico se popularizou, presente até hoje em todos os controles de todos os consoles. Ele mostrou que era muito melhor utilizá-lo para controlar espaços com três dimensões, mas era extremamente duro e desconfortável de usar (apesar de só percebermos isso hoje, já que na época ele se mostrou revolucionário). Isso não ocorreu devido ao seu lançamento, e sim ao fato de diversas outras empresas terem tentado aprimorá-lo cada vez mais — isso é perceptível ao vermos que a Nintendo não tem os controles mais ergométricos do mercado.

Obviamente, há ideias que pareciam mudar o jeito de jogar, e que ficaram no passado, assim como outras que sequer empolgaram quando mostradas ao público. Em um passado não muito distante, ter guitarras de plástico na sala de estar era sinônimo de diversão e trazia uma sensação de futuro e modernidade. Era a nova era dos jogos musicais, tendo diversas versões e empresas fabricando periféricos com poucas diferenças entre si. Hoje, com os rumores de uma possível volta do gênero, perguntamo-nos se queremos continuar brincando com aparelhos tão grandes e caros, enquanto tantas outras novidades chegam ao mesmo tempo.

Inspirações às avessas

The Order: 1886 traz belos gráficos que escondem jogabilidade simples e muitos problemas.

Tendo um lançamento recente, o jogo The Order: 1886 causou discussões e desapontamentos em muitos jogadores, devido a tantos problemas em sua jogabilidade. Entre vídeos e cenas de Quick Time Events, o jogador encontrou pouca diversão e muita frustração entre mortes súbitas e inteligência artificial praticamente inexistente. Mas, enquanto jogávamos, deparamo-nos com uma sensação de que já havíamos visto aquilo em outro lugar.

Nosso personagem estava atrás de um muro, extremamente protegido dos tiros que tentavam lhe atingir. Bastava esperar o momento certo para agir, enquanto o inimigo recarregava sua arma e não teria como revidar um ataque. A única opção em mente é correr até ele e acertá-lo com golpes físicos, já que outra parede o protegeria dos tiros, e é o que fizemos. Corremos até onde ele está e, por um pequeno cálculo errado, vimo-nos parados na sua frente, enquanto ele nos observa. Nada acontece, é como se não estivéssemos lá. Na vida real, já estaríamos mortos, por um golpe de arma na cabeça, ou qualquer outra coisa que o inimigo jogasse contra nós. Já, aqui, basta que apertemos um botão e garantimos a vitória neste confronto.

Ao contrário do que muitos pensam, o parágrafo acima não foi escrito tendo em mente o jogo The Order: 1886, e sim o tão bem-avaliado The Last of Us. Mesmo sendo considerado um dos melhores jogos para PlayStation 3, ele tem alguns problemas em sua mecânica, com oponentes tendo reações nada espontâneas e ações premeditadas. The Order: 1886 trouxe fortes influências dele (por isso sentimos certa familiaridade com o jogo), mas se esqueceu de que seria preciso melhorar a Inteligência Artificial para tornar a experiência agradável. Como resultado, tivemos uma repetição dos erros ao invés da sua melhora.

Outro elemento utilizado em The Order: 1886 é a habilidade de pular e agarrar em diversos muros e janelas, dando um toque de parkour à movimentação do personagem. Tudo isso começou há muito tempo, e teve seu auge em jogos como Assassin’s Creed e Uncharted. O que é importante perceber é que nem sempre o que deu certo em um game dará certo em outro: não há necessidade alguma de haver isso em The Order: 1886. São poucas as cenas em que isso ocorre, e não acrescentam nada na narrativa — no máximo estranhamos o fato de o personagem conseguir fazer esses movimentos.

O último Tomb Raider, lançado para quase todos os consoles, trouxe uma Lara Croft renovada, com ótimos visuais e uma nova história. Mas o que torna realmente interessante a sua inserção neste texto é que ela já trazia muitos elementos de parkour em seus primeiros jogos, fazendo com que Uncharted fosse considerado o “Tomb Raider versão masculina”. Já na atualidade, muitos de seus elementos parecem inspirados em Uncharted, e ainda assim conseguem ser únicos e trazem pequenas mudanças que fazem toda a diferença. Percebam: são jogos aprendendo entre si, melhorando sua jogabilidade e incentivando a inovação na indústria.

A cópia da cópia

Todas as vezes que ando em algum shopping, faço questão de parar nas vitrines das lojas de videogame. Apesar dos preços absurdos e de nunca comprar nada, a sensação de estar em um ambiente agravável aos meus gostos parece me atrair. Sempre há, do lado de fora, uma televisão passando imagens de jogos, tentando atrair clientes, e é comum que eu passe um tempo vendo para adivinhar qual é. Quando o título é muito famoso, demoro apenas alguns segundos, mas o grande desafio aparece quando tudo o que vejo é apenas uma junção de todos os jogos, parecendo ser algo genérico.
Flappy Bird é uma cópia de muitos outros jogos, que fez sucesso no mundo todo. Ainda assim, milhares tentaram copiar sua fórmula, lançando diversos clones.
Enquanto tantas empresas se preocupam em trazer a diversão com melhorias e novidades, muitas ainda tentam seguir uma fórmula. “Se deu certo para eles, dará certo para nós”, é o que pensam. E é assim que, ao entrarmos em uma loja de aplicativos virtuais para smartphones nos deparamos com milhares de títulos com imagens e propostas praticamente iguais: não é preciso sair de casa para sermos bombardeados com produtos feitos para a venda, e não para a diversão. Claro, há exceções, mas elas costumam ser as que se destacam e merecem vender.

Entre tantos problemas, um dos que parece ganhar muito foco é a duração dos games. The Order: 1886, novamente fazendo parte dos escândalos, tem duração entre 6 e 8 horas, sem qualquer conteúdo extra.
A duração de um jogo vai além dos números marcado na sua tela. Ela envolve a sensação de tempo que temos enquanto jogamos, da diversão que estamos tendo e da imersão naquele espaço. The Last of Us ofereceu pouco mais de 12 horas de jogo, na minha experiência, mas conseguiu me prender tão bem que pareceu ter o tempo perfeito. Cada game deve durar o necessário para que conte sua história e traga elementos que façam o jogador reviver tudo, o que faz com que não tenham isso como base e inspiração para futuros projetos. The Order: 1886 teve a duração que deveria ter — mais do que aquilo tornaria o jogo entediante e ainda mais repetitivo.

Jogar é interagir

É preciso inovar. Isso não significa que precisemos de aparatos que nos coloquem no jogo ou de novos controles, mas que os desenvolvedores devem pegar o que têm e trazer novos elementos que deixem o seu jogo com cara única. Isso envolve não somente as vendas, já que normalmente o que é igual ao restante não vende bem, mas também o futuro do mercado. Trazer pequenas coisas novas pode desencadear futuras descobertas e modos de jogo que mudem o cenário dos videogames — tudo precisa evoluir.
Em The Walking Dead, grande parte do tempo gasto pelo jogador envolve responder perguntas e assistir o resultado de suas ações.

Também é importante lembrar que há um motivo pelo qual os games são diferentes das outras mídias: eles oferecem interações. Ainda pior do que se inspirar em outros jogos e acabar copiando-os é tentar se equivaler ao cinema ou outras formas de entretenimento. É claro que jogos como The Walking Dead, da Telltale Games, misturam muitos elementos, mas fazem isso para criar outro tipo de experiência ao jogador, lançando tudo em episódios de maneira a não ficar cansativo. Tudo o que um jogador não quer é comprar algo para jogar e acabar assistindo ao invés disso — foram tantos anos para que o mercado estabelecesse sua independência, este tipo de regressão não garantirá nenhum Oscar e acabará perdendo sua identidade.

Influências fazem parte da vida de todos nós. Temos elas em nossos pais, em ídolos, em profissionais da nossa área, etc. Mas é preciso que nos tornemos únicos para nos destacar, e não que viremos uma cópia deles (ou de seus erros, o que pode ser ainda pior). Jogos devem ter a mesma mentalidade, utilizando inspirações de diversos meios para se tornarem únicos e priorizando a diversão. Não é o fato de Steve Jobs e Bill Gates criarem computadores que os fazem iguais, e sim o de que seus produtos inovam e competem de maneiras diferentes.

Enquanto esperamos isso dos desenvolvedores, só nos resta continuar jogando e cobrando experiências completas. E, claro, deixarmos de nos preocupar tanto com quem veio antes, ovo ou galinha. Afinal, o que importa mesmo é o pernil que comeremos no almoço.

Revisão: Vitor Tibério
Capa: Felipe Araujo 


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